Extradição x refúgio

Leia voto de Peluso a favor da extradição de Battisti

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13 de setembro de 2009, 8h25

O Supremo Tribunal Federal tem poderes para analisar o status de refugiado político dado pelo governo brasileiro. Para o ministro Cezar Peluso, relator do processo de extradição do ex-ativista Cesare Battisti, o refúgio é previsto em lei e, assim, é possível que o STF analise a legalidade do ato do Ministério da Justiça. Apesar de o refúgio ser uma decisão política, Peluso acredita que, por ser previsto em lei, não há uma intervenção do Supremo no ato do Executivo. Foi com essa tese que Peluso afastou o princípio da separação de poderes e votou pela ilegalidade do refúgio dado a Battisti.

Na prática, Peluso defendeu que todo refúgio dado pelo governo tem de passar pelo crivo do Supremo, inclusive a parte política. Isso porque, segundo o ministro, não cabe ao Ministério da Justiça definir se uma condenação por crime comum pode ser interpretada também como crime político. “A autoridade administrativa dizer que a motivação para o refúgio seria por delitos políticos, e não comuns, significaria evidentíssima e censurável invasão da competência da Corte”, sustentou.

No acalorado julgamento do italiano, Peluso levou mais de cinco horas para ler cada uma das 138 páginas do voto. A principal polêmica foi se Peluso poderia analisar o mérito da extradição sem, antes, colocar em votação a preliminar que poderia finalizar com o julgamento. A preliminar consistia em saber se, após o refúgio dado pelo Executivo, ainda havia necessidade do Supremo julgar a extradição de um refugiado.

Logo de início, o relator afirmou que o refúgio dado a Battisti não era incontestável. “Não há como estabelecer, na interpretação constitucional do instituto do refúgio, que toda decisão do Executivo produza efeitos, independentemente de reverência à ordem jurídica”, disse o relator. “Há como nítida questão prévia a legalidade do ato administrativo. O reconhecimento da condição de refugiado constitui ato vinculado aos requisitos da lei”, completou. Ou seja, para Peluso, a decisão política do Ministério da Justiça pode ser analisada sob o prisma da lei.

Foi com esse argumento que Peluso analisou os “vínculos” entre o refúgio de Battisti e sua legalidade. Para o ministro, o refúgio só extingue o processo de extradição se o Supremo considerar o ato legal. “Só o ato legal pode produzir esse feito jurídico de impedir deferimento da extradição.”

Assim, Peluso analisou as condenações, para definir se os crimes eram de fato políticos, a ponto de justificar o refúgio. Além disso, o relator defendeu que o refúgio só valeria se ficasse provado o temor de perseguição nos dia de hoje. “A situação política do Estado italiano, em dada quadra histórica, não pode ser considerada causa atual de algum fundado temor de perseguição futura por motivos políticos”, disse o relator. E então Peluso conclui que o temor de Battisti é, na verdade, com a Justiça italiana, que o condenou por um crime comum. “Como se vê, não aparecendo como vítima da injustiça, senão como alguém que foge da punição legal por crimes de natura comum, não pode o extraditando aspirar à condição de refugiado.”

Desse modo, o ministro votou no sentido de que, no caso de Battisti, o refúgio do governo não era suficiente para impedir o processo de estado. Para Peluso, como não ficou provada a perseguição política, o ato do Ministério da Justiça foi ilegal e não tem validade. Para isso, Peluso citou o parecer da Procuradoria-Geral da República que, apesar de ser favorável a Battisti, disse que os crimes eram comuns.

Mérito
Após ter afastado a preliminar, sem ter colocado tal questão em votação, o relator passou a julgar o mérito da extradição. Peluso votou pela extradição do ex-ativista italiano, pois o crime não teria sido político. “A natureza dos delitos pelos quais o extraditando foi condenado, marcados pela absoluta carência de motivação política e extrema violência, não se afeiçoa de modo algum ao modelo de delito político que impede a extradição”, sustentou. Como condição para a extradição, Peluso pediu que a prisão perpétua da condenação italiana fosse trocada pela pena máxima brasileira de 30 anos.

O ministro Cezar Peluso defendeu que a presidência da República é obrigada a seguir a decisão do Supremo. Segundo ele, a extradição “não é discricionária, é obrigatória”. Mesmo que os ministros do STF decidam pela extradição, o italiano poderá continuar no Brasil. Segundo o voto de Peluso, o presidente Lula poderá decidir que Battisti responda a todos os processos que correm contra ele na Justiça brasileira, antes de ser extraditado. “Deferido o pedido, a efetiva entrega poderá ser adiada até a conclusão de outros processos”, disse o relator. Battisti responde a processo por falsificação de passaporte, na 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

Para Peluso, não há razão em assinar um tratado entre países se o presidente da República tiver poderes para não cumpri-lo. Foi com esse entendimento que ele sustentou a obrigatoriedade da extradição, já que Brasil e Itália têm um tratado sobre o tema. “Se de um lado não há previsão legal para o chefe do Executivo decidir, o tratado diz que a Itália e o Brasil são obrigados a extraditar. Esse é um princípio capital dos tratados. Não tem nexo celebrar tratado para não ser cumprido”, disse.

(Clique aqui para ler primeira parte do voto do relator)
(Clique aqui para ler segunda parte do voto do relator)
(Clique aqui para ler terceira parte do voto do relator)
(Clique aqui para ler quarta parte do voto do relator)

Extradição 1.085

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