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Recuperação judicial da Varig tirou lei do papel

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3 de setembro de 2009, 17h56

A amplitude e a eficiência de uma lei só são conhecidas depois que a norma é aplicada a um caso concreto. É o chamado "leading case", o processo piloto, que pavimenta o caminho por onde passarão todas as discussões judiciais similares que se seguirem.

A recuperação da Varig, da Rio Sul e da Nordeste Linhas Aéreas, que começou em 2005, foi o caso pioneiro que deu vida à, na época, recentíssima Lei de Falências (Lei 11.101/05). A causa deu base para que a lei fosse aplicada em inúmeras outras recuperações judiciais que pipocaram nos últimos meses por conta da crise econômica. A constatação é do juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (3/9), o juiz, que conduziu o processo de recuperação da companhia encerrado na quarta-feira (2/9), questionou se a situação atual seria diferente caso fosse decretado a falência da companhia aérea. Para ele, a decretação da falência poderia representar a morte não só da empresa como da própria lei. “O caso tem importância por ter dado efetividade à lei.”

O juiz observou que com a crise econômica e a redução do crédito, o número de ações de recuperação aumentou. Não fosse a lei, disse, as empresas poderiam deixar de existir. Segundo ele, no Rio de Janeiro, todas as empresas que entraram em recuperação judicial estão se saindo bem. Embora não esteja à frente do processo específico, o juiz citou a recuperação judicial da loja de departamentos Casa & Vídeo. “A lei ganhou vida, entrou no cenário jurídico”, disse.

Ele também afirmou que além de dar vida à lei, a intenção era resolver o problema de uma grande empresa brasileira. “Não é o juiz quem decide o futuro da empresa. Quem decide são credores e devedores em um cenário de amplo debate”, explicou.

Ayoub disse que, durante o processo, que durou quase quatro anos e meio, algumas questões também ajudaram a consolidar a lei como a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade dela e da não sucessão de dívidas caso a empresa tenha ativos alienados. Por um lado, o juiz avalia como positivas as manifestações dos tribunais superiores quanto à não sucessão de dívidas. Por outro, lamenta que a empresa em recuperação não tivesse, na época, se beneficiado de um cenário mais estável e de uma cultura de não sucessão. “Se alienação acontecesse hoje, seria completamente diferente.”

Os advogados que sustentaram a inexistência da sucessão de dívidas foram os integrantes do escritório Teixeira Martins Advogados. À época em que empresas interessadas em participar do leilão de compra da unidade produtiva da Varig, a maior parte dos escritórios consultados deram parecer em sentido contrário. A justiça trabalhista trabalhou para que os ativos pudessem ser bloqueados para indenizações. A própria entidade corporativa dos juízes, a Anamatra, entrou na disputa. Mas prevaleceu o entendimento do juiz Ayoub.

Para ele, é necessário aprimorar as leis. No caso da atual Lei de Falências, há alguns pontos que ele acha que poderiam ser modificados. “Não concebo a ideia de que com a falência, há perda da concessão.” Outro ponto é quanto à exigência de certidão negativa de débitos.

Com o fim da recuperação judicial, a administração da empresa volta aos antigos gestores, afastados por decisão do juiz, a Fundação Rubem Berta. Ayoub explicou que isso significa que a empresa, hoje Flex, continuará a funcionar normalmente. O plano de recuperação deverá ser cumprido, já que há cláusulas que preveem condições estabelecidas para até 20 anos. Segundo ele, a execução do plano de recuperação fica submetida ao controle do juiz. Ele explicou que o plano não pode ser modificado e, se isso acontecer, o juiz poderá ser chamado para que restabeleça o que ficou decidido.

Ninguém sabe qual será o destino da empresa, disse. Segundo ele, é inegável que há dificuldades. Mas a empresa pode receber dinheiro decorrente de ações ainda em curso nos tribunais. Uma delas diz respeito à defasagem tarifária, que está no Supremo Tribunal Federal. A empresa pede indenização da União devido à política de preços das passagens aéreas entre 1985 a 1992. Ayoub disse que não há o valor exato de quanto a empresa receberia caso fosse julgada favorável à companhia. Mas, disse, não é de R$ 20 a R$ 30 bilhões como se chegou a propagar.

A ação foi suspensa por pedido da Advocacia-Geral da União. Segundo o juiz, o advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, tem tido um papel importante na condução do acordo, mas a situação é complexa. Caso o acordo não aconteça, ficará a cargo do Supremo decidir a questão.

As empresas Varig, Rio Sul e Nordeste Linhas Aéreas entraram com o pedido de recuperação em junho de 2005. Afirmaram que, no primeiro trimestre de 2005, tiveram o lucro operacional de R$ 157 milhões e que apresentavam dificuldades financeiras para continuar a funcionar. Nos autos, além da relação dos credores e fornecedores, também estavam relacionados os nomes dos empregados da companhia e dos bens que administradores e acionistas da empresa. No decorrer do processo, foi nomeada consultoria contábil para avaliar se as contas das empresas cumpriam os requisitos exigidos por lei. Também foi nomeado um administrador judicial. Posteriormente, o juiz convocou Assembleia de Credores para que o plano de recuperação fosse apresentado pela empresa.

No curso do processo, o acionista controlador foi afastado por ingerência administrativa das empresas em recuperação. No fim de 2005, o pedido de recuperação judicial foi concedido pelo juiz.

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