Valorização do homem

Regularização de ilegais é questão de direitos humanos

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2 de setembro de 2009, 7h14

A migração sempre esteve presente na história da humanidade. Em todas as épocas, em todas as regiões do globo, famílias e comunidades inteiras deixaram sua terra natal à procura de um novo lar, um lugar em que as condições de vida fossem melhores do que as anteriores. Nesse contexto, o movimento migratório é muito mais uma fuga do que propriamente um ato espontâneo, juntando-se a isso o sentimento de abandono e de perda da terra natal.

O atentado de 11 de setembro de 2001 causou marcas indeléveis na política migratória internacional. Desfraldada a bandeira do combate ao terrorismo, os países mais ricos recrudesceram a fiscalização em suas fronteiras e buscaram inviabilizar ao máximo o ingresso de migrantes em seus territórios. A permanência clandestina foi dificultada, sendo rotineiras medidas de retirada compulsória de estrangeiros do território dos países desenvolvidos, tais como a deportação e a expulsão.

Ao fantasma do terrorismo, juntam-se as tradicionais manifestações xenófobas em épocas de crise econômica, como a atual, quando os migrantes são considerados os primeiros vilões do desemprego, embora, em sua maioria, os estrangeiros exerçam funções típicas de subemprego e que não encontram interessados entre os europeus e norte-americanos.

Note-se que o atual movimento migratório mundial é bem delineado. O fluxo parte da África, Ásia, América Latina e Europa Oriental em direção à Europa Ocidental e à América do Norte. Excluindo-se os refugiados de guerra, basicamente as migrações têm razões econômicas. Foge-se da miserabilidade, ainda que isso signifique subempregos, salários de fome ou mesmo escravidão. Com a maior dificuldade em ingressar legalmente em um país rico, o migrante originário das áreas subdesenvolvidas já não busca o Eldorado, mas apenas um lugar onde possa sustentar a si e à sua família. E passa a submeter-se, com cada vez mais frequência, a situações de risco, tornando-se alvo fácil da exploração de quadrilhas de tráfico de pessoas, ou das que exploram a prostituição, ou sendo utilizado no cometimento de crimes como o tráfico internacional de drogas, ou vitimados por coações e extorsões, sem poder recorrer ao aparato estatal pelo medo de serem deportados.

Aliás, é bastante paradoxal o tratamento dispensado aos seres humanos no mundo globalizado. Enquanto se prega a livre circulação de mercadorias, informações e riquezas, restringe-se cada vez mais a livre circulação do homem, fadado a permanecer nas circunstâncias miseráveis em que nasceu. A nacionalidade, antes de ser componente integrante do estado da pessoa e um seu direito fundamental passa a ser a chaga que a afasta do acesso a melhores condições de vida.

No atual processo migratório mundial, o Brasil cumpre uma função peculiar. Ao mesmo tempo em que muitos brasileiros buscam na Europa e na América do Norte o sonho de uma vida melhor, o Brasil é o destino de migrantes vindos de países ainda mais pobres, destacando-se os bolivianos, paraguaios e peruanos e, em menor escala, os colombianos e os africanos lusófonos. O Ministério da Justiça calcula em 50 mil o número de estrangeiros irregulares atualmente no país, mas é possível que esse número seja algumas vezes maior.

Os problemas enfrentados pelos migrantes no Brasil não diferem muito do que ocorre em outras paragens. Com a exceção da facilidade em ingressar no país, irregularmente, diga-se, sofrem aqui dos mesmos males que afligem grande parte dos migrantes pelo mundo. Diante da dificuldade em regularizar sua estadia no país, em razão de um procedimento burocrático e dispendioso para quem vem fugido da pobreza, não conseguem obter documentos nacionais básicos como a carteira de trabalho e o CPF, indispensáveis para a obtenção de um emprego formal. Passam a viver de subempregos que pouco se assemelham à informalidade em que trabalham a maioria dos nossos nacionais. Chegam a trabalhar em jornadas de mais de 12 horas, para receberem salários muitas vezes inferior ao salário mínimo, em regimes de verdadeira escravidão. Particularmente em São Paulo, são conhecidos os problemas dessa natureza enfrentados por bolivianos e paraguaios aliciados para o trabalho na indústria têxtil. O tráfico de pessoas, a prostituição e a contumaz extorsão por máfias estrangeiras também é parte da triste realidade que sofrem os imigrantes em situação irregular no Brasil.

Tudo colocado à mesa, vê-se que o imigrante pobre é verdadeiramente tratado não como um ser humano, mas como um objeto, sendo rotineiramente vítima de vilipêndios à sua dignidade que o desumanizam e coisificam-no. Antes de servir para regularizar uma mera situação burocrática, portanto, a Lei 11.961, publicada em 02.07.09, tem o condão de tirar da marginalidade essa gama de indivíduos, trazendo-os para o convívio social pleno, estendendo-lhes a mão para acolhê-los, e não para reprimi-los. Na contramão da política internacional e do hoje vetusto Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), editado em plena ditadura militar, a lei que possibilita a regularização dos estrangeiros que atualmente vivem no Brasil é um verdadeiro farol na proteção e concretização dos direitos humanos, inclusive no plano internacional, exemplo de valorização do ser humano e de sua dignidade, pois busca integrar à nossa sociedade um grupo que historicamente sempre teve papel marcante na formação de nossa identidade cultural, os imigrantes.

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