Seleção Natural

Em artigos, Frias Filho capta retrato do seu tempo

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6 de setembro de 2009, 7h50

“É difícil captar o retrato de uma era quando ela ainda está em curso”, diz Otavio Frias Filho, em Introdução à História Sentimental do Tucanato, artigo publicado na Folha de S.Paulo dias depois da reeleição de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República, em outubro de 1998. A difícil tarefa de explicar as origens e os impactos dos fatos cotidianos parece ter conduzido o diretor de redação da Folha ao longo dos 25 anos de carreira e da produção de artigos para o jornal.

Os 25 textos mais especiais para o jornalista, que escreveu sobre cinema, teatro, política, literatura e jornalismo, foram reunidos na obra Seleção Natural: Ensaios de cultura e política, lançada pela PubliFolha.

No artigo sobre a reeleição de FHC, em que fez uma curta análise sobre a sua chegada à presidência e o seu primeiro mandato, iluminando o episódio com as peculiaridades do posicionamento político do PSDB até então, Frias Filho conclui que culturalmente a Era dos Tucanos foi uma época de “desacontecimentos”, em que não houve traumas, rupturas, manifestos, nem obras-primas. Seguindo uma corrente mundial, o país encontrava-se em um processo de mercantilização de “esferas ainda há pouco relativamente imunes à mercadoria”, como a religião, a imprensa, a política, a vida pessoal-afetiva. Estávamos em 1998.

Segundo ele, havia um movimento de padronização dos produtos e dos comportamentos, no qual a identidade nacional se via “mutilada pela sôfrega imitação dos padrões norte-americanos”. Chamou atenção também para a “intensa codificação da vida pessoal”, com disseminação da cultura antitabagismo, uso de cinto de segurança, doação de órgãos, legislação ecológica, o que hoje chamamos de comportamento politicamente correto.

Doze anos antes da reeleição de FHC, Frias Filho se ocupava de uma reflexão sobre o passado e o futuro a partir dos filmes contemporâneos de ficção científica. Alien e Blade Runner, do diretor inglês Ridley Scott, mudaram os parâmetros da ficção científica, porque a sociedade já havia incorporado o desenvolvimento científico no seu dia a dia.

“É que a ficção cientifica da nossa época não interpela homens ameaçados pelas consequências do desenvolvimento científico, mas já complemente subjugados por elas; não faz sentido profetizar a analogia entre o automatismo social e o mecânico agora que eles estão se fundindo materialmente e que a ideia de homem não se opõe mais à de máquina, porque a própria sociedade se torna automática e os homens, autômatos”, escreveu.

Frias observa que pela primeira vez no cinema o futuro é retratado através de lugares imundos, de ambientes chuvosos, equipamentos envelhecidos pelo uso. “Invadido pelo presente, o futuro se mostra como passado.” Segundo ele, o futuro sujo do diretor inglês está relacionado com a contaminação visual do Primeiro Mundo pelo Terceiro.

A “bisbilhotice frívola e mórbida” do interesse público alimentado pela imprensa foi discutida em artigo publicado no caderno Mais! após a morte da princesa Diana, em agosto de 1997, após ser perseguida por paparazzis. “O que estamos fazendo está certo?”, questiona. Não encontra uma resposta rápida, mas de cara alerta que impor regras rígidas à atuação da imprensa não é a solução.

O jornalista diz que a sociedade contemporânea embaralhou os conceitos de vida privada e vida pública, o que se refletiu na cobertura da imprensa. “A vida pessoal de Madonna, por exemplo, tem presença e efeito tão públicos quanto decisões do Banco Central: influencia comportamentos, determina atitudes, modifica mentalidades”, disse.

Para ele, o melhor que se pode esperar do jornalismo é que retrate a sua época, como o seu povo a entende, que seja menos efêmero e mais como uma fonte de dados históricos.

Atento aos comportamentos sociais, escreveu também sobre o impacto da propaganda da Valisère, espalhada em outdoors com a frase: “O primeiro Valisère a gente nunca esquece”, e sobre as críticas sofridas por Monteiro Lobato desde que se colocou em oposição à pintora Anita Malfatti.

No final, o livro traz a íntegra da carta aberta ao presidente Fernando Collor, publicada na primeira página da Folha, em abril de 1991, com palavras como: “Apesar do empenho inegável que o sr. dedica à tarefa de desmantelar os partidos, abater as entidades empresariais e os sindicatos, sufocar as organizações culturais e intimidar a imprensa, prevalecendo-se da desordem ideológica da nossa época, açambarcando a torto e a direito bandeiras que vão do moralismo mais tacanho à ecologia, inspirando-se em estereótipos aqui do fascismo, acolá da social-democracia, mas lançando sempre uma névoa cintilante de confusão sobre a sociedade — apesar disso tudo o sr. é obrigado a ouvir vozes capazes de dizer não. São cada vez mais numerosas”.


Serviço
Livro: Seleção Natural — Ensaios de cultura e política
Autor: Otavio Frias Filho
Edição: 1ª, 2009
Páginas: 218
Preço: R$ 34,00


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