Troca de julgador

Ação Penal muda da Justiça Federal para Estadual

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2 de setembro de 2009, 9h56

O piloto Xandi Negrão conseguiu um Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça. Acusado de cometer crime ambiental ao derrubar árvores em área protegida pelo Ibama para a construção de uma casa, o piloto da stock car brasileira foi atendido em seu pedido para ser julgado pela Justiça Estadual, e não pela Federal. Os ministros consideraram que a preferência pela continuidade de processo já iniciado com um mesmo juiz, prevista no Código de Processo Civil, não se aplica em ações penais.

A decisão, dada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, saiu no dia 4 de agosto. Ao conceder o Habeas Corpus por unanimidade, o STJ entendeu que o caso deveria ser remetido à Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Para os ministros Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes, Celso Limongi (convocado), Haroldo Rodrigues e Nilson Naves, como a acusação de crime de desobediência contra servidor do Ibama caiu devido à prescrição, não havia mais interesse da União no processo, o que tira a competência da Justiça Federal.

O Ministério Público Federal acusou Alexandre Funari Negrão, de 56 anos, de desobedecer ordem de funcionário público — com base no artigo 330 do Código Penal, com pena prevista de 15 dias a seis meses de detenção, além multa — e de cometer crime ambiental. Ele é reu por cortar árvores em área de preservação permanente e construir no local. O piloto e principal dono dos Laboratórios Medley — maior produtor de medicamentos genéricos do país — tem uma casa no Saco do Mamanguá, em Paraty (RJ), considerado um paraíso tropical em uma reserva ecológica. De acordo com os artigos 39, 40 e 60 da Lei 9.605/98, a pena poderia ultrapassar oito anos de prisão.

O julgamento do caso colocou em conflito a 1ª Vara Federal de Angra dos Reis e a Vara Criminal da Comarca de Paraty, ambas no Rio de Janeiro. Em 2007, a 3ª Turma do STJ declarou que a competência era da Justiça Federal, por envolver crime de descumprimento de ordem dada por funcionário público federal. No início do ano passado, porém, a 1ª Vara Federal de Angra julgou prescrito o crime de desobediência.

Por esse motivo, a defesa de Negrão pediu que o STJ enviasse o caso novamente à Vara Estadual de Paraty, já que o motivo que ligava o assunto à Justiça Federal não existia mais. O advogado do piloto, Alberto Zacharias Toron, questionou decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que manteve o processo na Justiça Federal. Os desembargadores haviam entendido que o delito foi praticado contra “bens, serviços ou interesses da União”, já que a zona afetada é da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, Unidade de Conservação protegida pelo Ibama.

Segundo a defesa, porém, a demarcação da zona foi feita dentro de propriedade particular do próprio piloto. Mas o TRF-2 afirmou que isso não impede que alterações na vegetação tenham de ter autorização do Ibama. Para os desembargadores, o fato de o crime de desobediência ter prescrito não altera a constatação de que o crime contra o meio ambiente foi considerado conexo, nos termos dos artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal.

Em recurso dirigido ao STJ, o advogado Toron defendeu que, mesmo nesse caso, a competência é da Justiça Estadual. Para ele, só existe interesse da União quando há relação direta e específica com o bem. Como a área não faz parte do patrimônio da União, o interesse é indireto.

A ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do processo, concordou e foi além. Ela desconsiderou a aplicação do perpetuatio jurisdictionis sobre o caso, devido ao fato de que o assunto é da seara penal e não cível. O perpetuatio jurisdictionis, invocado pelo Ministério Público, é a regra segundo a qual um processo já em andamento deve continuar sob os cuidados de um mesmo julgador mesmo que fatos posteriores ao ajuizamento indiquem uma mudança de competência. A regra, criada com a intenção de dar estabilidade ao julgamento, é extraída do Código de Processo Civil e do princípio do juiz natural previsto na Constituição Federal.

Segundo a defesa, o perpetuatio jurisdictionis, nascido no CPC, não pode ser aplicado em matérias penais por um motivo simples: a ideia da continuidade do julgamento com um mesmo julgador considera o momento em que a demanda entrou na Justiça. Já o Direito Penal leva em conta como início da ação, principalmente para contagem de prescrição, a data do crime, e não da aceitação da denúncia. O artigo 87 do próprio CPC também dispõe que, dependendo de novos fatos que alterem a matéria ou a hierarquia, o processo pode mudar de competência. A previsão também está nas Súmulas 10 e 58 do STJ. 

“As razões que conduzem à alteração de competência no processo penal são sempre de ordem pública, visto que decorrentes da Lei Maior. Assim, as normas de conexão, de índole meramente legal, não poderiam conduzir à relativização dos regramentos constitucionais de determinação de competência”, disse a ministra relatora ao dar provimento ao Habeas Corpus. Para ela, a Justiça Federal é considerada especial em relação à Justiça Estadual. “Dado o seu caráter excepcional, como ocorre nas hipóteses em que há competência por prerrogativa de função, cessada a razão de sua sua existência, e, não tendo sobrevindo julgamento de mérito, de rigor é o deslocamento do feito para seja processado e julgado pelo juiz natural, na espécie, a Justiça Estadual de Paraty”, decidiu. O voto foi acompanhado por unanimidade.

Clique aqui para ler o acórdão e aqui para ler o voto da ministra Maria Thereza de Assis Moura.

HC 108.350-RJ

Ação Penal 2004.51.11.000500-7 (Justiça Federal)

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