Juiz postiço

OAB-DF e MP combatem mau uso da arbitragem

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24 de setembro de 2009, 12h56

Regulamentada no país em 1996 para dar um alívio ao sobrecarregado Judiciário, a arbitragem tem causado dor de cabeça. Em todo o país, espalharam-se “tribunais” para mediar pequenos conflitos e o resultado foi um poder paralelo que, em alguns casos, se impõe como Justiça. Sobram histórias de pessoas que foram “intimadas” por um árbitro que se passou por tribunal comum e ameaçou fazer um julgamento à revelia. Em alguns lugares, a arbitragem se tornou uma indústria de cursos para se tornar “juiz” arbitral, com a promessa de que, com poucas horas de estudo, é possível usar uma toga e lucrar com julgamentos.

No Distrito Federal, a situação está crítica. São 80 tribunais arbitrais para uma população de dois milhões de habitantes. A OAB e o Ministério Público tentam evitar abusos com uma única solução: informação. Por isso, a Ordem promoveu um seminário nesta quinta-feira (24/9) para discutir como melhorar o instituto da arbitragem. “Todos sabemos que a arbitragem é para solucionar conflitos, mas infelizmente não temos fiscalização para coibir irregularidades. O instituto tem muita força e por isso precisa de regras rígidas”, disse a presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros.

Em parceria com o Ministério da Justiça, foi reeditada cartilha para alertar sobre os limites da arbitragem. Foram impressos seis mil exemplares e outros ainda devem ser impressos pela Secretaria de Justiça do governo do Distrito Federal. “Essa campanha de conscientização é uma forma de fiscalização”, disse o secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Rogério Favreto.

Hoje, no país, não há controle em relação à arbitragem. Não há prestação de contas, estatísticas ou sequer uma tipificação penal para os abusos de se passar por tribunal. Quem procura o instituto deve-se garantir escolhendo câmaras de arbitragem com credibilidade tanto no país como fora. A Ordem dos Advogados do Brasil do DF e o Ministério Público local não sabem quantos casos são julgados por ano, já que os procedimentos são sigilosos, e não têm controle a respeito das regras mínimas para uma boa arbitragem. Nos relatos que surgiram, o promotor Guilherme Fernandes Neto apurou um procedimento padrão. Os árbitros concentram-se nas regiões mais pobres do DF e fazem disso uma profissão. Há o uso de brasões e expressões como tribunais e juiz.

Desde o começo do ano, a OAB e o MP apuraram cerca de 30 acusações contra tribunais arbitrais. O trabalho de investigação foi dividido em três frentes. A primeira, e mais elementar, é a conscientização da população a respeito do instituto. É justamente pela falta de conhecimento e a possibilidade de dizer não à arbitragem que surgem as principais reclamações. Essa mini-indústria aproveita a falta de conhecimento dos moradores da periferia de Brasília e se autoproclama trbiunal. Não por acaso, o nome da cartilha é Arbitragem:a escolha é sua.

Quem não conhece o instituto cai no golpe e acredita que está sendo interpelado pelo Poder Judiciário. “Não podemos esquecer que vivemos num país de analfabetos funcionais”, afirmou o promotor. Somado à falta de conhecimento, os autodenominados árbitros não informam à população que é garantido o direito de recusar a arbitragem. Ou seja, para quem não conhece o instituto, receber um “mandado de citação” de um “juiz” arbitral é um processo formal na Justiça e, por isso, essas pessoas costumam aceitar. “Nossa prioridade é investigar os casos em que isso se torna extorsão”, disse o promotor Guilherme Fernandes Neto. “Ninguém é obrigado a aceitar. A principal reclamação levada ao MP é de pessoas que se sentiram coagidas”, completou a procuradora distrital Maria Anaídes.

Após essa fase de investigação de casos específicos, o MP distrital concluirá uma ampla análise de todos os “tribunais” arbitrais do DF. A ideia é apurar quais árbitros aproveitam o desconhecimento da população para se fazer de juiz e enganar clientes. Atualmente, a Polícia Civil do DF está produzindo laudos técnicos sobre os brasões destes tribunais, para identificar cópias ou falsificações do brasão oficial.

Terminologia
Guilherme Fernandes Neto sugere mudanças na Lei 9.307/96, que regulamenta a arbitragem no país. Para o promotor, a maioria das irregularidades deve-se a brechas no texto da lei. “Na Espanha, por exemplo, existe uma padronização de terminologia e isso é importante para evitar confusões. A nossa lei tem brechas que confundem o cidadão”, explica. O promotor sugere também requisitos mínimos, como uma ficha criminal limpa para ser árbitro.

No mesmo sentido, o pesquisador e advogado Adolfo Braga é contra a utilização de termos como tribunal e juiz. “A denominação correta é câmara de arbitragem”, disse. Além disso, Braga acredita que os cursos oferecidos para ser um “juiz arbitral” são ilegais, pois partem de uma premissa errada. “Árbitro é uma função, não é uma profissão.”

Para o presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-DF, Leon Frejda Szklarowsky, a questão é muito simples. “Os problemas podem ser resolvidos com boa-fé para os casos que a confusão deve-se exclusivamente em relação ao nome. A arbitragem é uma ótima solução para conflitos. Quem faz boa arbitragem não se preocupa com essas expressões de juiz ou tribunal. Se causa confusão no cidadão, é melhor não se classificar como juiz arbitral. Assim, ficará muito claro quem é um bom árbitro e quem quer se aproveitar.”

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