Liberdade de imprensa

Jornalista não precisa indenizar ex-espião da Kroll

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18 de setembro de 2009, 20h47

O jornalista Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro, está dispensado de pagar indenização para o espião português Tiago Verdial, ex-agente da empresa de consultoria Kroll. A juíza Gláucia Mansutti, da 2ª Vara Cível de São Paulo, negou o pedido de indenização feito por Verdial. Ele reclamou que teve seu nome colocado em notícia sobre supostos grampos telefônicos feitos a pedido do banqueiro Daniel Dantas. Verdial disse que perdeu o emprego por causa da reportagem.

Para a juíza, contudo, não ficou comprovada que a notícia ofendeu a honra do português. “Examinados os vários documentos carreados aos autos pelo réu e a prova oral coligida, não se afigura, como pretende o autor, abuso ou excesso, no exercício da liberdade de imprensa”, escreveu Glaucia Mansutti na sentença (leia no final do texto).

A defesa de Verdial sustentou que o jornalista não poderia ter publicado “notícia falsa, atribuindo ao autor a prática de crime de interceptação telefônica, com o fito de expô-lo ao desprezo e ódio públicos, ou que se destinaria a atingi-lo em sua honra e dignidade, perante a coletividade e, especificamente, perante o mercado financeiro em que o requerente exercia a sua atividade profissional”. O português afirmou que o processo criminal ainda não foi julgado e, por isso, ele tem a inocência presumida.

Segundo a juíza, esse argumento não procede. “Entendo que o requerido exerceu o direito de informar, baseado em fatos amplamente divulgados pela imprensa, como se denota dos documentos trazidos com a contestação e que não foram objeto de impugnação específica pelo autor”, disse. “Ainda que não exista sentença condenatória contra o autor no processo crime que tramita perante a Justiça Federal, é de se concluir, ao menos em tese, pela prática de interceptação telefônica, os chamados ‘grampos’, tanto que deflagrada a ação penal noticiada”, completou.

Na reportagem, o jornalista escreveu que Verdial fez grampos. “Em 2004, na primeira vez em que a PF tentou prender Dantas, o espião Tiago Verdial, ex-funcionário da Kroll, disse à Polícia que fez grampos ‘a mando de DD e CC’. DD seria Daniel Dantas e CC seria Carla Cico, à época presidente da Brasil Telecom”, escreveu na edição de 16 de julho de 2008. O repórter então afirmou que Verdial também tinha contatos com a Telecom Itália. “Depois, descobriu-se que Verdial havia mantido contatos com a própria Telecom Italia, que entregou os CDs do caso Kroll à polícia.”

Leia a decisão

PROCESSO Nº 583.00.2008.201220-8 – 2 

2ª VARA CÍVEL CENTRAL – GLAUCIA LACERDA MANSUTTI (JUÍZA DE DIREITO)
Vistos. TIAGO NUNO HEIDERICH VERDIAL ajuizou esta ação de indenização por danos materiais e morais, de rito ordinário, contra LEONARDO REZENDE ATTUCH, dizendo que o réu, editor da Revista "Isto é Dinheiro", assinou matéria publicada na edição n. 563, de 16/07/08, daquela revista, contendo inverídica notícia sobre o autor, que motivou a rescisão do contrato de trabalho do requerente, causando-lhe danos materiais e morais.

Segundo o demandante, no primeiro semestre de 2004, quando deflagrada a denominada "Operação Chacal", pela Polícia Federal, a imprensa atribuiu à empresa Kroll suposto esquema de interceptações telefônicas ilícitas; e o autor, que era consultor da Kroll, naquela época, acabou preso e aviltado, por suposta participação naqueles fatos. Afirmou que o réu ultrapassou os limites do direito de informar quando, em 16/07/2008, inseriu o nome do autor em matéria sobre o empresário Daniel Dantas, atribuindo ao requerente a prática de interceptação telefônica, conduta tipificada como crime. Sustentou que o fato de ser corréu em processo criminal originado da "Operação Chacal" não autorizava o requerido a publicar a notícia mencionada, quatro anos após aqueles fatos e inexistente sentença condenatória transitada em julgado. Afirma que sofreu danos morais porque sua honorabilidade e dignidade pessoal ficaram abaladas perante a coletividade e, notadamente, o mercado financeiro, onde exerce sua atividade profissional.


Requereu a procedência do pedido, com a condenação do réu no pagamento de indenização por danos materiais e morais estimados, respectivamente, em R$113.140,00(cento e treze mil cento e quarenta reais) e na quantia correspondente a 200(duzentos)salários mínimos. Requereu, ainda, a condenação do réu no pagamento das custas e honorários advocatícios, juntando os documentos de fls. 22/62. Citado, o réu contestou a ação (fls. 74/90), juntando os documentos de fls.91/418, arguindo, em preliminares, a decadência e a ilegitimidade passiva.

No mérito, alegou, em resumo, que não caluniou, difamou ou injuriou o autor, limitando-se a noticiar fatos verídicos, de interesse público, com animus narrandi, como feito por toda a imprensa; que a narrativa obedeceu à ordem cronológica dos fatos, sem abuso ou excesso; que jamais teve a intenção de ofender, denegrir a imagem ou prejudicar, profissionalmente, o autor; que inexiste culpa e nexo causal entre aquela notícia e os danos alegados. Impugnou a pretensão indenizatória.

Pediu a improcedência do pedido. Houve réplica(fls.420/425). Saneado o processo(fls.443/444), seguiu-se a audiência de instrução e julgamento, com o depoimento pessoal do requerido(fls.463/464); e a oitiva de três testemunhas arroladas pelo autor(fls.465/470) e de uma testemunha arrolada pelo réu(fls.510/511). As partes apresentaram memoriais(fls. 522/530 e 533/543). É o relatório.

DECIDO. A questão debatida nestes autos traz situação de conflito envolvendo duas garantias constitucionais, asseguradas pelo legislador constituinte de 1988 a todos os brasileiros: o direito à honra e à imagem das pessoas (CR, art. 5º, X) e a liberdade de comunicação, que engloba não só a liberdade de manifestação de pensamentos, mas também a liberdade de informação em geral, nesta contida a liberdade de informação jornalística (CR, art. 220, § 1º).

Cumpre, todavia, antes de analisar a extensão, os limites e as causas de um e outro direito, apreciar a questão da decadência, ventilada na contestação. Em relação à decadência, não se olvida que o Supremo Tribunal Federal, em 30/04/09, revogou a Lei de Imprensa. Ainda que anterior esta ação, tinha-se, já à época da propositura, que o prazo de três meses, conforme estabelecido no art. 56 da Lei de Imprensa, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, segundo tem sido pacífico entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 390.594/RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves,publicado no DJ de 31.05.2004, pág. 312). No mesmo sentido vem decidindo o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme o seguinte julgado: "Tanto este Tribunal como o Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento no sentido de que o prazo de decadência previsto no artigo 56, "caput", da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) não foi recepcionado pela Constituição Federal, tendo em vista o disposto no artigo 5o, incisos Ve X." (Apel. 70010388775, rei. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, julgado em 17.02.2005).

Deste entendimento não destoa o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "DECADÊNCIA – Inocorrência – Alegação de negativa de vigência do artigo 56 da Lei n. 5.250/67 – Hipótese em que a Constituição Federal em seu artigo 5° estabeleceu a igualdade de todos perante a lei, assegurado o direito de indenização quando houver a violação da honra e imagem das pessoas – Inaplicabilidade do prazo estabelecido na Lei de Imprensa mesmo que a ação estivesse fundada nesse diploma legal -Revogação implícita pela Constituição Federal." (Apelação Cível n. 80.346-4 – Santa Cruz do Rio Pardo – 1ªCâmara de Direito Privado – Relator: Guimarães e Souza – 31.08.99 – V.U.) "INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Dano moral – Lei de Imprensa – Decadência – Inoconência – Ação movida com base no art. 159 do Código Civil e art 5o da CF – Não recepção do art. 56 da referida Lei pela Carta de 1988 – Prazo prescricional comum – Recurso provido para determinar o regular processamento do feito." (Apelação Cível n. 84.114-4 – Sumaré – 3a Câmara de Direito Privado – Relaton Carlos Roberto Gonçalves – 22.09.99 – V.U.). Darcy Arruda Miranda, em "Comentários a Lei de Imprensa", registra: "O art. 56 da Lei de Imprensa limita a 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe deu causa, a ação para haver indenização por dano moral, prazo esse de decadência.


Ocorre que a Constituição Federal de 1988, quando em seu art. 5°, no caput, estabeleceu a igualdade de todos perante a lei, e no inciso X, prescreveu a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, também assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, igualando os dois efeitos, sem ressalvas, revogando, implicitamente o citado prazo decadencial. Nem seria compreensível um prazo tão restrito para um dano tão grave como é o dano moral em relação ao dano material que não tem prazo.

Seria evidente cerceamento de defesa uma tal disposição, pois o indivíduo ofendido que estivesse ausente do local na data da publicação da ofensa, em viagem, e voltasse após transitados os 3 meses, ficaria sem defesa, marcado pela ofensa à sua honra, só podendo reclamar dano material que venha a existir."(Editora Revista dos Tribunais, 3a edição, 1995, pág. 746). O art. 5°, X da Constituição Federal assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral por violação da honra e da imagem das pessoas. A ação ajuizada tem fundamento na Constituição Federal que assegura o direito à indenização pelo dano material e moral, por violação da honra e da imagem, e no art. 186 do Código Civil. Não está, portanto, arrimada na Lei de Imprensa.

O Recurso Especial n° 52.842, do Rio de Janeiro, publicado in RSTJ99/179, tendo o Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito assim ressaltou: "A Constituição de 1988 criou um sistema geral de indenização por dano moral decorrente da violação dos agasalhados direitos subjetivos privados. E, nessa medida, submeteu a indenização por dano moral ao direito civil comum e não a qualquer lei especial. Isso quer dizer, concretamente, que não se postula mais a reparação pela violação dos direitos da personalidade, enquanto direitos subjetivos privados, no cenário da lei especial, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Não teria sentido pretender que a regra constitucional nascesse limitada pela lei especial anterior ou, pior ainda, que a regra constitucional autorizasse tratamento discriminatório. Diante dessa realidade, é inaplicável, até mesmo, a discutida gesetzeskonformen verfassungsinterpretation, isto é, a interpretação da Constituição em conformidade com a lei ordinária. Dentre os perigos que tal interpretação pode acarretar, Gomes Canotilho aponta o "perigo de a interpretação da constituição de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional" (Direito Constitucional, Liv. Almedina, Coimbra, 5a ed., 1991, pág. 242).

E tal é exatamente o que aconteceria no presente caso ao se pôr a Constituição de 1988 na estreita regulamentação dos danos morais nos casos tratados pela lei de imprensa. " … "a indenização por dano moral, com a Constituição de 1988, é igual para todos, inaplicável o privilégio de limitar o valor da indenização para a empresa que explora o meio de informação ou divulgação, mesmo porque a natureza da regra jurídica constitucional é mais ampla, indo além das estipulações da lei de imprensa. E, sendo assim, preciosa é a lição de Sílvio Rodrigues, verbis: "Será o Juiz, no exame do caso concreto, quem concederá ou não a indenização e a graduará de acordo com a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima" (Direito Civil, Saraiva, S. Paulo, vol. 4, 7a ed., 1983.págs.208/209)". Rejeito, portanto, a tese de decadência.

O direito à preservação da honra e da imagem, como o do nome, não caracteriza propriamente um direito à privacidade e menos à intimidade. Pode mesmo dizer-se que sequer integra o conceito de direito à vida privada. A Constituição, com razão, reputa-os valores humanos distintos. A honra, a imagem, o nome e a identidade pessoal constituem, pois, objeto de um direito independente da personalidade. A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. A inviolabilidade da imagem da pessoa consiste na tutela do aspecto físico, como é perceptível visivelmente que, de resto, reflete também na personalidade moral do indivíduo.


Já a liberdade de comunicação, também constitucionalmente assegurada, diz respeito à difusão livre do pensamento, sendo a liberdade de manifestação do pensamento, por sua vez, aspecto externo da liberdade de opinião. Nesse contexto, situa-se a liberdade de informação em geral, que alberga, também, a liberdade de informação jornalística, que assume características modernas, superadoras da velha liberdade de imprensa. Nela concentra a liberdade de informar, e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, ou seja, a liberdade de ser informado. Por isso é que a ordem jurídica lhe confere um regime específico, que lhe garante a atuação e lhe coíbe os abusos.

A liberdade de informação jornalística de que fala a Constituição (art. 220, § 1º) não se resume mais na simples liberdade de imprensa, ligada esta à publicação de veículo impresso de comunicação, mas alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social. A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial.

A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, pois, do contrário, ter-se-á não informação, mas deformação.

Hoje, adota-se a idéia de que a imprensa escrita desempenha uma função social, consistente, em primeiro lugar, em exprimir às autoridades constituídas o pensamento e a vontade popular, constituindo-se em verdadeira defesa contra todo excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa. Em segundo lugar, aquela função consiste em assegurar a expansão da liberdade humana. Daí a repulsa a qualquer tipo de censura à imprensa, seja a censura prévia (intervenção oficial que impede a divulgação da matéria), ou a censura posterior (intervenção oficial que se exerce depois da impressão, mas antes da publicação, impeditiva da circulação de veículo impresso).

É, ainda, a mesma função social que fundamenta o condicionamento da sua liberdade, limitando-a à vedação do anonimato (em matéria não assinada, o diretor do veículo responde), ao direito de resposta proporcional ao agravo, à indenização por dano material, moral ou à imagem e à sujeição às penas da lei no caso de ofensa à honra de alguém (art. 5º, IV, V, X), pois, exceto pelas limitações retro, nenhuma lei poderá embaraçar a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, não se admitindo censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, §§ 1º e 2º).

A tutela constitucional das duas garantias, a saber, de preservação da honra e da imagem e de liberdade de informação jornalística, longe de criar conflito de conceitos ou de normas positivas, leva à conclusão da obrigatoriedade de convivência harmônica dos dois preceitos políticos. A preponderância de um sobre o outro será ditada, como no mais das vezes, pelos princípios comezinhos de hermenêutica, dentre eles o de superposição do interesse geral sobre o interesse particular. Tanto é assim que a liberdade de informação jornalística não sofre restrição ou limitação de qualquer espécie, nem mesmo sob a invocação do direito à honra, à imagem e à privacidade; os limites e a responsabilidade decorrem, apenas, de abusos, estes apurados, no mais das vezes, mas sem o caráter de obrigatoriedade, na esfera criminal.


Nesse contexto, examinados os vários documentos carreados aos autos pelo réu, e a prova oral coligida, não se afigura, como pretende o autor, abuso ou excesso, no exercício da liberdade de imprensa, pelo qual, teria o requerido, sob a ótica do demandante, divulgado, através da matéria de sua autoria, publicada na edição n. 563, da Revista "Isto é Dinheiro", em 16/07/08, notícia falsa, atribuindo ao autor a prática de crime de interceptação telefônica, com o fito de expô-lo ao desprezo e ódio públicos, ou que se destinaria a atingi-lo em sua honra e dignidade, perante a coletividade e, especificamente, perante o mercado financeiro em que o requerente exercia a sua atividade profissional. A matéria jornalística que o autor entende ofensiva à sua honra tem como foco principal a pessoa do banqueiro Daniel Dantas e a denominada "Operação Satiagraha". Nem um nem outra interessam a estes autos, tampouco o processo, no âmbito criminal, envolvendo os fatos relacionados à anterior "Operação Chacal". Na referida matéria, acostada às fls.27, o trecho em destaque amarelo é aquele que cita o nome do autor: "Em 2004, na primeira vez em que a PF tentou prender Dantas, o espião Tiago Verdial, ex-funcionário da Kroll, disse à polícia que fez grampos "a mando de DD e CC". DD seria Daniel Dantas e CC seria Carla Cico, à época presidente da Brasil Telecom. Depois, descobriu-se que Verdial havia mantido contatos com a própria Telecom Itália, que entregou os CDs do caso Kroll à polícia…".

A farta documentação trazida aos autos, com a contestação, demonstra que o autor foi igualmente citado, repetidas vezes, em matérias publicadas nos principais jornais e periódicos, como "espião da Kroll"(fls.145/418). O termo "espião" (conforme o Dicionário Aurélio: s.m. Pessoa que espia, observa, procura surpreender o segredo de outrem. / Agente secreto que se mistura ao inimigo para recolher informações e transmiti-las ao governo para o qual trabalha. / Espia) não pode, por si só, ser considerado ofensivo. Os fatos mencionados no trecho acima descrito, da matéria do requerido, foram, igualmente, mencionados, nas matérias jornalísticas acostadas às fls.170/171, 186/187, 200/201 e 202/203, da Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, respectivamente. Não vislumbro, naquela matéria, a ocorrência da alegada calúnia ou difamação a justificar a indenização na forma como pleiteada na inicial.

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano, moral ou patrimonial, causado a terceiro, em virtude de ter praticado um ato ilícito, cuja configuração exige a presença dos seguintes elementos, todos indispensáveis: a) fato lesivo voluntário; b) ocorrência de um dano; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. A calúnia é crime que atenta contra a honra, ou seja, atinge a integridade moral da pessoa, pois, segundo define o art. 138 do Código Penal, ‘é a falsa imputação de fato criminoso a outrem’. Indispensável, para a caracterização deste delito, a existência do dolo, ou seja, a vontade de imputar a outrem, falsamente a prática do crime. Porém, não há nos autos, prova da intenção do requerido, através da matéria citada, prejudicar intencionalmente o autor, o que seria essencial ao reconhecimento da prática ilícita.

O artigo 188, do Código Civil, excepciona algumas situações que não constituem ato ilícito. Entre estas, encontra-se ‘o exercício regular de um direito reconhecido’ (art. 188, I do Código Civil).

Sobre o tema, e reportando-se à norma do Código Civil de 1916 a lição de Caio Mário é oportuna: "O fundamento moral da excusativa encontra-se no enunciado do mesmo adágio: qui iure suo utitur neminem laldit, ou seja, quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém. Em a noção de ato ilícito insere-se o requisito do procedimento antijurídico o da contravenção a uma norma de conduta preexistente(sic)… Partindo deste princípio, não há ilícito, quando inexiste procedimento contrário ao direito. Daí a alínea I do art. 160 do Código Civil (reproduzida na alínea I do art. 188 do Projeto 634-B) enuncia a inexistência de ato ilícito quando o dano é causado no exercício regular de direito’ (‘Responsabilidade Civil’, RJ, Forense, 1989, pág. 315). Júlio Fabrini Mirabete ensina: "Não existirá calúnia quando o agente atuar com animus jocandi, ou seja, vontade de gracejar, pilheriar, caçoar (RT 492/355); com animus consulendi (vontade de aconselhar ou informar, espontaneamente ou por solicitação de outrem); com animus narrandi (vontade de relatar o fato singelamente, sem intenção de ofender) (RT 527/381, JTACívSP 53/453, 54/382, 57/338), tal como nos casos de testemunha judicial (JTACívSP 51/435; RT 608/351) ou de solicitação de providências à polícia, indicando suspeitos ou testemunhas com vista ao esclarecimento do crime de quem tem interesse em ver apurado (RT 511/422); de animus defendendi, de defender em processo (JTACívSP 66/135, 70/165; RT 489/349, 630/321, 634/330) em especial ao ser interrogado. "Em resumo, se o ânimo, desígnio ou o móvel que impele a manifestação do pensamento representa, de algum modo, o exercício regular de direito ou o cumprimento de dever jurídico… Não haverá crime contra a honra a punir (RT 540/320)" (‘Manual de Direito Penal’ vol. 2, SP, Atlas, pág. 137, grifei).


Entendo que o requerido exerceu o direito de informar, baseado em fatos amplamente divulgados pela imprensa, como se denota dos documentos trazidos com a contestação e que não foram objeto de impugnação específica pelo autor. Não logrou o autor demonstrar que o réu agiu com culpa ou dolo ao mencionar, na matéria em questão, os fatos já anterior e fartamente divulgados, pela imprensa.

Ainda que não exista sentença condenatória, contra o autor, no processo crime que tramita perante a Justiça Federal, é de se concluir, ao menos em tese, pela prática de interceptação telefônica, os chamados ‘grampos’, tanto que deflagrada a ação penal noticiada. Denota-se que as notícias veiculadas, não apenas pelo réu, mas pela grande maioria dos jornais, em todo o país, tiveram por fundamento informações obtidas junto às autoridades policiais e que resultaram no inquérito e posterior ação penal contra as pessoas apontadas na denominada "Operação Chacal", deflagrada pela Polícia Federal, em 2004. Conforme já decidiu o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, "não constitui difamação a publicação de notícia em jornal, sem malícia, de fato objeto de inquérito policial’ (TJSP 5ª c. Ap. Rel. Des. Andrade Vilhena, j. 6.12.80, RT 547/59).

Não bastasse a não configuração do ato ilícito imputado ao réu, a prova oral coligida desmerece a alegação de danos morais e materiais que, segundo o autor, seriam decorrentes do desprestígio pessoal originado da matéria assinada pelo requerido, no mercado financeiro, onde o autor exercia sua atividade profissional; e da consequente rescisão do seu contrato de trabalho, pela empregadora, à época da publicação da edição n. 563, da Revista "Isto é dinheiro".

Não é isso que se depreende dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor. A testemunha Ricardo Barreto Bulcão de Vasconcellos(fls.465/466)declarou que o autor trabalhou na corretora Arkhe, da qual a testemunha é sócio, no ano de 2006; e que foi o autor quem noticiou o suposto envolvimento dele no caso da Telecom Itália e de que havia sido preso, pela Polícia Federal. Disse que o autor trabalhou na corretora por aproximadamente dez meses, saindo por vontade própria, pois recebera melhor proposta de trabalho.

A testemunha Júlio Cesar Santana de Sá(fls.467/468)disse que trabalhou com o autor na corretora Arkhe, entre o final de 2007 e o final de 2008 e que já sabia do suposto envolvimento dele nos fatos relacionados à Telecom Itália e a Kroll, pelas notícias televisivas e que tais fatos não influenciaram, na contratação, mesmo porque, após os referidos fatos, o autor já trabalhara na corretora Gradual(antes de ir para a Arkhe). Declarou que ao deixar a corretora, por vontade dele, foi dito ao autor que as portas estariam sempre abertas, se ele quisesse voltar. A testemunha Paulo Roberto da Rosa Novis(fls.469/470)declarou que a saída do autor da corretora Link, após trabalhar nesse local por nove meses, foi motivada pela necessidade de redução de custos, em razão da crise financeira, no meio do ano de 2008. Disse que tinha conhecimento, anterior à contratação, do suposto envolvimento do autor nos fatos relacionados à Kroll e à Telecom Itália e isso não influenciou a contratação dele, pois era bom profissional do mercado financeiro.

Afirmou que soube desses fatos pela Internet. Asseverou que a saída do autor da corretora não teve qualquer relação ou influência pelo envolvimento do autor, naqueles fatos. Os depoimentos acima mencionados afastam as alegações do autor de que a sua imagem restou denegrida em razão da matéria assinada pelo requerido; e de que a rescisão de seu contrato de trabalho junto à corretora Link, à época da publicação da edição n. 563, da Revista "Isto é Dinheiro", foi motivada pela referida matéria. Danos, materiais e morais, se havidos, não guardam nexo causal com a matéria publicada na edição n. 563, da Revista "Isto é Dinheiro", assinada pelo réu.

Os demais detalhes trazidos à lume, pelas partes, afiguram-se irrelevantes, até porque ‘O Juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco responder um a um todos os argumentos’ (Emb. Decl. na ap. cível nº 39.123, rel. Des. Rubem Córdova, in DJSC nº 8.639 de 08/12/92, pág. 06 e conforme decisão constante na RJTJESP, 115/207, RT 312/583 e RT 615/148)" (fls. 315/318). Ausentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade imputada ao réu. Logo, por qualquer ângulo que se enfoque a questão, é inafastável a improcedência da ação.

Por todo o exposto e considerando o mais que dos autos consta, julgo improcedente o pedido indenizatório formulado por TIAGO NUNO HEIDERICH VERDIAL contra LEONARDO REZENDE ATTUCH. Arcará o autor com as custas e despesas processuais, bem como com os honorários de advogado que fixo em 20% do valor dado à causa. P. R. I. São Paulo, 09 de setembro de 2009. GLAUCIA LACERDA MANSUTTI JUÍZA de DIREITO

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