De olho no MP

O Ministério Público precisa tomar a iniciativa

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20 de setembro de 2009, 9h54

Spacca
Sandro Neis - Spacca

Como todo novato, o corregedor nacional do Ministério Público, Sandro Neis, assume o cargo cheio de motivação, promessas e opiniões. Neis é um dos 12 membros do Conselho Nacional do Ministério Público que assumiram a missão, há um mês, de dar uma nova postura para o órgão. A comparação com o Conselho Nacional de Justiça é inevitável. Criados pela Emenda Constitucional 45, de 2004, o CNJ e CNMP são os responsáveis pelo controle administrativo e disciplinar das carreiras da Justiça e MP. Enquanto o CNJ já tem estatísticas anuais e metas de desempenho, taça políticas estratégicas de atuação e empreende campanhas, mutirões e inspeções em busca de soluções para os seus problemas, o CNMP sequer sabe quantas pessoas trabalham nos Ministérios Públicos.

A principal justificativa para o descompasso entre os órgãos é atribuída ao orçamento. Para 2009, o CNJ dispõe de R$ 122 milhões para gastar, 12 vezes mais do que o órgão de controle do MP.

A principal crítica feita ao CNMP, no entanto, refere-se à falta de rigor para controlar eventuais abusos de procuradores e promotores. Na sabatina dos novos membros do órgão, em junho último, os senadores da Comissão de Constituição e Justiça questionaram por que o CNMP não puniu tantos promotores, apesar dos casos freqüentes de irregularidades. Como resposta, o novo corregedor do Ministério Público promete um órgão mais ativo, saindo das “atividades cartoriais” que muitos promotores preferem executar nos gabinetes. Como mostrou a revista Consultor Jurídico, o CNMP puniu apenas sete promotores desde sua criação. (Clique aqui para saber mais).

O novo CNMP, prometido por Neis aos sendores, ainda não é realidade. Mas o corregedor já deu o primeiro passo. Na próxima semana, o CNMP começa um trabalho inédito de inspeções no Ministério Público. O primeiro alvo será o MP do Piauí, onde até para se fazer pareceres é preciso que o cidadão pague. (Clique aqui para saber mais).

Após as inspeções e a abertura de procedimentos para investigar irregularidades, a próxima proposta de Sandro Neis é consolidar um banco de dados do MP. “Nós precisamos saber exatamente o que estamos fazendo. Quais são as nossas áreas prioritárias? Nós estamos mais focados na defesa de interesses coletivos ou nós estamos voltados para as nossas atividades corriqueiras de fiscal da lei? Esse é o primeiro aspecto que precisamos mensurar”, explica.

Por fim, o novo corregedor do Ministério Público pretende criar índices de desempenho. Essa etapa ainda está distante e, justamente por isso, o CNMP ainda não estabeleceu prazo para começar a avaliar os seus servidores, promotores e procuradores. Mas Sandro Neis quer mais. Se depender do corregedor, os conselheiros do CNMP terão de se dedicar exclusivamente aos trabalhos do órgão.

No plano das propostas de interesse doméstico, o corregedor, que é promotor em Santa Catarina, quer maior participação do MP na distribuição das vagas do CNMP. Hoje, o MP da União tem cinco das 12 vagas, o que, em seu modo de ver, é pouco.

Sandro José Neis é o primeiro membro do Ministério Público de Santa Catarina a integrar a lista de indicados às três vagas reservadas ao Ministério Público dos estados no CNMP e a assumir um assento no Conselho. Natural de Florianópolis, Sandro Neis, 38 anos, fez pós-graduação na Universidade Federal de Santa Catarina. Sua tese versou sobre Ministério Público, Direitos e Sociedade.

Ingressou no MP-SC, em 1992. Em 15 anos de carreira, exerceu as funções de Coordenador de Defesa dos Direitos Humanos e de Moralidade Administrativa no antigo Centro das Promotorias da Coletividade. Foi, ainda, secretário da Comissão de Concurso e membro do Conselho de Administração do Fundo Especial de Modernização e Reaparelhamento e da Comissão de Planejamento Institucional.

Leia a entrevista:

ConJur – Quais as principais dificuldades do CNMP?
Sandro Neis– O orçamento é uma questão que impõe limitações. Nós já temos uma expectativa de que, a partir do ano de 2010, o orçamento terá um acréscimo significativo. Mas já posso garantir que hoje a nossa situação de estrutura é infinitamente melhor do que no ano passado.

ConJur – Qual foi o recado dado pelos senadores, quando recusaram a recondução dos conselheiros Nicolao Dino e Diaulas Costa Ribeiro? O CNMP está em crise?

Sandro Neis– Essa questão merece reflexão. É evidente que houve um sinal claro. Mas não sei se foi exatamente em relação à atuação do Conselho Nacional do Ministério Público, ou à atuação do Ministério Público como instituição. E a instituição precisa entender o momento político. Precisa dar passos à frente. Precisa exercer controles efetivos. E, além disso, mostrar não só para a sociedade, mas principalmente para os agentes políticos, que na instituição há uma série de controles, e que esses controles funcionam. Então, o papel da Corregedoria Nacional é muito mais a de um órgão garantidor da efetividade desses sistemas de controles. Nesse momento a instituição tem que perceber que é necessário se relacionar com todos os agentes sociais. Inclusive com o parlamento.

ConJur – Por que ainda não há um sistema consolidado e de fácil acesso de estatísticas do CMNP e do MP?
Sandro Neis – A Comissão de Planejamento Estratégico do MP definiu algumas iniciativas para obtenção de dados sobre a atuação de promotores e procurdores  em alguns estados. Já temos alguns sistemas informatizados que permitem o fornecimento dessas informações. Mas temos também unidades onde não há nem o uso efetivo da internet e isso causa dificuldades operacionais para o repasse dos dados. Esperamos que com as visitas de inspeção se possa constatar por que algumas unidades não apresentaram a totalidades dos dados. Foi por má vontade? Eu não acredito que tenha sido. Ou foi por deficiência estrutural? Então a inspeção será uma fonte alimentadora muito expressiva do Conselho Nacional. Servirá de guia.

ConJur – Em relação à transparência dos gastos, existe alguma expectativa de quando esses  dados serão publicados?
Sandro Neis – Recentemente baixamos uma resolução que estabelece que todas as unidades do Ministério Público, inclusive a do CNMP, devem ter o portal da transparência para dar publicidade a seu orçamento, a suas despesas com pessoal, despesa com diárias, enfim, tudo que seja de interesse da sociedade. O Ministério Público não tem nada a esconder. Temos certeza que não há nenhuma irregularidade que se queira esconder. Não tem nenhum trauma nisso. Essa resolução já foi aprovada há alguns meses, nós estamos ajustando o site do CNMP para que se permita o acesso de qualquer pessoa a essas informações.

ConJur – O CNMP puniu sete promotores desde 2005. O CNMP é corporativista?
Sandro Neis – De forma alguma. No Conselho Nacional do Ministério Público, nós temos representantes do Ministério Público da União e dos estados. E nós temos os agentes externos, que são atores nesse processo com capacidade decisiva com voto exatamente igual aos integrantes de carreira. Quem conhece o funcionamento da máquina do conselho nacional pode constatar que em inúmeras oportunidades os votos mais contundentes, os votos mais firmes, os votos que procuravam tomar iniciativas contra eventuais excessos partiram dos próprios conselheiros vindos dos quadros do Ministério Público.

ConJur – Sobram exemplos de que o MP, frequentemente, não exige de seus membros a mesma retidão que exige das pessoas. Tem muita diferença entre a maneira como o MP se vê e como ele vê o cidadão?
Sandro Neis – Nós temos um país continental. Temos estruturas diferenciadas, cada Ministério Público tem a sua autonomia administrativa. Não há unidade estrutural entre os Ministérios Públicos. Temos diferenças significativas no aspecto da fiscalização e da verificação dos deveres funcionais. Pode haver em algumas regiões e, às vezes até em algumas unidades muito próximas, diferenças flagrantes de estrutura e também diferenças flagrantes de verificação do descumprimento dos deveres funcionais. Agora, o Ministério Público faz muito todo dia e tem muito a mostrar para a sociedade. Ainda não tivemos a capacidade para demonstrar para sociedade que fazemos esse bom trabalho. Desde questões muito simples, como um mero atendimento ao público, até questões complexas como o combate ao crime do colarinho branco. O MP faz ajustamentos de conduta que solucionam conflitos de direitos difusos.

ConJur – Como vai ser o controle do desempenho de cada Ministério Público?
Sandro Neis – Primeiro, precisamos conhecer a nossa força de trabalho. Por isso queremos criar um cadastro nacional de membros e servidores. Segundo, precisamos saber exatamente o que estamos fazendo. Quais são as nossas áreas prioritárias? Nós estamos mais focados hoje, na defesa de interesses coletivos, de interesses difusos, ou nós estamos voltados para as nossas atividades corriqueiras de fiscal da lei? Esse é o primeiro aspecto que precisamos mensurar. Depois, em termos quantitativos. Quanto nós estamos fazendo? E quanto nós estamos deixando de fazer? O que está represado nas mãos do Ministério Público? Terceiro, precisamos fazer uma avaliação qualitativa. Qual é a efetividade do nosso trabalho? Quantas ações civis são julgadas procedentes e quantas improcedentes? Quantas ações penais procedentes e quantas improcedentes? Agora, esse é um trabalho de construção que se faz diariamente. Não se consegue mudar todas essas rotinas em um mandato do Conselho Nacional e muito menos em um mandato como Corregedor Nacional. Mas, dando os primeiros passos, teremos condições de fazer essas três mensurações. Capacidade de trabalho, a avaliação quantitativa e a avaliação qualitativa.

ConJur – O senhor tem uma idéia de meta de produção mensal para cada promotor?
Sandro Neis– Não tenho, até porque esse número varia conforme a estrutura de cada MP. Quem trabalha com dois estagiários e mais três assessores vai ter uma produção diferente de quem não tem uma equipe desse porte. E tem gente ainda que sequer tem computador adequado e muito menos internet.

Conjur – Cerca de 30% dos Mandados de Seguranças contra atos do CNMP são deferidos em liminar pelo Supremo. Esse número é razoável ou há erros na atuação do CNMP que são constatados no STF?
Sandro Neis – Em algumas situações, pode ser uma análise de pressupostos. Um mandato de segurança, por exemplo, baseia-se em alguns pressupostos. Isso não significa que está se dizendo que a decisão do CNMP foi ilegal. Apenas está se suspendendo temporariamente para se analisar a matéria e para se evitar que ocorra outro prejuízo no futuro. Um prejuízo irreparável no futuro. Diante dessa situação, acredito que boa parte desses 30% seja em caráter liminar. Eu não conheço alguma decisão que tenha realmente atacado o trabalho do CNMP. Agora, em algumas questões extremamente polêmicas, o Supremo acompanhou o nosso entendimento. A questão do nepotismo, onde havia uma reação imensa em diversos segmentos, não só no Ministério Público como no Judiciário, o STF foi firme apoiando a iniciativa do CNMP. E podemos citar tantos outros exemplos.

ConJur – O que o CNMP tem para aprender com o CNJ?
Sandro Neis– Pode aprender muito. Mas não é uma via de mão única, nós também podemos contribuir muito com o trabalho do CNJ. Porque as instituições caminham de forma paralela. A própria Constituição estabeleceu uma igualdade de tratamento entre as carreiras. Ou seja, se no âmbito do Ministério Público há problemas, certamente esses problemas se refletem no Judiciário. E vice-versa. Um depende do outro, a Justiça não se faz só com o Judiciário. A Justiça se faz com o Judiciário, Ministério Público e a democracia. Então, a nossa intenção é estabelecer um relacionamento cordial, um relacionamento de solidariedade. Inúmeras representações que estão em andamento no CNMP foram em decorrência de apurações feitas pela corregedoria nacional de Justiça, que apurou determinadas, especialmente atrasos do Ministério Público na manifestação processual. E, a partir disso, nós instauramos uma peça de investigação.

ConJur – No trabalho do CNJ, ficou muito claro a importância de uma administração profissional para o Judiciário. Falta também ao Ministério Público esse conceito de gestão?
Sandro Neis– Nós temos algumas unidades do Ministério Público que estão anos-luz à frente das outras nesse aspecto. Nós temos até mecanismos internos que podem fortalecer esse entendimento, como cursos de gestão. A partir do momento em que o Ministério Público passou a ter autonomia administrativa e financeira, teve também obrigatoriamente que colocar no seu dia-a-dia o que é gerir isso.

ConJur – Como o senhor vislumbra o CNMP no fim de seu mandato, em 2011?
Sandro Neis– A evolução tem que ser permanente. Estamos procurando estabelecer uma metodologia de trabalho mais ousada. É a primeira vez que um membro do Ministério Público dos estados assume a Corregedoria Nacional. E isso de certa forma é emblemático. Tem um significado muito especial. Primeiro porque é um indicativo de que não há subordinação no Ministério Público, principalmente subordinação funcional. E segundo porque é um desafio na medida em que o grande número de membros do Ministério Público é dos estados. Vejo que em dois anos teremos um conselho onde todos os conselheiros tenham condições de ter dedicação exclusiva, que não precise mais também acumular a sua atividade com aquelas exercidas nas suas unidades. O Ministério Público, daqui a 20 anos, vai conseguir fugir da sua rotina burocrática e passará a interferir diretamente em questões de interesse macro. A atuação será muito mais nas defesas dos interesses difusos. O MP vai ser o grande agente responsável pela defesa de interesses sociais. Esse é o Ministério Público daqui a 20 anos, e não tenha dúvida disso.

ConJur – E por que o MP não é assim hoje?
Sandro Neis– A legislação, da década de 1970, ainda não foi atualizada e exige a participação do Ministério Público em questões singelas. Hoje, a pessoa vai no cartório extra judicial e faz um divórcio. Mas se entrar com uma ação judicial pra fazer o divórcio, tem que ter a participação do Ministério Público, participar de audiências, ouvir testemunhas. Enquanto isso, nós temos questões seriíssimas para serem tratadas. Precisamos aumentar as nossas fontes alimentadoras. Será que nossas fontes alimentadoras são apenas as autoridades policias? O inquérito policial é a rotina. Se eu não sair do meu gabinete, o inquérito virá. Eu posso fazer mais do que isso. Nós temos que quebrar essa rotina cartorial.

ConJur – Quando o CNMP estiver mais estruturado, os conselheiros se dedicarão exclusivamente ao órgão?
Sandro Neis – Eu acredito que nas próximas composições já vai haver essa necessidade porque aumentará significativamente o número de processos. Hoje, basta acessar o site e fazer uma denúncia que vira um processo. Isso vai refletir no futuro. Toda a representação que é feita vai ter uma resposta do Conselho. Além disso, o CNMP não vai se contentar em apenas dar resposta a essas provocações. O Conselho Nacional vai passar a ser provocador. Nós podemos desenvolver projetos em inúmeras áreas. Não basta responder aos  questionamentos que são provocados. Nós temos que dar um passo à frente, ser proativo.

ConJurO senhor acha equilibrada a representação no CNMP?
Sandro Neis – Sempre fui um defensor da existência do Conselho. Mas nunca fui favorável à forma de composição. Considero que há um tratamento desigual, na medida em que o Ministério Público da União tem cinco representantes. Enquanto isso, o MP dos estados, que é a grande força de trabalho, só tem três cadeiras.

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