Cadeia do confisco

PIS/Cofins sobre telefonia e energia é ilegal

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2 de setembro de 2009, 16h02

Preliminarmente, delimitamos que o objeto do presente artigo é demonstrar a ilegalidade da atual metodologia de cálculo utilizada para a exação das contribuições PIS/Cofins junto a tarifas de energia e telefonia e suas implicações junto aos contribuintes. Assim, não se inclui no texto o exame da incidência dessas contribuições sobre o ICMS, visto que a matéria é alvo de discussão há anos e encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade 18. Também não há análise quanto à liquidez da legalidade do repasse econômico do PIS e da Cofins em tarifas de telefonia aos contribuintes, matéria de sua parte pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça nos autos ERESP 1.053.778.

Feitos esses comentários, historio que o Brasil conta com aproximadamente 47 milhões de usuários de energia elétrica e 38 milhões de usuários efetivos de telefonia fixa, segundo dados para o exercício de 2008 constantes dos sites da ANATEL[1] e ANEEL[2]. Em continuidade, sobre essas bases, não importando a atividade econômica desenvolvida, recai uma miríade de tributos incidentes sobre o consumo de energia e telefonia. Dentre os mais conhecidos se encontram o ICMS, o PIS e a Cofins e a TIP (Taxa de Iluminação Pública). Entre os menos estão o FUST, FUNTTEL, TUSD, TUST, etc. Todos têm bases de cálculo, alíquotas de incidência, hipóteses de creditamento e regimes de tributação próprios, tornando quase impossível ao contribuinte discernir quanto ao impacto econômico dessas tributações em suas atividades.

Primeiramente, discorremos que a metodologia de cálculo dessas contribuições é aplicada pelas concessionárias de telefonia e energia em mercado sob regulação estatal. No caso da telefonia, a tarifa é homologada pela ANATEL líquida de impostos, ficando a metodologia da aplicação dessas contribuições sob a tutela da respectiva concessionária de telefonia, sem ingerência da agência. No caso da energia elétrica, a ANEEL regulou a metodologia de apuração das contribuições após a audiência pública 14/05, ocasião em que recebeu as propostas das distribuidoras de energia.

Em ambas as atividades econômicas as referidas contribuições são calculadas basicamente através da equação abaixo:

Preço Final = Tarifa Homologada: [1 – (ICMS + PIS + COFINS)]

Pois bem, de plano, verifica-se que a base de cálculo das contribuições é atualmente fixada através das Leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, nas quais o fato gerador delineado é a existência de faturamento mensal, entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Em seguimento, o que se vislumbra na equação acima é que há cálculo conjunto das contribuições com a alíquota de ICMS e incidência circular dessas contribuições sobre seus respectivos montantes, operação conhecida no meio jurídico como “cálculo por dentro” ou “gross up”.

Todavia, para que a cobrança de qualquer tributo seja legítima, esse deve obedecer à reserva legal própria e prévia em que, na lição de Aliomar Baleeiro[3], deverão constar também todos os seus consectários:

“Fato gerador e base de cálculo são conceitos constitucionais (Emenda n. 1/69, Art. 18, §§ 2° e 5º, 21, § 1º), indissociavelmente vinculados a legalidade porque fornecem o elemento fundamental para a identificação, classificação e diferenciação dos Impostos que a Constituição, nos artigos 21 a 26 discriminou a União, aos Estados e aos Municípios.”

Ocorre que, diversamente do ICMS e do PIS/Cofins – Importação, que tem fundamentos legais próprios e específicos para esse tipo de cálculo, as contribuições PIS/Cofins em suas incidências gerais e em especial sobre a telefonia e energia não têm permissão legal para incidência circular. O ICMS conta com tal previsão expressa quanto a tal fórmula de tributação no inciso I do parágrafo 1º do artigo 13 da Lei Complementar 87/96, respaldado constitucionalmente pelo STF pelo RESP 212.209/RS. No caso do PIS/Cofins – Importação, há previsão similar constante do inciso I do art. 7º da Lei Ordinária 10.865/04, pendente de julgamento junto aos autos do RE 559.607, sob rito de Repercussão Geral no STF. Feitas as ressalvas acima, a consequência da omissão legislativa e da aplicação da forma de tributação exposta configura lesão chapada aos atuais sistemas tributário e constitucional, vide princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica.


Para se entender a equação e suas repercussões, explica-se primeiramente o caso mais conhecido, que é o do ICMS, em que a alíquota do imposto incide sobre seu próprio montante:

Preço Final = [consumo / (1 – alíquota do ICMS)]

Preço Final = [R$ 100,00 / (1 – 25%)] ou [R$ 100,00 / (1 – 0,25)] = R$ 133,33

Alíquota Legal = 25% (escolhida como média)

Alíquota Financeira = 33,33%

Como consequência, há uma alíquota virtual de 25%, mas o contribuinte está, em verdade, pagando sobre uma alíquota efetiva de 33% pertinente apenas à rubrica ICMS no consumo de bens e serviços.

Passando a focar a aplicação das contribuições PIS/Cofins nas tarifas de telefonia, vimos que, nesse ramo, tais tributos são de incidência cumulativa, suas alíquotas de incidência são de 0,65% em relação ao PIS e 3% em relação à Cofins, e seu fato gerador é o faturamento. Diversamente dessas prescrições legais, veja-se como é feita, por exemplo, a tributação pela sistemática adotada pela Embratel, exposta em seu sítio na internet[4], conforme cálculo estrito abaixo: 

Preço Final = Tarifa Homologada / [1 – (ICMS + PIS + COFINS)]

Preço Final = R$ 100,00 / [1 – (0,25 + 0,0065 + 0,03)]

Preço Final = R$ 100,00 / 0,7135 = R$ 140,15

Total de tributos a recolher = R$ 40,15 

Onde:

ICMS = (R$ 140,15 x 0,25) = R$ 35,03

COFINS = (R$ 140,15 x 0,03) = R$ 4,20

PIS = (R$ 140,15 x 0,0065) = R$ 0,91

Total de tributos a recolher = R$ 40,14 

Nessa linha, afere-se que a aplicação da equação acima redunda em arrecadação de ICMS e de contribuições PIS/Cofins acima do legalmente devido, posta a ausência de previsão legal expressa de aplicação de “gross-up” para as contribuições, e dessas conjuntamente com o ICMS (a incidência das contribuições sobre o ICMS, como já dito anteriormente, é matéria que já se encontra em liça perante o STF). Diversamente disso e seguindo estritamente as previsões legais atualmente em vigor, o valor exato e devido pelo contribuinte é o abaixo discriminado: 

ICMS = (R$ 100,00 / 0,75) = R$ 133,33 (ICMS = 33,33)

COFINS = (R$ 133,33 x 0,03) = R$ 3,99

PIS = (R$ 133,33 x 0,0065) = R$ 0,86

Total de tributos a recolher = R$ 38,18

Diferença Percentual = 4,91% 

Com foco na aplicabilidade dessas contribuições incidentes sobre área de energia elétrica, afere-se que seu regime é não-cumulativo. Há uma política de créditos abrangente que desonera o contribuinte final, e suas alíquotas são respectivamente de 1,65% e de 7,65% incidentes sobre o faturamento — base de cálculo.

No caso concreto, a regulação da aplicação dessa fórmula incluindo o PIS/Cofins por dentro e conjuntamente ao ICMS foi exarada pela ANEEL, segundo as cartilhas “Por Dentro da Conta de Luz” constantes em seu sítio na internet[5]. Entre as peculiaridades dessa metodologia, a mais relevante é a de que a determinação das alíquotas cabíveis fica dependente dos créditos apurados pelas concessionárias. Esse mecanismo de política tarifária se revela legalmente adequado e inteligente, pois a tributação do contribuinte leva em consideração o montante efetivamente devido pelas concessionárias ao fisco. Em espécie, a metodologia determinada pela ANEEL possibilita que as concessionárias, através de conciliação contábil entre o montante bruto devido e os créditos aproveitáveis e exclusões, cheguem à alíquota real a ser incluída no cálculo da tarifa a título de PIS/Cofins. Repara-se que, mesmo assim, a regulação da Agência padece da mesma falha relativa à metodologia das concessionárias de telefonia, pois as contribuições são calculadas sobre si mesmas e em conjunto com o ICMS.


Nesses termos, a definição da alíquota cabível a título de PIS/Cofins fica dependente da competência subjetiva das equipes financeiras das concessionárias na inserção dos créditos previstos em lei para abatimento no montante devido. A operação consiste em encontrar os créditos passíveis de desconto e os montantes devidos a título de PIS/Cofins, esses são conciliados e transformados em percentagem para posteriormente serem inseridos na metodologia de cálculo. Por conta disso, a alíquota devida pelo contribuinte relativamente às contribuições irá variar mês a mês. Nesse ponto, nos utilizamos do exemplo veiculado pela Light em sítio na internet, abaixo colado[6]:

 

Sistema anterior (cumulativo): Sistema atual (não cumulativo):
Alíquotas Alíquotas
PIS – 0,65% PIS – 1,65%
COFINS – 3,00% COFINS – 7,60%
Exemplo – cumulativo Exemplo – não cumulativo
Faturamento Bruto R$ 10.000 Faturamento Bruto R$ 10.000
PIS R$ 65 PIS R$ 165
Cofins R$ 300 Cofins R$ 760
    1 – PIS/Cofins a débito R$ 925
PIS/Cofins a pagar R$ 365    
    Custos e/ou Despesas R$ 4.000
   
    2 – PIS/Cofins a crédito
(incid. sobre custos e despesas)
R$ 370
   
    PIS/Cofins a pagar (1-2) R$ 555
   
Alíquota “efetiva” ou “média” 3,65% Alíquota “efetiva” ou “média” 5,55%
O PIS e a Cofins são calculados “por dentro”, o que significa dizer que os próprios impostos integram suas bases de cálculo.

 

Como resultado da conciliação, a alíquota a ser aplicada é de 5,5%. Em seguimento, utilizando-se a alíquota efetiva do exemplo acima na mesma fórmula, chega-se aos seguintes resultados:

Preço Final = Tarifa Homologada / [1 – (ICMS + PIS + COFINS)]

Preço Final = R$ 100,00 / [1 – (0,25 + 0,055)]

Preço Final = R$ 100,00 / 0,695 = R$ 143,88 

Onde a tributação resulta em:

ICMS = (R$ 143,88 x 0,25) = R$ 35,97

PIS/COFINS = (R$ 143,88 x 0,055) = R$ 7,91

Total de tributos a recolher = R$ 43,88 

Como decorrência, novamente a aplicação da fórmula resulta em arrecadação de ICMS e contribuições PIS/Cofins além das legalmente devidas, quando o correto seria a tributação dos seguintes montantes por rubrica: 

ICMS = (R$ 100,00 / 0,75) = R$ 133,33 (ICMS = 33,33)

PIS/COFINS = (R$ 133,33 x 0,055) = 7,33

Total de tributos a recolher = R$ 40,66


Diferença Percentual = 7,34% 

Como fruto da análise, afere-se que tecnicamente ambas as metodologias de cálculo das contribuições, junto às atividades econômica de prestação de serviços de telefonia e distribuição de energia, são lesivas ao contribuinte. A lesão é extensiva ao desenvolvimento econômico nacional, visto a relevância da energia elétrica e da telefonia, tidas como insumos em todo o setor produtivo. Se fosse o entendimento da União e/ou do legislador de que as referidas contribuições incidissem sobre si e em conjunto com a(s) alíquota(s) do ICMS, ao menos um dos diplomas legais relativos às contribuições PIS/Cofins deveria ter inserido tal peso à base de cálculo das contribuições. Contudo, tal previsão é ausente desde a Lei Complementar 70/91 até a edição das Leis Federais 10.637/02 e 10.833/03.

Conclui-se, por conseguinte, que ausente suporte legal próprio, esse procedimento de cálculo é írrito, atraindo a repulsa do princípio da Estrita Legalidade Tributária (inciso I do art. 150 da CF e art. 97 do CTN) e princípio da Segurança Jurídica (CF; 5º caput e de seu inciso II da CF), sendo sentida ainda a lesão ao valor de transparência tributária contida no parágrafo 5º do art. 150 da CF. Finalizando, a tributação inidônea aqui exposta deve ser levada aos tribunais, para que tal prejuízo não se perpetue e haja a restituição dos valores devidos e o expurgo dessa fórmula na tributação do consumo de energia e telefonia.


[1]http://www.anatel.gov.br/hotsites/conheca_brasil/default.asp?nomeCanal=Telefonia%20Fixa&codigoVisao=4&site=1 (acesso em 21/07/09).

[2] http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=48&idPerfil=2 (acesso em 21/07/09).

[3] Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. rev. e compl. à luz da CF/88 até a Emenda Constitucional nº 10/1996, Rj, Forense, 2001, p. 116.

[4] http://www.embratel.com.br/Embratel02/cda/portal/0,2997,RE_P_10696,00.html (acesso em 21/07/09).

[5]http://www.aneel.gov.br/area.cfm?id_area=532 (acesso em 21/07/09).

[6]http://www.light.com.br/web/institucional/atendimento/informacoes/tarifas/tetarifas_tributos.asp?mid=868794297227722772287228 (acesso em 21/07/09).

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