Direito Civil

Reconhecimento de ofício da prescrição e a decadência

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27 de setembro de 2009, 7h44

Questão relevante decorre a respeito da possibilidade de reconhecimento de ofício pelo magistrado da prescrição e da decadência no Direito Civil. Passemos à análise do tema.

O tempo exerce forte influência no Direito, mormente na aquisição e extinção de direitos[1]. Aponta Paulo Dourado de Gusmão[2] ser a influência do tempo bastante importante nas relações jurídicas, as quais podem ser “constituídas para durar por tempo indeterminado, e outras, por tempo determinado”. Nos primórdios, as ações eram eternas.

Dessa forma, podemos perceber que, desde os primórdios, o Estado foi buscando estabelecer a paz social e solidificar as situações fáticas existentes. A inércia do titular do direito em exercê-lo não pode perdurar eternamente. Como consabido, dormientibus non sucurrit jus[3].

Souza Filho[4], a respeito do tempo, afirma: “A prescrição promove a consecução de um interesse jurídico-social, a saber: proporcionar segurança às relações jurídicas. É instituto de ordem pública”.

O princípio da segurança jurídica, ademais, deve prevalecer sobre os interesses meramente individuais do titular do direito supostamente violado.

A não-alegação da ocorrência da prescrição no processo civil, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, estava disciplinada no artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, o qual dispunha:
§ 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).

Tal dispositivo restou derrogado pelo artigo 194 do Código Civil de 2002, expressis verbis:
Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz. (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006)

O artigo 194 do Código Civil, por sua vez, restou revogado pela Lei 11.280, de 2006, a qual alterou a redação do artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, passando a ter a seguinte redação: “§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”

Alves[5] alude apagar-se a eficácia da pretensão:
“(…) se houver o exercício do direito de exceção de prescrição pela pessoa a quem aproveita. Se não há essa alegação, o juiz há, sob a Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, artigo 3º, supri-la de ofício, aliter do que se passava anteriormente, em que não no podia, salvo se favorecesse a absolutamente incapaz, dizia o artigo 194, 2ª parte, referindo-se à pretensão encoberta pela prescrição.”

Efetuando severas críticas à possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício à prescrição Alexandre Freitas Câmara[6] aponta:

“É desnecessário dizer que o Direito brasileiro jamais admitiu o reconhecimento de ofício da prescrição. Este é ponto que dispensa comprovação, por sua notoriedade. Não é só no Brasil, porém, que este sempre foi o tratamento dado à matéria. Outros ordenamentos jurídicos vedam, categoricamente, o reconhecimento ex officio da prescrição. Assim, por exemplo, o Código Civil italiano, cujo artigo 2.938 estabelece, expressamente, que "il giudice non può rilevare d’ufficio la prescrizione non opposta ". Também o Código Civil francês trata do tema, em seu artigo 2.223: "Les juges ne peuvent pas suppléer d’office le moyen résultant de la prescription". O artigo 142 do Código de Obrigações da Suíça tem redação análoga: " Le juge ne peut suppléer d’office le moyen résultant de la prescription". O Código Civil argentino dispõe sobre o tema em seu artigo 3.964: "El juez no puede suplir de oficio la prescripción". Vale citar, ainda, o Código Civil português, cujo artigo 303º estabelece que "o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo ministério público".”

Alexandre Freitas Câmara[7] defende que a modificação legislativa em apreço ofende a autonomia da vontade, havendo ofensa ao princípio constitucional da liberdade. Afirma:
“Pois a norma ora em exame, ao estabelecer que o juiz tem o poder de reconhecer de ofício a prescrição, invade, de forma absolutamente desarrazoada e irracional, a esfera da autonomia privada dos participantes de uma relação jurídica obrigacional, ao levar o juiz a ter de reconhecer uma prescrição que o prescribente não quer que lhe aproveite. Penso, assim, que há aqui mais uma inconstitucionalidade do dispositivo sub examine, que viola o princípio constitucional da liberdade.

Ainda que assim não fosse, porém, penso que outra inconstitucionalidade haveria. Isto porque a meu ver é inconstitucional a norma jurídica que invade desnecessariamente a autonomia da vontade, corolário da garantia constitucional da liberdade.”

Discordando do posicionamento de Alexandre Freitas Câmara, temos o entendimento de Eduardo Ferreira da Silva[8]:

“Data Venia, Daniel…
Mesmo com todo o respeito pela obra de Alexandre Câmara, creio que existam outros princípios e ponderações que devam ser considerados no tocante a decretação ex officio da prescrição.

Vejamos: O Autor, conhecedor de seu direito, manteve-se inerte durante toda a "vigência" dele…e somente após ser alcançado pelo instituto da prescrição, decide se insurgir para perquirir tutela jurisdicional. Isso não seria falta de interesse de agir?

E mais, a decretação ex officio da prescrição tem o cunho de estimular o sujeito de direito a mover-se em busca da tutela do Estado. E por isso, é um instrumento essencial para a prestação do serviço jurisdicional, em respeito ao princípio da efetividade.”

No que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a inteligência do artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei”.

Maria Helena Diniz[9] afirma:

“Decretação ex officio da decadência. A decadência, decorrente de prazo legal, é matéria de ordem pública; deve ser, uma vez consumado o prazo, considerada e julgada pelo magistrado, de ofício, independentemente de argüição do interessado. Se a decadência for convencional, o juiz dela não pode apreciar a não ser que haja provocação do interessado (CC, art. 211).”

No que pertine à declaração de ofício da decadência convencional pelo magistrado, incide o artigo 211 do Código Civil: “Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação”. Maria Helena Diniz[10] obtempera:

“Argüição de decadência convencional. Se o prazo decadencial for prefixado pelas partes, aquela a quem aproveitar poderá alega-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não poderá, de ofício, suprir tal alegação, logo, se não for alegada, pressupor-se-á sua renúncia.”

Dessarte, de acordo com o artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (com redação dada pela Lei nº 11.280, de 2006), o juiz poderá no processo civil pronunciará, de ofício, a prescrição. No que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a inteligência do artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei”.

Diante do exposto, infere-se, em apertada síntese, ser possível ao magistrado declarar: (i) de ofício a prescrição; (ii) de ofício a decadência legal; (iii) mediante provocação do interessado a decadência convencional.

Referências bibliográficas
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, 944p.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, 1838p.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, 206p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense, 22ª ed., 1997, 441p.
SILVA, Eduardo Ferreira da. Informação epistolar emitida em 09/12/2007.
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. NOVOS RUMOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO. Universo Jurídico, Brasil, 30/04/2006. Disponível em Acesso em: 04/11/12007.


[1] A esse respeito: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 179.

[2] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense, 22ª ed., 1997, p.245.

[3] “O direito não socorre aos que dormem.”

[4] SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. NOVOS RUMOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO. Universo Jurídico, Brasil, 30/04/2006. Disponível em Acesso em: 04/11/12007.

[5] ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 77.

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.

[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.

[8] SILVA, Eduardo Ferreira da. Informação epistolar emitida em 09/12/2007.

[9] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 249.

[10] DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 249.

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