Julgamento didático

Leia voto de Gilmar Mendes sobre reserva indígena

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5 de setembro de 2009, 9h38

“O caso Raposa Serra do Sol é, certamente, um dos mais difíceis e complexos já enfrentados por esta Corte em toda a sua história”. Foi assim que o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, classificou o histórico julgamento. Não bastasse a complexidade, era um caso com conflitos eminentes e que serviu de referência para outras demarcações. Coube ao ministro Gilmar Mendes complementar a lista de exigências feita pelo ministro Menezes Direito, morto esta semana. Mendes aprofundou a exigência de que o Estado participe do processo de demarcação e dê cidadania aos indígenas. (Clique aqui para ler o voto).

No voto, Gilmar Mendes definiu como deve ser a participação do Estado. “É este o quadro preocupante: abandono completo do Poder Público. Faz-se a demarcação e nada mais. Essa responsabilidade precisa ser examinada”, escreveu. “A competência da União para a demarcação das terras indígenas tem que ser exercida em conformidade com o princípio da fidelidade à federação, sendo obrigatória a efetiva participação dos Estados e Municípios, em todas as fases do procedimento”, completou.

O presidente do STF afirmou ainda que o caso Raposa Serra do Sol valerá como jurisprudência para futuros julgamentos. “Como bem salientado pelo Ministro Menezes Direito, o procedimento demarcatório que redundou na demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não poderá ser revisto”, disse. “Essa é a lição que temos a oportunidade de deixar assentada no julgamento. Temos o dever de, em nome da Constituição e de sua força normativa, fixar os parâmetros para que o Estado brasileiro efetive os direitos fundamentais indígenas por meio dos processos de demarcação”.

“A decisão de hoje, dessa forma, tem um inegável cunho pedagógico que não podemos menosprezar”, disse Gilmar Mendes. Por isso, o presidente do Supremo recomendou que a União seja mais atenta nos próximos casos, principalmente em relação à proteção das fronteiras. “Assim, como reforço concreto à harmonia entre os valores constitucionais concernentes à soberania e à defesa nacionais e à proteção constitucional dos índios, entendo que para casos futuros, de semelhante repercussão, a manifestação do Conselho de Defesa Nacional certamente proporciona essenciais ganhos objetivos numa avaliação completa do procedimento demarcatório”, concluiu.

Gilmar Mendes defendeu ainda que a demarcação da terra não representava a posse do patrimônio da União para os indígenas. “Apreende-se que a Constituição determina como bens de propriedade exclusiva da União Federal não só as terras indispensáveis à garantia da soberania e da defesa nacionais, mas também aquelas destinadas à ocupação tradicional dos índios. Aos índios não se concede a propriedade das terras ocupadas, que é exclusiva da União Federal. O que a Constituição determina é uma afetação pública específica às terras habitadas pelos índios, em razão da proteção constitucional a eles conferida”, afirmou.

O ministro lembrou ainda a visita que fez à reserva. Foi a primeira vez que ministros do STF foram até o local para ver de perto a realidade de um caso. No voto, Mendes citou conversas que teve com indígenas. “Na aldeia Ingaricó percebe-se a angústia e a falta de presença do Estado. Os índios estão entregues um pouco à própria sorte. Precisam, para se deslocar à Boa Vista, para as coisas mais prosaicas da vida como obter uma pensão do INSS, de caminhar dois dias até a Vila Água Fria e, depois, tomar um ônibus para Boa Vista, viagem que dura 10 horas”, descreveu o presidente do STF.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes no julgamento do caso Raposa Serra do Sol.

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