Justiça ágil

Estabelecer metas não é inconstitucional

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

15 de setembro de 2009, 15h00

[Artigo publicado no blog do Noblat]

O Ministro Marco Aurélio, em sessão administrativa do Supremo, teria criticado o fato de constar no site do Conselho Nacional de Justiça informações sobre o Supremo.

É que o Conselho estabeleceu metas para que os tribunais agilizem processos há anos parados. Ao informar sobre estas metas, o site incluiu o Supremo, o que seria um indicador de que este estaria prestando contas ao CNJ. Essas críticas devem ser levadas a sério e discutidas. Três aspectos são importantes para uma avaliação objetiva.

O primeiro é histórico. Antes de o CNJ ser criado inexistia uma instituição ou um chefe do Poder Judiciário que representasse o conjunto dos tribunais nas negociações de decisões administrartivas que, constitucionalmente, envolviam os Três Poderes. O teto salarial do funcionalismo público é apenas um dos exemplos.

O Supremo tem poderes jurisdicionais sobre os 91 tribunais brasileiros. Mas não os representa. Nem os planeja. Nem os fiscaliza orçamentária e administrativamente.

Pela Constituição, o Supremo é a autoridade máxima da jurisdição. O Supremo pode, se provocado, julgar se esta ou aquela política do CNJ contra a lentidão é constitucional ou não. E aí o CNJ obedece, e ponto final.

Mas não é de sua competência definir, implementar e fiscalizar políticas de eficiência, transparência e moralidade administrativas dos demais tribunais. Tanto que o Supremo sempre proibiu o nepotismo dentro de si. Mas nunca impôs administrativamente esta regra aos demais tribunais. Isso só foi realizado quando o Conselho foi criado.

A fórmula de o presidente do CNJ ser um ministro do Supremo foi a maneira de um representante deste, mas não o próprio Supremo, estar presente na autoridade máxima da administração e fiscalização do Poder Judiciário que o Congresso estava criando.

Fórmula que os congressistas criaram para prestigiar o Supremo, que, por vontade própria, tem designado seu Presidente para presidir o Conselho.

Assim, a conjunção de duas presidências – do CNJ e do Supremo –, em um só presidente o transforma no coordenador máximo do Poder Judiciário, no sintonizador entre competências distintas. Às vezes esta conjugação pode gerar confusão, como no caso.

O CNJ nunca estabeleceu metas para o Supremo. Não pode. Não tem competência. Se alguém as estabeleceu, foi o próprio STF.

O Ministro Gilmar Mendes apenas sintonizou decisões convergentes. Teve dupla cautela. De um lado obtendo autorização do próprio Supremo em sessão administrativa. De outro, apresentou e aprovou previamente, com todos os tribunais, em documento formal, as 10 metas. Apenas após isso é que o CNJ as regulamentou.

O segundo aspecto é que o combate à lentidão não é opção do CNJ. É seu dever constitucional. Em nome da maior eficiência da administração da justiça. Não é algo descartável. É a sociedade quem quer. É a Constituição quem manda.

Uma justiça ágil é um direito da cidadania, e um interesse do próprio Poder Judiciário. Um Judiciário que não decide, ou que não decide a tempo, é Poder sem poder.

Estabelecer metas não é inconstitucional. Aliás, anos atrás, com a consultoria da UnB, o próprio Supremo instituiu para si a meta de reduzir o prazo das suas decisões individuais de mais de 220 dias para menos de 170. Cumpriu-as. Agilizou-se, a si e à justica brasileira.

Inexiste qualquer ação pleiteando a inconstitucionalidade da metas, única maneira do Supremo se pronunciar. Na democracia o Supremo reage, não age. O Supremo julga, não pré-julga. Nada no momento exige que ministros individualmente se pronunciem a favor ou contra a política de metas para os tribunais.

O terceiro aspecto a considerar é que quem criou o CNJ foi o Congresso Nacional. Quem o julgou constitucional foi o próprio Supremo, quando provocado, em voto do Ministro Cezar Peluso.

A partir de então, opiniões e entendimentos pessoais, o gostar ou não do CNJ, deve ser deixado de lado. Deve-se, sim, seguir os mandamentos e determinações da Constituição. Colaborar, e não contestar.

Quem tem o dever de fazer cumprir a Constituição não pode ser contra ao que ela determina ou contra as instituições que ela cria.

Quanto ao fato de no site do CNJ constar informações sobre o Supremo, não se trata, evidentemente, de ilegalidade, exacerbação de competência ou desrespeito. É justo o contrário.

É divulgar o compromisso do próprio STF para com a agilidade e transparência. Na era da liberdade da internet, informações e dados circulam sem que se possa manter o controle.

Se as informações não estivessem no site do CNJ, estariam em quaisquer outros sites, junto com as informações dos outros tribunais. O que é bom para a democracia.

[Este artigo foi originalmente publicado na edição desta terça-feira (15/9) na blog do Noblat]

Autores

  • Brave

    é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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