Superlotação carcerária

Lei rigorosa e política criminal ruim lotam prisões

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26 de setembro de 2009, 2h57

Para quem entende de política criminal, já é mais do que provado que a adoção de legislação mais dura na área criminal não é o caminho para reduzir a violência. Não bastasse isso, ainda contribui com a superlotação do sistema carcerário. A conclusão é reforçada com números apresentados recentemente pelo Ministério da Justiça, que aponta um crescimento de 23 mil presos de dezembro de 2008 a junho de 2009. Atualmente as prisões brasileiras abrigam cerca de 470 mil presos.

No início da década de 90, 18% dos presos cumpriam prisão provisória. No ano passado, a porcentagem subiu para 43%, o que equivale a 190 mil presos provisórios. Dados do Ministério da Justiça ainda dão conta de que 44% dos presos estão detido por crimes contra o patrimônio, como roubo, furto e receptação.

Para Erivaldo Ribeiro dos Santos, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, que acompanha de perto a situação dos presos no país nos mutirões carcerários do CNJ, a análise dos números não é tão simples. Ele não acredita que num período de menos de um ano foram presas mais 23 mil pessoas. Segundo Santos, o aumento pode se dever também à melhora no sistema de estatística de presos. Para ilustrar, ele cita o mutirão feito na Bahia, que contou 5,8 mil presos que não faziam parte das estatísticas da população carcerária. “O aumento, ao menos em parte, pode ser atribuído ao aperfeiçoamento da estatística”, diz.

Dados do Ministério da Justiça apontam que a população carcerária dobrou em nove anos — passou de 232 mil para 479 mil. Para Erivaldo Santos, há ainda mais imprecisão nesses números. É que, antes de 2004, não existia o Infopen (Sistema Integrado de Informação Penitenciária). “Sistema que não é perfeito, mas é mais confiável”, disse. O juiz diz que, por isso, não dá para afirmar que a população carcerária dobrou em nove anos.

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico sobre esses números, o promotor de Justiça em Minas Gerais, André Luís Alves de Melo, mestre em Direito Social, comentou que os "mutirões estão mostrando uma realidade que insistimos em negar, os profissionais do Direito não gostam de visitar presídios". Segundo ele, "a solução apresentada por alguns setores é que devemos criar ou ampliar mais um órgão público para atendimento jurídico aos presos, em um modelo estatizante". O promotor lembra que a Defensoria Pública tem 80% do seu efetivo atuando na área cível, conforme 2º Diagnóstico da Defensoria feito pelo Ministério da Justiça. E conclui que "em vez de atender aos réus criminais, o órgão prefere cuidar de causas cíveis, como meio ambiente, direitos coletivos e consumidor".

Rígidas e ineficazes
O presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria (CNPCP), Geder Luiz Rocha Gomes, imputa o crescimento da população carcerária à maior rigidez das leis no país. Do início dos anos 90 para cá, foram elaboradas inúmeras leis que passaram a criminalizar tudo, inclusive com aumento de penas, diz Gomes. Para ele, os efeitos estão sendo sentidos agora. A Lei dos Crimes Hediondos é um exemplo típico, de acordo com ele, que lembra que a norma não teve impacto significativo nos índices de criminalidade e ainda colaborou para agravar o problema da superpopulação carcerária.

Gomes cita um exemplo mais recente de lei rigorosa e ineficaz para conter a violência: a Lei 12.015/09, que trata dos crimes sexuais e prevê aumento de até 50% da pena nos casos em que o estupro ou abuso resultar em gravidez ou doença sexualmente transmissível. A punição máxima para o estupro seguido de morte, que antes era de 25 anos, agora chega a 30. O presidente do CNPCP cita ainda outras leis que contribuíram para o aumento da população carcerária nos últimos anos: a Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95), Lei do Regime Disciplinar Diferenciado (Lei 10.792/03), Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Para Geder Rocha Gomes, a luta do Estado para endurecer cada vez mais a legislação é provocada pela mídia em conjunto com a sociedade, “que vivem numa simbiose”. A soma mídia e opinião pública resulta em insegurança e reflete diretamente nas leis criadas como pacote de emergência para dar uma resposta à sociedade, diz Gomes. A mídia transmite um estado de insegurança que muitas vezes não condiz com o cenário real, completa.

“Outro problema está na cultura punitiva. Política de segurança pública virou aprisionamento. Hoje, se não há prisão, não há Justiça.” Para ilustrar, Gomes cita pesquisa feita pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) em 2006. A pesquisa aponta que, quando são julgados, 25% dos presos provisórios recebem penas alternativas. Ou seja, ficam presos e, quando condenados, são soltos..

Outro problema, de acordo com ele, está no imediatismo das políticas públicas. A solução para o problema está em investimentos em políticas sociais efetivas e não na expansão da política penal, sugere. “O aprisionamento não resgata ninguém. Pelo contrário. Hoje o criminoso está contido, amanhã ele estará contigo. 80% dos presos que saem das cadeias voltam a cometer crimes. A prisão é cara e não funciona.” Ampliar a aplicação de penas alternativas pode ajudar a diminuir esse índice, diz. “Prender quem precisa e quem não precisa só acarretará mais problema para o sistema.”

O professor Alamiro Velludo Salvador Netto compartilha da opinião do presidente do CNPCP. Ele, que dá aula de Direito Penal na USP, também defende que o recrudescimento da política penal favorece o caos do sistema prisional. O Estado não pretende reintegrar ninguém quando prende, diz. Há um descaso com o cidadão que vai parar atrás das grades. De cada 100 presos analisados durante os mutirões carcerários, 26 tinham benefícios para receber, apontou estudo do CNJ sobre os mutirões carcerários.

Redução a caminho
O advogado Pierpaolo Bottini destaca que já existem medidas para reduzir a população carcerária. Além dos mutirões feitos pelo Conselho, ele lembra da decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucional a execução provisória da pena. Pela decisão, o réu só pode ser preso quando se esgotam todas as vias de recurso da sentença condenatória.

Para Bottini, no entanto, o impacto só será sentido quando estes mecanismos forem adotados de maneira mais efetiva. Ele sugere que os mutirões carcerários se tornem algo permanente e que a iniciativa não dependa apenas deste órgão. “O papel chave está na Defensoria Pública, que infelizmente não tem estrutura para enfrentar o caos do sistema carcerário. Existem, hoje, prisões acima do prazo legal, prisões não fundamentadas, entre outras irregularidades. Por isso, a Defensoria precisa ser fortalecida.”

Outra solução está na mudança de cultura do próprio Judiciário, diz Bottini. Muitos juízes, segundo ele, não têm ideia da agressividade da pena de prisão. A prisão preventiva deve ser aplicada apenas em casos necessário, ressalta. Em pequenos furtos e crimes não violentos, a prisão é desnecessária. “Importante também é a aprovação da lei das medidas cautelares, que altera o Código de Processo Penal. Essa lei dará ao juiz oportunidade de decretar outras medidas como prisão domiciliar, retenção de documentos e até monitoramento eletrônico.” Para ele, o monitoramento não fere o Direito à intimidade do acusado e ajuda no desencarceramento. “Entre a intimidade e a liberdade de ir e vir, eu penso que é razoável ficar com a segunda opção.”

O Projeto de Lei 4.208/01, a que ele se refere, altera dispositivos do Código de Processo Penal, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e remetido ao Senado, onde foi aprovado com Substitutivo. De volta à Câmara, encontra-se na CCJ, onde foi apresentado parecer do relator, deputado José Eduardo Cardozo, pela aprovação do substitutivo do Senado. Logo depois, vai para sanção presidencial.

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