SEGUNDA LEITURA

Sempre há risco nas indicações para o Supremo

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

20 de setembro de 2009, 12h09

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O precoce falecimento do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal, no dia 1º deste mês, abriu uma inesperada vaga na Corte. O presidente da República, visando prover o cargo, de pronto indicou ao Senado o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. A partir daí surgiram reportagens, mensagens pela internet, cartas aos jornais, discutindo a forma e a pessoa do indicado.

O interesse da sociedade pelo provimento do cargo é positivo. Mostra que há uma nova postura, muito mais consciente, sobre a relevância das funções de um ministro do STF. A divulgação da mídia, em especial a TV Justiça, os julgamentos de casos emblemáticos, as audiências públicas, a maior transparência da Corte, certamente são fatores que ensejam esta participação ativa da cidadania.

O Brasil segue o sistema de indicação dos Estados Unidos, ou seja, o presidente da República indica, o Senado aprova (ou não) e o chefe do Executivo nomeia. No Uruguai o acesso é de juízes de carreira, por antiguidade. No Peru é por concurso público. No Chile se mesclam juízes de carreira com oriundos de outras áreas jurídicas. Na Argentina o sistema de escolha é semelhante ao brasileiro, mas não há aposentadoria compulsória. O ministro Carlos Santiago Fayt encontra-se com 91 anos, em plena atividade. O presidente da Corte é eleito por seus pares, por mandato de três anos. Neste momento, o Ministro Ricardo Lorenzeti, reconduzido à presidência por eleição de seus pares, inicia seu segundo mandato. No Panamá a escolha dos membros da Corte, que lá se chamam magistrados, é pelo mesmo sistema, porém eles cumprem mandato de 10 anos. O magistrado Adán Arnulfo Arjona López assumiu com 41 anos de idade e, eleito por seus pares, exerceu a presidência dois anos depois (2002 a 2003).

No Brasil não são conhecidas as disputas das vagas ao cargo de ministro do STF, ao longo da história. Ou, se conhecidas algumas, não são divulgadas. Como se davam as indicações? Quais os critérios? Mérito? Poder político? Relações familiares? Vida pessoal? Currículo? Gratidão por algum motivo? Nada se sabe. Como se davam ou se dão as escolhas é algo restrito a um círculo fechado. E nunca relatado.

Leda Boechat Rodrigues, na excelente obra História do Supremo Tribunal Federal, Ed. Civ. Brasileira, 1991, dá-nos a data da nomeação dos ministros da Corte, desde a proclamação da República. Mas não os motivos da escolha. Roberto Rosas, no livro Pedro Lessa, o Marshal Brasileiro, Horizonte Ed., p. 59, narra que “Pedro Lessa hesitou, e dizem que não aceitou, momentaneamente, o convite de seu conterrâneo presidente Afonso Pena, para ocupar a vaga de Lúcio de Mendonça no Supremo Tribunal Federal”.

Normalmente, onde o presidente da República faz a indicação, esta recai sobre alguém de sua confiança, com o mesmo perfil político. Assim é nos Estados Unidos, onde a cada governo republicano se nomeiam juízes conservadores e, nos governos democratas, liberais. A última nomeação, já no governo democrata de Obama, recaiu sobre uma mulher de origem hispânica, Sonia Sotomayor .

O mesmo sucede no Brasil e outra coisa não seria de se esperar. Nos anos de regime militar as vagas eram preenchidas por juristas de perfil conservador, na sua maioria, respeitados magistrados de carreira. Na abertura política os chefes do Poder Executivo passaram a indicar os que lhe eram mais próximos. Mas nem por isso o nível de qualidade intelectual e moral do STF caiu.

A cada vaga se reabre a discussão sobre a forma de escolha. Esta, que ao ver de muitos não é a ideal, não tem sido um problema para a nação. E outras, até, podem ser encontradas. Por exemplo, fixar um percentual de juízes de carreira, mantendo uma parcela com experiência prática na difícil tarefa de julgar, como sempre ocorreu na história republicana.

Mas uma coisa é certa. Seja qual for o critério, sempre há uma parcela de risco em uma nomeação. Problemas sempre poderão surgir, pois não existe um exame, uma fórmula, que permita saber de antemão quem será ou não um bom julgador. O professor mais titulado do país poderá ser um mau ministro, porque ensinar e decidir são coisas diversas. Um desembargador conceituado poderá não ser um bom ministro, por falta de visão política (não partidária) ou da realidade do Brasil como um todo. Um excelente advogado poderá ter dificuldades ao tratar de temas múltiplos e abrangentes, fora de sua área específica de atuação profissional.

Enfim, o sucesso da nomeação para o mais alto cargo do Judiciário brasileiro nunca é absolutamente certo. Claro que em uma visão de probabilidades, alguns fatores podem apontar para uma boa escolha. Uma cultura jurídica sólida (o que não significa por si só, titulação acadêmica), a produtividade demonstrada no exercício de atividades públicas, o equilíbrio emocional (a ser avaliado pela vida pretérita), o caráter, a força física (STF é local de muito trabalho, que exige saúde física, além da psicológica), o conhecimento do Brasil, o espírito público, podem ser indícios de uma boa indicação.

Por outro lado, o estar ou não na linha política do presidente da República que faz a indicação não é sinal de subserviência. Esta não deve ser esperada por quem indica nem cogitada por quem é indicado. A partir do dia da posse, o novo ministro deve ter a consciência de que exerce uma função cuja magnitude não pode limitar-se no círculo restrito da política partidária. Por outro lado, não deverá cair no risco de julgar contra quem o indicou, para mostrar independência.

Em suma, o Brasil teve na sua história, e tem no momento presente, uma Suprema Corte que exerce com altivez as suas funções. O crescente interesse da sociedade pelo provimento das vagas revela o reconhecimento da importância do cargo e deve ser recebido como algo útil ao sistema democrático. E que assim seja.
 

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