Poupança violada

Tributação da poupança lembra confisco de 1990

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24 de setembro de 2009, 19h31

A caderneta de poupança é antigo investimento da população brasileira. Atrai as classes menos favorecidas e pessoas de perfil econômico conservador, porque constitui operação financeira simples e tem remuneração mensal garantida por lei.

No início do governo do presidente Fernando Collor, em 1990, a poupança foi duramente atingida pelo insano congelamento de ativos financeiros. O povo brasileiro demorou a se recuperar do golpe e restabelecer a confiança na caderneta.

O hábito de alterar regras da economia ainda traz graves reflexos para o Poder Judiciário. Até hoje, os tribunais e fóruns brasileiros estão abarrotados de processos, onde poupadores lesados cobram diferenças de remuneração, devidas em decorrência de “expurgos inflacionários” impostos por “pacotes econômicos” do passado. A duras penas, a Justiça tem solucionado essas demandas e reforça a confiabilidade dos investidores.

Tudo isso em contexto histórico onde o neoliberalismo passou a dominar o globo terrestre e, de modo bem especial, a vida dos brasileiros. Todos tiveram de se render ao “deus mercado”. Autoridades e “doutores” da economia passaram a criticar decisões judiciais que supostamente abalavam a confiança dos “investidores” — leia-se especuladores financeiros. Seriam decisões “indevidamente” protetoras dos direitos dos consumidores.

Esse anticlímax do Estado de Direito foi bem retratado pelo ministro Edson Vidigal, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, ao festejar a aproximação do Poder Judiciário com o governo federal. Em controvertida entrevista, o ministro Vidigal salientava que tal harmonia ficara mais evidente quando o STJ decidiu pela adoção do IGP-DI, em vez do IPCA, na correção dos preços repassados ao consumidor pelas empresas de telefonia. A medida teria tranquilizado os investidores estrangeiros e o Palácio do Planalto. E arrematava: “”Estando nós na República, não podemos fugir dos compromissos com a governabilidade. Vamos tomar uma decisão para quebrar o país? Isso arrebentaria com a democracia” (O Globo, 29 de agosto de 2004).

Embora respeite o ex-ministro do STJ, prefiro acompanhar a lição do jurista e filósofo italiano Giorgio Del Vecchio e vislumbrar o Direito em relação com a ética: “O direito, como princípio universal de operar, domina, com a moral, todas as ações humanas e, portanto, também as que tendem à satisfação das necessidades e à aquisição dos bens materiais. Domina todos os motivos humanos e, portanto, também os de natureza egoística e utilitária. Numa palavra, o Direito domina a Economia” (Direito, Estado e Filosofia, 1952, pp. 229 e 258).

Pois bem, o governo federal anunciou agora a intenção de cobrar imposto de renda de poupadores titulares de depósitos acima de R$ 50 mil, com alíquota de 22,5%. Reconheço que a medida atingirá a minoria dos poupadores. No entanto, a primeira violação pode abrir a porta para futuras violações que venham a atingir também os pequenos poupadores. Em outras palavras, as autoridades federais acharão interessante tributar também os menos abastados ou aumentar as alíquotas progressivamente.

Tudo isso, é triste dizer, para ceder às pressões do grande capital financeiro, receoso de perder a alta rentabilidade dos diversos fundos de investimento. Tripudiam sobre a classe média. Para quem não é “investidor do mercado”, neste país, segurança jurídica é artigo semelhante àquele carrão importado, exposto na vitrine da concessionária, que o assalariado admira de longe sem poder comprar.

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