Direito do juiz

A suspeição por foro íntimo é um direito do juiz

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16 de setembro de 2009, 8h00

O Conselho Nacional de Justiça editou em 9 de junho de 2009 a Resolução 82, que regulamenta a suspeição de foro íntimo de (alguns) magistrados, sob os seguintes argumentos: i) em inspeções realizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça foi constatado um elevado número de declarações de suspeição por foro íntimo; ii) todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (artigo 93, IX da CF); iii) é dever do magistrado cumprir com exatidão as disposições legais, obrigação cuja observância somente pode ser aferida se conhecidas as razões da decisão.

Com base nisso, estipulou a referida Resolução que, no caso de suspeição por foro íntimo, o magistrado de primeiro grau “fará essa afirmação nos autos e, em ofício reservado, imediatamente exporá as razões desse ato à Corregedoria local ou a órgão diverso designado pelo seu Tribunal”. Já o magistrado de segundo grau nesta situação deverá enviar ofício à Corregedoria Nacional de Justiça. Por fim, determinou-se que o órgão destinatário destas informações deve manter as razões em pasta própria de forma que o sigilo seja preservado.

Inobstante perceber-se que a intenção do CNJ é trazer mais transparência ao Poder Judiciário, indubitavelmente a Resolução está eivada de ilegalidades e contradições.

A questão da ilegalidade já foi, inclusive, apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Injunção (MI) 642-DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello. Embora o MI não tenha sido sequer conhecido (decisão publicada no DJU de 14 de agosto de 2001), o zeloso Magistrado adentrou ao mérito da questão para concluir que: “Impõe-se considerar, neste ponto, que a declaração de suspeição, pelo Juiz, desde que fundada em razões de foro íntimo, não comporta a possibilidade jurídica de qualquer medida processual destinada a compelir o magistrado a revelá-las, pois, nesse tema – e considerando-se o que dispõe o artigo 135, parágrafo único, do CPC -, o legislador ordinário instituiu um espaço indevassável de reserva, que torna intransitivos os motivos subjacentes a esse ato judicial”.

Fundamentando seu voto, o Ministro citou, ainda, abalizada doutrina no mesmo sentido, notadamente Arruda Alvim (Código de Processo Civil Comentado, vol. VI, p. 116, item 3.10, 1981, RT), Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, p. 618, 4ª ed., 1999, RT) e Celso Agrícola Barbi (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, tomo II, p. 425, item n. 744, 10ª ed., 1998, Forense). Finalizando, é feita pertinente citação de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II/430, item n. 6, 3ª ed., 1997, Forense): “Suspeição por motivo íntimo – Ao juiz confere o artigo 135, parágrafo único, o direito (não só a faculdade) de se declarar suspeito, ‘por motivo íntimo’. Motivo íntimo é qualquer motivo que o juiz não quer revelar, talvez mesmo não deva revelar. A lei abriu brecha ao dever de provar o alegado, porque se satisfez com a alegação e não exigiu a indicação do motivo. A intimidade criou a excepcionalidade da permissão: alega-se haver motivo de suspeição, sem se precisar provar.”

Já à contradição (que é também uma inconstitucionalidade), deriva do fato de o CNJ usar como justificativa para esta Resolução o artigo 93, IX da Constituição Federal (CF), que determina que todas as decisões de órgão do Poder Judiciário devem ser fundamentadas. Esta mesma CF prescreve em seu artigo 92 que são “órgãos do Poder Judicário” o: I – Supremo Tribunal Federal (STF); I-A- O Conselho Nacional de Justiça; II – o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Diante disso, indaga-se: se o CNJ pretende fazer valer a CF, por que o fez de forma parcial e não total? Se a CF determina que o CNJ é órgão do Poder Judiciário (bem como o são o STF e o STJ), seus membros também deveriam estar inclusos nas imposições da Resolução no. 82 que, por sua vez, inexplicavelmente, atinge somente os magistrados de primeiro e segundo grau.

Este paradoxo fere frontalmente, por conseqüência, o princípio constitucional da isonomia, já que trata pessoas iguais (magistrados) de forma diferente. É importante frisar que o julgador que se incumbiu nesta função por concurso público, pelo quinto constitucional ou por livre nomeação de chefe do executivo é considerado magistrado, não havendo razão, portanto, para tratá-los de forma diferente.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) juntamente com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) – no. 4260-2, relatora Ministra Ellen Gracie.- questionando esta a Resolução no. 82.

Além dos argumentos aqui expostos, também foram levantados na ADIN outros importantes, tais como usurpação de competência da união (CF, artigo 22, I) para legislar sobre Direito Processual (inconstitucionalidade formal) e violação às garantias constitucionais da neutralidade, imparcialidade e independência dos juízes.

A Ministra Elle Gracie, reconhecendo o “inegável interesse da maior parte da magistratura” no julgamento da ação, adotou para a mesma a tramitação abreviada prevista no artigo 12 da Lei 9.868/99 (despacho publicado em 10 de agosto de 2009). Sendo assim, espera-se que esta importante questão seja logo apreciada e, ao fim, que o pleno do STF chegue à mesma conclusão, anteriormente citada, do Ministro Celso de Mello, por quaisquer das razões ora demonstradas e, sobretudo, em nome do reconhecimento de um direito expresso dos magistrados.

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