Infração contratual

Lupo deve indenizar modelo em R$ 30 mil por danos

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26 de setembro de 2009, 2h21

A exposição de imagem de forma ofensiva, sem autorização e fora do prazo contratual, causa danos morais. Com este entendimento, a juíza Maria Isabel Caponero Cogan, da 40ª Vara Cível de São Paulo, determinou que a Lupo pague R$ 30 mil ao modelo Victor Daniel Pecoraro. A foto dele, que deveria ser aproveitada apenas para catálogo de campanha interna da linha de cuecas da marca, foi exposta em tamanho natural no setor de salsicharia e frios de um supermercado.

O modelo, representado pelo advogado Paulo Visani, havia firmado três tipos de contrato com a empresa. Dois foram “termos de cessão e autorização de uso de imagem”, em 21 de novembro de 2005 e 23 de janeiro de 2006. O outro foi  “Instrumento Particular de Prestação de Serviços e Concessão de Imagem Caracteristicamente Eventuais por Tempo Determinado para Utilização em Campanha Publicitária”, em 26 de junho de 2006.

Em 19 de setembro de 2006, foi assinado um Termo de Distrato e Quitação em razão de a empresa ter descumprido cláusula do contrato firmado em junho 2006, de acordo com os autos. O documento determinava que a empresa só poderia utilizar quatro fotos feitas pelo modelo para a coleção Lupo Cavalera, no período de setembro de 2006 a setembro de 2007, somente para o catálogo de uso interno dos vendedores. A foto foi vista no supermercado em janeiro de 2007.

De acordo com a Lupo, o contrato não havia sido rescindido e a empresa tinha permissão de utilizar a imagem do autor no ponto-de-venda até novembro de 2006. A partir da análise dos documentos, a juíza entendeu que “resta claro que houve infração contratual, vez que o contrato de novembro de 2005, que previa a utilização da imagem do autor em ponto de venda, já havia expirado em novembro de 2006 e a exposição da foto no supermercado ocorreu em janeiro de 2007”.

A empresa alegou que o modelo, em sua ação, não havia reclamado do uso de imagem fora do período previsto no contrato. E que ele apenas mencionou a forma com que a imagem foi utilizada pela empresa. A Lupo alegou, ainda, que a imagem foi utilizada em campanha de cuecas da coleção Lupo, e não Lupo Cavalera. O fato foi considerado irrelevante para a juíza. Ora, a questão diz respeito ao uso indevido da imagem do autor ao arrepio do disposto nos contratos estabelecidos entre as partes, tanto quanto ao conteúdo como quanto à vigência dos mesmos”, afirmou.

Segundo a juíza, imagem para o Direito é “toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem e, neste caso, a imagem do autor, representada por meio de fotografias, foi utilizada de forma a infringir o pactuado entre as partes. “Acrescente-se que, no caso em tela, o autor se sentiu ofendido ao ver sua fotografia, em tamanho natural exposta, sem autorização, entre a gôndola de cuecas e meias e o balcão de uma salsicharia”.

Leia a decisão

Vistos. VICTOR DANIEL PECORARO ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, em face de LUPO S/A, alegando, em síntese, ter celebrado com a requerida “Termo de Cessão e Autorização de Uso de Imagem” em 21/11/2005, cedendo sua imagem para catálogos de cuecas, anúncios de revista, entre outros, e, após, em 23/01/2006, novo “Termo de Cessão e Autorização de Uso de Imagem”.

Ainda, tendo em vista os bons resultados obtidos, firmaram as partes, em 26/06/2006, “Instrumento Particular de Prestação de Serviços e Concessão de Imagem Caracteristicamente Eventuais por Tempo Determinado para Utilização em Campanha Publicitária”. Quanto a este contrato, sustenta o autor que houve infração contratual cometida pela ré, o que resultou no “Termo de Distrato e Quitação”, em 19/09/2006, restando à contratante a utilização de quatro fotos feitas pelo requerente para a coleção Lupo Cavalera, de 01/09/2006 até 01/09/2007, somente para catálogo (uso interno dos vendedores).

Conforme o autor, houve nova infração contratual por parte da requerida, tendo esta violado o direito de uso da sua imagem, vez que a foto em questão destinava-se, unicamente, a catálogos para uso interno de vendedores, e não ao denominado ponto de venda. No entanto, a aludida foto foi vista junto a uma gôndola de supermercado (Carrefour), ao lado do balcão de uma salsicharia.


Tal fato, além de configurar uso indevido da sua imagem, causou-lhe constrangimento, já que sua imagem foi vulgarizada, estampada em local popular e ao lado do mencionado balcão de frios. Por tais motivos, o autor pede que a presente ação seja julgada procedente para condenar a ré no pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) a título de danos morais. Juntou documentos (fls. 19/51).

O requerido foi regularmente citado por carta precatória (fls. 64) e apresentou contestação (fls. 80/99, com documentos de fls. 100/104), sustentando, em síntese, que o contrato de 21/11/2005, não rescindido, permitia o uso da imagem do autor em várias hipóteses, inclusive, no denominado ponto de venda. Ademais, alegou que não houve dano moral, pugnando pela improcedência. Houve réplica (fls. 106/115).

Designada audiência de conciliação, a mesma restou infrutífera (fl. 119). Instados a especificarem provas (fl. 121), o autor pleiteou a produção de prova documental e oral, consistente no depoimento pessoal da requerida (fl. 122). Esta, por sua vez, informou não ter prova oral a produzir (fl. 124). Saneador às fls. 125/127, tendo sido designada audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que foram juntados documentos e colhidos os depoimentos pessoais das partes (fls. 143/167).Memoriais às fls. 173/191 e 193/199.

É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO. A ação é procedente. A controvérsia dos autos refere-se à alegação de que a requerida utilizou indevidamente a imagem do autor, em discordância do que fora contratado entre as partes. A requerida insurgiu-se contra a pretensão, alegando que o contrato firmado em 21/11/2005, com prazo de doze meses, não havia sido rescindido, e permitia o uso da imagem do autor no chamado ponto de venda, entre outros, até 21/11/2006.

Ademais, afirmou que a imagem em questão mostrava a utilização de cuecas da coleção Lupo, e não Lupo Cavalera. Em se tratando de responsabilidade civil, impõe-se a análise de seus pressupostos para a configuração do dever de indenizar, quais sejam, a existência da ação ou omissão culposas, a relação de causalidade e o dano. Primeiramente, cumpre salientar que o direito de imagem encontra proteção no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. É considerado bem jurídico essencial, personalíssimo, intransferível e inalienável, embora seu direito de uso possa ser cedido onerosa ou gratuitamente.

É de difícil conceituação, sendo que a doutrina, por vezes apresenta esfera de proteção mais restrita e, outras, mais ampla. A imagem, em sua conceituação restrita, seria aquilo que nós projetamos ou queremos que seja projetado de nós mesmos, sob o aspecto físico, no mundo exterior. Porém, não há que se restringir a característica de imagem à feição, incluindo-se, desta forma, na conceituação os elementos de identificação e distinção de um sujeito. A imagem pode abranger o corpo inteiro ou apenas parte dele, deste que identifique a pessoa. Também a reprodução da voz constitui imagem, através da fonografia, da gravação ou da radiodifusão.

De maneira mais ampla, a imagem é compreendida como sendo toda a exteriorização da personalidade humana, incluindo, nesse conceito, os atributos comportamentais da pessoa. Imagem para o Direito é toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem. Assim, nosso entender, a despeito da relevância da necessidade de identificação, podemos dizer que a imagem não compreende apenas os aspectos físicos, mas abrange também as formas estáticas de representação como a fotografia, pintura, fotograma, escultura, holografia, como também os dinâmicos como cinema e vídeo. No caso em tela, a imagem do autor, representada por meio de fotografias, foi utilizada de forma a infringir o pactuado entre as partes.

Foram celebrados entre as partes os seguintes contratos: “Termo de Cessão e Autorização de Uso de Imagem”, em 21/11/2005, outro “Termo de Cessão e Autorização de Uso de Imagem”, em 23/01/2006, “Instrumento Particular de Prestação de Serviços e Concessão de Imagem Caracteristicamente Eventuais por Tempo Determinado para Utilização em Campanha Publicitária”, em 26/06/2006, e, finalmente, “Termo de Distrato e Quitação”, em 19/09/2006, que ocorreu em razão de a ré ter descumprido cláusula do contrato firmado em 26/06/2006, o que, inclusive, foi mencionado no próprio corpo do termo de distrato e quitação. Assim, restou à requerida, conforme o distrato (fls. 43/44, cláusula 1.2), a utilização de quatro fotos feitas pelo requerente para a coleção Lupo Cavalera, de 01/09/2006 até 01/09/2007, somente para catálogo (uso interno dos vendedores). A requerida alegou que, embora tenha ocorrido o acima mencionado, não havia sido rescindido o contrato firmado em 21/11/2005, com validade até 21/11/2006, que autorizava a utilização da imagem do autor em ponto de venda. Assim, não teria havido, por parte da ré, descumprimento contratual.


Contudo, não possui razão a requerida. Vejamos. Primeiramente, descabida a alegação da requerida no sentido de que o autor não mencionou, na inicial, que a presente ação se refere ao uso de imagem fora do período previsto no contrato. Ora, a questão diz respeito ao uso indevido da imagem do autor ao arrepio do disposto nos contratos estabelecidos entre as partes, tanto quanto ao conteúdo como quanto à vigência dos mesmos.

Aliás, no saneador de fls. 125/127, foi levantada a questão acerca da data em que foi exposta a fotografia do autor, não havendo que se falar em inserção de fato não articulado na inicial. Quanto aos contratos de 26/06/2006 e de 21/11/2005, noto que estes versavam sobre objetos diversos, não sendo uma prorrogação ou extensão um do outro. A respeito do contrato de 25/11/2005, este, de fato, permitia a utilização da imagem do autor em várias hipóteses, inclusive no aludido ponto de venda, até 25/11/2006. No entanto, o documento juntado à fl. 147 aponta a data da revista que aparece acima da imagem do requerente à fl. 29, qual seja, 22/01/2007, donde se conclui que esta seja a data em que houve a exposição da foto em questão, no supermercado Carrefour. Assim sendo, resta claro que houve infração contratual, vez que o contrato de 21/11/2005, que previa a utilização da imagem do autor em ponto de venda, já havia expirado em 21/11/2006 e a exposição da foto no supermercado ocorreu em janeiro de 2007.

Irrelevante se a mencionada foto diz respeito à coleção Lupo ou Lupo Cavalera. O fato é que, em qualquer hipótese, a ré não tinha mais o espaldo contratual para assegurar o seu direito à utilização das fotos do autor em ponto de venda, posto que o contrato de 21/11/2005 já havia expirado e o distrato de 19/09/2007 previa a utilização de quatro fotos, de 01/09/2006 até 01/09/2007, somente para catálogo (uso interno dos vendedores), e não para ponto de venda, conforme ocorreu no caso em tela.

Entendo que a utilização da imagem do requerente após o término do contrato que a permitia caracteriza dano moral. A exposição indevida da imagem, por si só, é capaz de gerar a indenização por dano moral, independentemente de ser ofensiva ou não à pessoa retratada. Acrescente-se que, no caso em tela, o autor se sentiu ofendido ao ver sua fotografia, em tamanho natural exposta, sem autorização, entre a gôndola de cuecas e meias e o balcão de uma salsicharia.

Conforme já dito, o direito à imagem é considerado bem jurídico essencial, personalíssimo, extrapatrimonial, não havendo como negar a reparação à autora, já que a obrigação de indenizar, nesses casos, é conseqüência do próprio uso indevido desse direito, não se cogitando acerca da prova da existência, ou não, de qualquer prejuízo ou dano sofridos. Em outras palavras, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo desnecessário perquirir-se a conseqüência do uso, se ofensivo ou não.

Nesse sentido: ”DIREITO À IMAGEM – Indenização – Ato ilícito – Publicação não autorizada de fotos de renomado ator de televisão em catálogo promocional de empresa de vestuário – Reparação devida, mormente se houve intenção de explorar e usufruir vantagem – Irrelevância de que tal divulgação não tenha sido desprestigiosa”. (Ap 91.030.4/2 – 6ª Câm. – J. 11.05.2000 – rel. Des. Testa Marchi)”.

DIREITO À IMAGEM. MODELO PROFISSIONAL. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. DANO MORAL. CABIMENTO. PROVA. DESNECESSIDADE. QUANTUM.
FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. EMBARGOS PROVIDOS.
I – O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.
II – Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano, nem a conseqüência do uso, se ofensivo ou não.
III – O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada.
IV – O valor dos danos morais pode ser fixado na instância especial, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento na entrega da prestação jurisdicional“. (STJ – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 230.268 – SP – 2001/0104907-7 – RELATOR:

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA)
Analiso, pois, a fixação do quantum dos danos morais devidos. Reconhecida a existência da conduta, dano, nexo de causalidade e mesmo de culpa, estão presentes os pressupostos para a responsabilização. Como já assentado na doutrina e na jurisprudência, a responsabilidade do ofensor, em se tratando de reparação de dano moral, se opera pelo simples fato de existir a violação.

Vale dizer, o dano existe no próprio fato que viola, pouco importando, como no presente caso, se a repercussão dele foi de maior ou menor extensão. Isto porque o dano moral é lesão que atinge o patrimônio ideal da vítima e com isso, como ensina Carlos Alberto Bittar: “Os danos morais plasmam-se, no plano fático, como lesões às esferas da personalidade humana situadas no âmbito do ser como entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais, ou conforme os Mazeaud, como atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade”. São dois os critérios fundamentais para se fixar o valor da indenização: a intensidade da dor sofrida e a possibilidade econômica do causador do dano.

Para tanto, fundado na teoria do desestímulo, atenta à qualidade das partes e à extensão dos danos, além do desconforto para a vítima e sanção preventiva para o infrator, à luz do critério da razoabilidade, segundo o qual o magistrado, de acordo com o bom senso, deve perquirir a existência do dano moral, e, com cautela, estabelecer o seu montante, em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quantia que entendo suficiente para reparar o mal sofrido, sem trazer enriquecimento ou empobrecimento indevido, sendo certo que o importe é adequado para impor necessária sanção à ofensora.

De acordo com todo o exposto, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar a requerida ao pagamento, a título de indenização por danos morais, da quantia de R$ R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com incidência de juros de 1% ao mês a partir da citação, e correção monetária, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir da data desta sentença.

Em razão da sucumbência, condeno a ré no pagamento das custas judiciais e despesas processuais despendidas, atualizadas a partir do desembolso e em honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação atualizado.

P.R.I. São Paulo, 28 de outubro de 2008.
MARIA ISABEL CAPONERO COGAN
Juíza de Direito  

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