Pílula de farinha

Consumidoras não comprovam uso e ficam sem indenização

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16 de setembro de 2009, 16h05

O Laboratório Schering do Brasil não vai ter de pagar indenização para duas consumidoras que engravidaram tomando o anticoncepcional Microvlar, conhecido como pílula de farinha. A impossibilidade lógica de ligação entre fato e consequência (nexo causal) fundamentou a decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. 

O entendimento foi de que a compra do Microvlar pelas consumidoras ocorreu antes do início dos testes feitos pelo laboratório, que resultaram na fabricação das chamadas pílulas de farinha. Ou seja, os comprimidos inativos ainda não poderiam estar circulando no mercado. Por isso, a ausência do nexo causal que, nos casos específicos, seria o consumo da pílula (fato) e a gravidez indesejada (consequência).

O relator dos dois casos, o desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Amapá (TJ-AP) ministro Honildo de Mello Castro, ressaltou que não se discute, nos dois recursos, a responsabilidade do Laboratório Schering do Brasil. O foco da avaliação do STJ é a comprovação do dano em face do nexo de causalidade como elemento absolutamente essencial para que se possa deferir ou não a condenação nos danos morais e materiais.

“O direito, mesmo em se tratando de responsabilidade objetiva, rejeita qualquer indenização, se incomprovado o nexo de causalidade entre o fato alegado e o dano”, esclareceu Honildo de Mello Castro. Em seu voto, o relator ressaltou que não haveria como deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação do nexo de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em data compatível ao nascimento da criança e posterior ao início e à remessa da fase experimental dos placebos para destruição.

O caso das pílulas de farinha ocorreu em 1998, em decorrência de teste na fabricação do anticoncepcional por uma máquina embaladora, usando-se farinha e não medicamento. No entanto, essas pílulas acabaram chegando ao mercado para consumo. Nos dois casos julgados pela 4ª Turma, o voto do relator foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros.

O primeiro caso julgado pela Turma tem origem em ação de reparação de anos. A ação foi ajuizada por consumidora contra o Laboratório Schering do Brasil. Ela disse que teve uma aneurisma cerebral e, para não engravidar, tomava Microvlar. Ainda assim, diz, engravidou e isso prejudicou seu estado de saúde.

A sentença da primeira instância condenou o laboratório a pagar R$ 900 mil por danos morais. A empresa recorreu e a sentença foi modificada pelo Tribunal de Justiça da Bahia. No acórdão, o TJ-BA decidiu pela falta de provas do nexo causal entre o ato do agente e o dano que se pretendia ter indenizado.

A consumidora entrou com recurso no STJ. Residente no interior da Bahia, afirmou, segundo os autos, que fazia uso regular do Microvlar e que adquiriu a última cartela na primeira quinzena de janeiro de 1998, não se recordando o dia do mês. Em seu recurso ao STJ, alegou que ficou comprovada a receita do anticoncepcional e sua venda por vários meses à autora que dele fez uso incontáveis períodos.

O laboratório, por sua vez, sustentou ser impossível que a consumidora tivesse adquirido o placebo, “já que, se houve desvio de material, o mesmo somente poderia ter ocorrido após a data de início dos testes, ou seja, após 15 de janeiro. E, no caso específico, ele deveria sair da capital, São Paulo, e ir parar no interior da Bahia”.

Para o relator, pelo fato de a autora ter adquirido o produto em meados de janeiro de 1998, em cidade do interior do estado da Bahia e, verificando-se que a distribuição do lote defeituoso ocorreu no final do referido mês, é improvável que a autora tivesse acesso ao lote imperfeito.

Em seu voto, Honildo Amaral de Mello Castro destacou ofício da Secretaria de Estado da Saúde da Bahia enviado à juíza de primeiro grau, informando que, dos produtos Microvlar recolhidos no estado na Bahia, perfazendo um total de 51.703 unidades, todos são integrantes de lotes de produtos originais e destinados ao consumo, “não apresentando quaisquer irregularidades”.

O relator destacou, ainda, depoimento pessoal da consumidora, constante nos autos, no qual afirma que olhou a data de validade da última caixa de Microvlar comprada e que ela estava dentro do prazo. De acordo com os autos, o laboratório informou que o prazo de validade não existe nas pílulas de teste.

A 4º Tuma julgou também um caso semelhante de consumidora capixaba. Em ação de reparação de danos contra o Laboratório Schering do Brasil, ela sustentou que já tinha filhos e não pretendia engravidar novamente, pois não tinha condições de arcar com a educação de mais um filho. Mesmo com a ingestão do Microvlar, engravidou, diz.

Em primeira instância, a indenização por danos morais de R$ 30 mil foi concedida. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo manteve a indenização. A consumidora informou, segundo os autos, que comprou as pílulas em 10 de janeiro de 1998, ao passo em que o laboratório afirma que os testes foram iniciados em 15 de janeiro de 1998.

A data precisa da compra do Microvlar pela consumidora foi extraída pelo laboratório de um boletim de ocorrência lavrado mais de seis meses após a compra das pílulas, quando a consumidora informou o ocorrido.

No STJ, Honildo de Mello Castro entendeu que, se a utilização do comprimido de Microvlar no interior do Espírito Santo ocorreu antes mesmo de serem iniciados os testes com placebo, não haveria como deixar de reconhecer a ausência do nexo de causalidade. Assim, nesse segundo caso julgado, também não cabe a indenização.

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