Sigilo quebrado

Dados cadastrais não estão protegidos por sigilo

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13 de setembro de 2009, 7h17

Nome, endereço, telefone, RG e CPF ou CNPJ de correntistas bancários não são protegidos pelo sigilo bancário. A proteção dos dados só se refere à movimentação financeira das contas. O entendimento é da Justiça Federal da região Sul, que concordou com alegações do Ministério Público Federal, de que os dados cadastrais não poderiam ser negados à Polícia durante inquérito. Na prática, o fornecimento das informações dos correntistas não depende mais de autorização judicial, exceto o que se refira aos extratos bancários. A Polícia e o Ministério Público podem pedir os dados diretamente às instituições, independentemente de ordem judicial, e as empresas não podem negar o seu fornecimento.

A definição foi da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento de um processo de correição parcial do MPF contra decisão da 1ª Vara Federal de Cascavel, no Paraná, em julho. O juízo paranaense indeferiu um pedido de quebra do sigilo de endereços e telefones de envolvidos em acusação de adulteração de medicamentos.

Em março, Márcio Elias de Castilho e Elias Alves da Silva foram presos em flagrante transportando medicamentos estrangeiros sem autorização do Ministério da Saúde, “além de inúmeros cheques preenchidos e assinados por diversos correntistas”, diz o relatório feito pelo desembargador federal Tadaaqui Hirose, relator do processo no TRF-4.

No inquérito aberto sob número 2009.70.05.000189-3, a Polícia pediu à Justiça o acesso os dados de titulares e beneficiários de cheques apreendidos com Márcio e Elias, acusados da venda proibida. O juiz federal da 1ª Vara de Cascavel negou o pedido, alegando que a medida só deveria ser usada caso não houvesse outros meios de se obter as informações.

Para o MP, a decisão do juiz tumultuou a investigação, já que a intenção do pedido era identificar coautores dos crimes. A promotoria alegou que dados cadastrais não estão sob o sigilo bancário previsto no artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, com o que concordou o TRF-4. De acordo com os desembargadores, “o sigilo bancário abrange apenas as ‘operações ativas e passivas e os serviços prestados’, conforme dispõe o artigo 1º da Lei Complementar 105/01, desta forma não incluindo os dados cadastrais de correntistas, entendidos como o nome, endereço, telefone, RG ou CPF (ou CNPJ)”.

A  turma também afirmou que “os elementos cadastrais revestem-se de natureza objetiva e estão relacionadas com o próprio exercício da cidadania e, via de regra, não se encontram acobertados pela esfera de proteção do art. 5º, X e XII, da Constituição Federal”.

O relator do processo de correição, desembargador Tadaaqui Hirose, afirmou ainda que “tais dados podem ser facilmente obtidos por qualquer pessoa das mais variadas formas, como por exemplo, junto às juntas comerciais, em sites de busca na internet, em cartórios de registro de imóveis, informações estas franqueadas sem qualquer necessidade de intervenção judicial”.

A questão é divergente no próprio Superior Tribunal de Justiça. Em 1999, a 6ª Turma declarou confidenciais as informações cadastrais, ao seguir voto do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, relator do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 8.493. Segundo os ministros, as informações são reservadas. Ele deu como exemplo a situação hipotética de um homem que “resolva presentear uma moça com linha telefônica que esteja em seu nome. Não deseja, principalmente se for casado, que isto venha a público”. Segundo o exemplo hipotético usado, a empresa de telefonia pode ter como regra incluir o nome do titular da linha na lista de assinantes, mas não pode fazê-lo se o proprietário negar a divulgação. “Da mesma maneira temos cadastro nos bancos, entretanto, de uso confidencial para aquela instituição, e não para ser levado a conhecimento de terceiros”, diz o acórdão.

No ano passado, porém, a 5ª Turma do STJ entendeu que a entrega dos dados em inquérito policial não é quebra de sigilo. Os ministros acolheram Embargos Declaratórios do Ministério Público Federal. “Não são abarcados pelo sigilo fiscal ou bancário os dados cadastrais (endereço, nº telefônico e qualificação dos investigados) obtidos junto ao banco de dados do Serpro”, diz o acordão, referindo-se a informações consultadas nos sistemas da Receita Federal.

No Rio Grande do Sul, uma decisão da Justiça Federal já obriga todas as operadoras de telefonia a fornecer dados cadastrais de assinantes investigados às Polícias Federal e Estadual, assim como aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, mesmo sem ordem da Justiça. A sentença foi dada em abril na Ação Civil Pública 2006.71.00.033295-7, ajuizada pelo próprio MPF. As empresas que se negarem a obedecer estão sujeitas a multa.

Para o advogado criminalista Carlos Alberto Pires Mendes, sócio do escritório Maronna, Stein e Mendes Sociedade de Advogados, o tema ainda é controverso, e a jurisprudência ainda não se pacificou em nenhuma direção. “Ao contrário do que decidiu o TRF-4, continuo entendendo que os dados cadastrais, fornecidos pelos clientes na garantia da inviolabilidade, intimidade e vida privada, são de uso confidencial da instituição financeira, que tem o dever de manter o segredo das informações, e não podem ser levados ao conhecimento de terceiro salvo no caso de expedição de ordem pela autoridade judicial competente”, afirma.

Clique aqui para ler o acórdão do TRF-4.

Correição Parcial 2009.04.00.023525-0/PR

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