Contratos revogados

Lei inconstitucional cancela construção de prédios

Autor

14 de setembro de 2009, 15h05

O instrumento da modulação, que limita efeitos de decisão judicial, foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça paulista. A corte não aplicou o mecanismo numa disputa sobre a inconstitucionalidade de leis que disciplinam a ordenação do uso do solo na cidade de Campinas (SP). A decisão foi tomada na última reunião do Órgão Especial, realizada na quarta-feira (9/9). O colegiado negou recurso (embargos de declaração) apresentado pela prefeitura da cidade e por mais cinco empresas imobiliárias.

O mecanismo da modulação pode ser aplicado desde que se cumpram dois requisitos: a decisão do tribunal seja aprovada por maioria de dois terços e estejam presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. A possibilidade de restringir os efeitos de decisão judicial está prevista formalmente na Lei 9.968/99 — que regulamenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O recurso da prefeitura e das empresas não conseguiu maioria legal. Dez desembargadores, de um total de 25, rejeitaram o pedido. Para ser aceita, a modulação precisava de 17 votos.

A Klabin Segall, Square Campinas SPE, Panamby Primetown Acqua House, Ecolife Esmeraldas e Helbor Empreendimentos se associaram à prefeitura para pedir a modulação dos efeitos da decisão tomada pelo tribunal que declarou inconstitucionais três leis do município de Campinas. O argumento das reclamantes era o de que a restrição se justificaria para resguardar interesse social de compradores e preservar a segurança jurídica de contratos celebrados durante a vigência das leis.

Em dezembro, por votação unânime, o tribunal paulista entendeu que as três leis em questão eram inconstitucionais. O TJ entendeu ainda que a decisão tinha eficácia erga omnes (para a todos) e produziria efeitos ex tunc (retroativo). As empresas não se conformaram com esta última parte do acórdão, argumentando que ela traria dano irreparável para negócios fechados na vigência da lei.

Reviravolta
Além da lei da ADI, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a modulação para preservar a segurança jurídica ou em casos de excepcional interesse social. O Tribunal de Justiça entendeu que a reclamação das empresas e da prefeitura não se enquadrava nas duas previsões que permitem acionar a modulação. O julgamento começou em junho com 16 votos a favor da modulação.

O desembargador Artur Marques suspendeu o julgamento, com pedido de vista. Ele apresentou seu voto na última quarta-feira reformulando seu entendimento, em que acompanhava a dissidência capitaneada pelo desembargador José Reinaldo. Artur Marques afastou as alegações de segurança jurídica e de excepcional interesse social.

“O interesse atingido pelos efeitos da ADI é meramente de um determinado grupo de pessoas, não se tratando de questão concernente à sociedade”, afirmou o desembargador. “Interesse social existe, sim, na preservação das áreas em que não poderiam ser construídas habitações verticais — que vem sendo construídas graças às leis ora declaradas inconstitucionais”, completou.

A principal tese sustentada pelas empresas era a da necessidade da modulação como forma de preservar a segurança jurídica. Para a defesa, a decisão do TJ paulista afrontou contratos já realizados, uma vez que as leis, aprovadas em 2003 e 2004, produziram efeitos por mais de cinco anos até serem ceclaradas inconstitucionais.

Para reforçar o argumento, as empresas lançaram mão de leading case em que o tribunal paulista concedeu modulação de efeitos em uma ADI contrária a lei do município de São Paulo. O julgamento, ocorrido em dezembro de 2001, teve relatoria do desembargador José Osório e apreciou a aplicação da modulação na declaração de inconstitucionalidade da Lei 11.773/95. A norma disciplinava as chamadas “operações interligadas”, que teve início durante a administração do então prefeito Paulo Maluf.

O tribunal, no entanto, considerou que os fundamentos daquela decisão não se aplicavam à discussão da lei de Campinas. A modulação, no caso das “operações interligadas”, teria sido concedida para resguardar o direito daqueles que assinaram termo de compromisso com a prefeitura paulistana para obter alvará de execução de obras. No entendimento do tribunal, negar a modulação, neste caso, causaria abalo à segurança jurídica.

“No caso ora analisado, entretanto, é impossível socorrer-se, com êxito, do mesmo argumento, posto que as leis declaradas inconstitucionais tratavam pura e simplesmente de alterações no zoneamento urbano da cidade de Campinas, não conferindo qualquer reforço ao direito dos possíveis promitentes-compradores”, disse o desembargador Artur Marques. “Daí por que não há qualquer similitude entre as situações fáticas e não é possível socorrer-se da analogia”, completou.

O relator do recurso, desembargador Maurício Ferreira Leite, defendeu que a modulação é medida excepcional. Para ele, a manutenção das licenças e alvarás concedidos, como pretende as empresas e a prefeitura, seria medida impossível uma vez que se estaria valorizando a situação de um grupo restrito de pessoas em detrimento da maioria.

Inconstitucionalidade
Em 10 de dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça retirou do ordenamento jurídico três leis do município de Campinas. O TJ atendeu pedido da Procuradoria-Geral de Justiça para declarar inconstitucionais as normas que alteraram o zoneamento em 38 áreas e lotes urbanos espalhados por 15 bairros de Campinas.

A decisão paralisou obras em andamento e com apartamentos vendidos. Os mais afetados foram o condomínio Ecolife, no bairro Taquaral, com obras adiantadas, e 87% dos 196 apartamentos vendidos e o Platô Flamboyant, um empreendimento da Klabin Segall, que também tinha iniciado as obras de construção de duas torres de 310 apartamentos na rua Paranapanema, no bairro Jardim Flamboyant.

A ADI é resultado de representação de moradores dos bairros Taquaral e Jardim Flamboyant ao Ministério Público de Campinas. Eles alegaram que os empreendimentos foram iniciados a partir de mudanças pontuais que abriram espaço para condomínios verticais, proibidos pelo zoneamento original. O caso foi parar na chefia do MP, que pediu a inconstitucionalidade da legislação por vício de iniciativa (as alterações foram propostas pelo Legislativo, que não tem poder para alterar zoneamento), por ferir o princípio de isonomia (trata de forma diferente uma mesma região) e contraria ao Plano Diretor da cidade, aprovado em 2006.

Embargos de Declaração 163.559-0/2-01

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!