Troca de papéis

Denunciado e vítima de erro médico acusa promotor

Autor

16 de setembro de 2009, 9h08

A Promotoria dos Usuários de Serviço de Saúde do Ministério Público do Distrito Federal se vê nos últimos meses numa situação de rara coincidência. No espaço de sete anos, o mesmo promotor que acusou um cirurgião de erro médico — e perdeu — analisou e arquivou uma acusação de erro médico que supostamente causou a morte da neta deste mesmo cirurgião. De um lado, o pai da menina Bárbara, Dácio Vieira, diz que a história é um caso de conflito de interesse. De outro, o promotor Diaulas Costa Ribeiro afirma que não há problema em ter acusado o avô de Bárbara e, agora, arquivar uma acusação apresentada pela família.

Em 1999, o promotor Diaulas Costa Ribeiro entrou com uma ação na 5ª Vara Criminal de Brasília contra o pai de Dácio, João Vieira. Pai e filho são médicos e foram acusados de erro médico em uma cirurgia de retirada de útero, que lesionou a paciente. Em nome dos médicos, respondeu ao processo somente João, chefe da equipe. Na 5ª Vara, foram inocentados. Diaulas então recorreu à 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, onde perdeu de novo. O desembargador Natanael Caetano, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, se baseou no parecer da Procuradoria de Justiça do DF para, no mérito, inocentar mais uma vez João Vieira, o avô de Bárbara. 

Em 2006, a menina Bárbara, filha de Dácio, deu entrada no Hospital Brasília com fraqueza, vômito e náusea. A equipe médica do hospital diagnosticou leucemia, resultado que Dácio contestou com outro exame feito com o sangue da menina, após a morte dela. A menina morreu em razão de uma infecção bacteriana. O pai diz que é uma clássica infecção hospitalar, resultado de más condições na internação e erro de diagnóstico. Dácio Vieira procurou então o MP para que fosse instalado um Procedimento de Investigação Preliminar. O caso foi parar nas mãos do promotor Diaulas Costa Ribeiro, que mandou arquivar o caso. O promotor entendeu que não havia indícios suficientes para apresentar denúncia por erro médico.

Inconformado com a decisão do MP, Vieira foi diretamente ao Judiciário para pedir a condenação dos médicos do Hospital Brasília por homicídio culposo, em razão de erro de diagnóstico. Neste segundo processo, o pai entrou com uma ação privada — procedimento permitido quando o MP se declara inerte na ação pública. Mais uma vez, foi solicitado o parecer da promotoria comandada por Diaulas. O promotor pediu à 8ª Vara Criminal que o caso não fosse a julgamento.

No parecer, o promotor sustenta que o MP não foi inerte e, por isso, não pode ser aberta a ação penal subsidiária. “O Ministério Público não está inerte. Cumprimos todas as etapas do processo e o arquivamos. Arquivar uma ação é diferente de ser inerte. Não fomos inertes, por isso a queixa-crime não passa da discussão preliminar”, argumentou.

Tanto no caso de 1999 como no de 2006, os laudos periciais do MP foram assinados pelo mesmo perito, Rodrigo Nascimento. Em 1999, o desembargador Natanael Caetano criticou os métodos do perito por extrapolar suas funções na tentativa de incriminar a família Vieira. Baseado no parecer da Procuradoria do DF, o desembargador considerou o perito parcial. “O perito não é advogado da defesa nem órgão do MP: não acusa nem defende. O parecer está composto de uma conclusão revestida de parcialidade com incursões impróprias no âmbito da subjetividade da conduta tida, em tese, como delituosa.”

Agora é a vez do advogado Antônio Lázaro, que defende a família da menina morta, colocar em dúvida os métodos do perito. “Um perito não pode fazer conclusões a ponto de dizer quem está certo ou errado. O laudo diz que a menina teve um ‘caso clássico de infecção hospitalar’ para depois concluir que a morte foi culpa de uma deficiência imunológica anterior à internação. A perícia fez juízo de valor. Perito não pode dizer que fatos são criminosos ou não”, disse o advogado à revista Consultor Jurídico.

A defesa questiona também o fato de o perito basear suas conclusões nos prontuários e nos depoimentos prestados pelos próprios acusados, integrantes da equipe médica do Hospital Brasília. O laudo do MP sustenta que os acusados, por serem médicos, fazem um depoimento de caráter técnico. “No relato dos médicos envolvidos, são encontradas informações de um teor mais técnico, um relato impessoal”, diz o laudo assinado por Rodrigo Nascimento.

Durante a tramitação do Procedimento de Investigação Preliminar — que resultou no arquivamento —, o pai de Bárbara apresentou uma réplica à perícia. O médico apontou 131 erros no laudo do MP, além de ter refeito o exame com o sangue da menina, que deu outro resultado. O promotor, contudo, não examinou os documentos apresentados por Vieira. A papelada estava na Câmara Criminal de Revisão, que seguiu o parecer do especialista do MP.

Só Deus
Sem entrar em detalhes, Diaulas reafirma que o laudo é correto. Para o promotor, apenas uma intervenção divina pode fazer um laudo melhor que o da equipe do Ministério Público. “Só Deus descendo para fazer um laudo melhor. Minha equipe é competente. Os médicos, que agora são acusados, são as únicas testemunhas e foram apontadas como de confiança pela própria família”, afirmou o promotor. E diz mais: “Não discuto a técnica. O MP decide o que interessa na investigação".

Para o pai da menina, Diaulas não poderia ter analisado o caso. “Ele deveria ter declarado conflito de interesse. Quem já acusou minha família pode agora avaliar meu caso?”, questiona Dácio Vieira. “Como se trata de um erro médico, o parecer do MP é ainda mais importante. Um juiz não entende de medicina, então o laudo do MP é determinante”, completa Vieira.

O promotor nega o conflito de interesses. “Eu não me lembro desse caso e, se lembrasse, não faria diferença. Dizer que eu persigo alguém é canalhice, típica de quem está desesperado”, rebateu Diaulas. Para o promotor, não há problema em arquivar o caso de alguém que ele já acusou. “Meu trabalho é estritamente técnico e foi referendado pela Câmara de Revisão.”

Diaulas diz que não se lembra com pormenores do caso e, por isso, não comentou à ConJur detalhes do processo. “Essa história já me deu muita dor de cabeça. Eu não me lembro com detalhes, os autos já estão no arquivo morto. É importante dizer que o MP fez um trabalho exaustivo”, afirmou. Depois de três anos de espera, Vieira viu o caso ser arquivado, antes mesmo de ser analisado por um juiz. A menina Bárbara completaria seis anos no início do mês.

Diaulas afirma que a família exagerou ao pedir mais dedicação do MP. “Eu sei que para eles foi uma tragédia e eu entendo. Mas, para mim, é só mais um caso.” Após o arquivamento, o promotor disse aos pais de Bárbara que aquele caso era isolado e que o MP dá prioridade às ações com objetivos coletivos. “Eu não preciso dar tanta atenção à família. A ação é do MP e eu dou o encaminhando que é preciso ser dado”, disse o promotor. O pai de Bárbara diz que o caso é, sim, coletivo. “E todas as crianças que foram cuidadas por aqueles médicos, que agora a Justiça pode decidir que eles erraram. Isso não é um caso de preocupação coletiva?”, disse Dácio Vieira.

Para o advogado Antônio Lázaro, o promotor não deveria ter arquivado o caso. “É uma questão constitucional. O MP acusa, o advogado defende e o juiz julga. O MP não poderia ter arquivado porque o juiz poderia ter discordado desse entendimento. O MP tirou essa chance”, disse o advogado.

Diaulas é ex-conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. O promotor foi indicado pelo MP-DF para recondução ao cargo, mas o Senado barrou seu nome. O promotor é conhecido pelas palavras duras e, por vezes, intransigentes. Na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Diaulas se recusou a dar satisfação aos senadores sobre votos no CNMP.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!