Lei do Turismo

Hotel deve pagar direito autoral por música no quarto

Autor

1 de setembro de 2009, 6h32

Desde a entrada da denominada Lei Geral do Turismo (Lei 11.771, de setembro de 2008) nos surpreenderam diversos artigos alardeando fantásticos efeitos sobre sua aplicação quanto ao pagamento de direitos autorais de execução pública musical, na sonorização ambiental dos aposentos de hotéis.

Pretende a classe hoteleira e seus representantes contrapor a expressão “meios de hospedagem” contida na mencionada norma e os conceitos presentes na Lei de Direitos Autorais 9.610/98. Parece, entrementes, que esses novos juristas se esqueceram de indagar ou apreciar que efeitos concretos efetivamente trouxe a mencionada legislação sobre os direitos autorais.

Explica-se: ao definir “meios de hospedagem” inserindo a expressão “frequência individual” às unidades ofertadas pelos hotéis, motéis e similares a Lei do Turismo realmente trouxe novo entendimento à aplicação do artigo 68 da Lei 9.610?

Esta é a pergunta que deveria preceder a qualquer estudo sobre o tema, mas que, abandonada, empobrece a discussão, limitando a “descoberta” de que os aposentos, para efeito da Lei do Turismo, são individuais e não coletivos; ou seja, restritos aos hóspedes enquanto contratantes e para uso particular de repouso.

Mas em algum momento o dever dos hotéis em remunerar os autores restou baseado em conceito diverso? Houve algum entendimento ao longo dos anos, desde o manto da Lei 5.988/73, a considerar que a utilização os aposentos e não a hospedaria como local de frequência coletiva?

Parece-nos que não, daí porque incompreensível toda essa euforia concretizada numa enxurrada de artigos que partindo de questão absolutamente irrelevante (definição de meios de hospedagem) se utilizam de verdadeira engenharia para restringir a aplicação do artigo 68 da Lei 9.610/98.

Poder-se-ia tão somente chamar a atenção para o fato de que entre os locais de frequência coletiva mencionados no rol exemplificativo do mencionado artigo 68 há “hotéis e motéis”. Mais, que a previsão de “motéis”, quando se sabe tais estabelecimentos se resumem na locação de alcovas, denuncia a vontade legislativa, expressa e renitente (repetitiva), de incluir a execução nos aposentos, lógica que deflui da inteligência necessária.

Ora, a novíssima Lei de Turismo, que visa o desenvolvimento econômico dessa atividade de indústria, define os hotéis e motéis como locais de frequência individual? Por óbvio que não, ela dá conceito legal aos meios de hospedagem, definindo-os como “empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede”.

Portanto, o hotel (local de frequência coletiva) possui unidades de frequência individual de uso exclusivo do hóspede. Ocorre que, “hóspede” não é uma pessoa definida, individualizada é a nomenclatura dada a qualquer pessoa que se disponha a pagar o preço da diária, isto é, conforme impõe a própria natureza dos estabelecimentos hoteleiros, a rotatividade nos aposentos é a regra.

Dito isso, importante pontuar que jamais se travou qualquer discussão acerca da ocupação individual (“limitação”) dos quartos que não se confunde com a frequência coletiva, imposta ao estabelecimento, tanto que alguns hotéis e motéis se cansaram de repetir como mantra a natureza privativa e individual de seus aposentos, sem qualquer êxito em elidir o dever imposto pela Lei 9.610/98.

O enfrentamento desse ponto esgota e encerra a discussão, pois essa interpretação que acusamos graciosa, não é capaz de oferecer notoriedade àqueles que lutam por brechas na legislação autoral com fim de isentá-los da correspondente contraprestação.

Em verdade — e tal consideração sequer precisaria ser feita, mormente após entrada em vigor da atual Lei de Direitos Autorais — basta observar que os hotéis, motéis e similares obtém lucro (direto ou indireto) com a disponibilização de aparelhos de televisão e rádios em seus quartos, inclusive, conquistando reconhecimento de nível de conforto, segundo escala da própria Embratur.


Note-se que poucos os que — tendo a mínima condição financeira — se permitiriam deixar acomodar em locais que não possuíssem, no mínimo, uma televisão ou um aparelho de rádio.

Não por outra razão, os órgãos públicos ou privados ao recomendar ou classificar uma hospedaria invariavelmente apontam a existência de televisões e rádios em seus aposentos como fator de valorização.

Estabelecida a necessidade vital da programação musical ou audiovisual nos quartos dos hotéis, outra conclusão não se poderia chegar senão a de que os titulares dos direitos sobre as obras musicais disponibilizadas devem ser remunerados, sendo este, por óbvio, o cerne da discussão, pouco importando a natureza pública ou privada das alcovas.

Já em 1997, ainda sob a égide da Lei 5.988, o Superior Tribunal de Justiça, em voto emblemático do então Ministro Eduardo Ribeiro, no Resp 65.380, assim decidiu:

“Subsiste divergência quanto à retransmissão efetuada para os apartamentos. Em recente decisão, entretanto, a maioria inclinou-se por afirmar que, em princípio, o pagamento é devido. A esse entendimento me filio. Não me parece possível negar que se trata de estabelecimento comercial, para fins da Súmula 63 aquele a que qualquer um tem acesso, desde que se disponha a pagar. E o propósito de lucro indireto é evidente. A sonorização é um dos elementos utilizados para fazer o ambiente mais agradável para a clientela.”

A questão foi sedimentada e absolutamente pacificada pelo julgamento do Resp 556.340-MG que enfrentou inclusive a questão da natureza individual dos aposentos e sua irrelevância para o tema, veja-se:

Como bem anotado pelo Ecad, verifica-se que “no ramo de motéis, atividade da requerente, que o tipo de utilização é a execução pública por meio de aparelhos com a finalidade de proporcionar sonorização ambiental ou a exibição de obras audiovisuais nos aposentos colocados à disposição do público” (fl. 49). Por outro lado, não se pode pensar que nos termos da lei os motéis não sejam considerados locais de frequência coletiva, porque não se pode confundir o conceito para identificá-lo com espetáculos públicos, ou seja, com a presença de muitas pessoas no local.

Isso, com todo respeito, é um equívoco que o legislador não cometeu. Basta a leitura do artigo 68 da Lei 9.610/98 para espancar essa dificuldade. Lá estão bem claros os conceitos de representação pública, de execução pública e de frequência coletiva. E neste último estão incluídos os hotéis e motéis, espraiado o conceito para outros lugares, ou como diz a lei “ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas”, como antes indicado.

Essa nova disciplina é muito objetiva. Considera que os motéis e os hotéis são lugares de frequência coletiva, não se podendo imaginar que a nomenclatura destine-se a marcar em tais sítios apenas aqueles lugares comuns, porque tal interpretação, com todo respeito, não está conforme ao que dispõe a lei.

O legislador incluiu os hotéis e motéis dentre aqueles lugares considerados como de frequência coletiva e, ainda, especificou que se tratava de representação, execução ou transmissão de obras literárias, artísticas ou científicas. Ora, a junção dos dois conceitos legais afasta na nova lei a circunstância de haver tão-somente os aparelhos de rádio ou de televisão, porque existe em qualquer caso a transmissão de obras protegidas pelo direito autoral. Não se trata mais de criar a diferença do modo de retransmissão, tal o substrato da antiga jurisprudência. Agora o que importa é que exista a transmissão em local de frequência coletiva, isto é, naqueles locais que a lei indicou como tal, incluídos os motéis e os hotéis.

Mas, infelizmente, os doutrinadores de plantão vêm se revezado na mídia, desfechando suas teses “inovadoras” baseadas em ultrapassados conceitos agora revestidos de “novidade”.

Como se viu, nunca houve controvérsia quanto à utilização privada dos quartos de hotéis, motéis e similares, que não deixaram, por isso, e por expressa vocação legal, de representar locais de frequência coletiva, tal a rotatividade, disponibilização dos aposentos sem qualquer restrição àqueles que se dispõe a pagar o preço.


O uso é individual para o hóspede, mas não para o hospedeiro que alugará o mesmo quarto a tantos quanto desejarem, considerando exclusivamente a existência de vaga no momento da solicitação. A “inovação” trazida pela legislação do turismo apenas limita o uso dos quartos para o hóspede, descaracterizando os meios de hospedagem quando disponibilizarem unidades cuja utilização não seja individual, nada mais.

No entanto, depara-se com escabrosas conjecturas de alguns que, na contramão do dever legal imposto aos hotéis, motéis e similares quando disponibilizam obras músicas em seus quartos por meio de TVs e rádios, tentam impressionar a sociedade, especialmente os julgadores, com a modificação do foco da controvérsia, como se em algum momento o fato gerador da obrigação fosse “a natureza pública dos quartos”; como se o legislador ao mencionar explicitamente “hotéis e motéis” almejasse ou imaginasse que somente seria cabível a retribuição dos direitos autorais quando nesses estabelecimentos a execução se desse nas partes comuns, deixando de observar que tais utilizações já estavam previstas.

O legislador com nítido objetivo de contemplar as alcovas fez questão de inserir no rol (meramente exemplificativo) os hotéis e motéis. Sendo que a previsão dos motéis evidencia a exata vontade legal de apontar os próprios apartamentos, pois essa espécie apenas aposentos dispõe, não possuindo áreas comuns, como se sabe.

Alheios às evidências, apegam-se alguns descuidados ou descompromissados a atestar que a nova lei que segundo isenta os hotéis e motéis do pagamento pelo uso das músicas em suas unidades (quartos). A tese, como se viu, de tão pueril, pode numa primeira leitura parecer fazer algum sentido, pois não há como duvidar que a Lei do Turismo, especificamente em seu artigo 23 definiu os aposentos como “unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede”. O que se deve observar, no entanto, é a incoerência e falsidade dos efeitos anunciados, é a inexistência de conflito ou relação objetiva deste dispositivo com o mencionado artigo 68 (e seus parágrafos) da lei de direitos autorais, conforme se vê.

Dispõe o artigo 68 em seu caput:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

O parágrafo 2º define execução pública:

Parágrafo 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em local de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

O parágrafo 3º apresenta rol enumerativo, contendo locais de freqüência coletiva, tais como:

(…) restaurantes, hotéis, motéis, hospitais (…) ou onde quer se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.”

Já a Lei 11.771, especificamente em seu artigo 23, caput, definiu “meios de hospedagem”, assim impondo:

Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.

Para os juristas de plantão, estaria resolvida a celeuma. Uma vez atestado que os quartos de hotel são de frequência individual, não poderia o hotel estar inserido no artigo 68 da LDA. Ledo engano. E para desmascarar esse frágil sofisma, basta observar que a nova lei não modificou o conceito de frequência coletiva imposto pela Lei 9.610/98, que aponta os hotéis e até motéis (onde só bastam aposentos) como locais de frequência coletiva.

Portanto, o conceito legal trazido pela Lei Geral do Turismo é o de “meios de hospedagem” que, por óbvio, (e não se carece de lei nova pra tanto) são os que disponibilizam alojamentos temporários em unidades, estas de usos individuais. Não há na Lei 9.610 qualquer afirmação de que aposentos não sejam locais para frequência transitória exclusiva do hóspede. De frequência coletiva, contudo, é o hotel e o motel que disponibiliza para seus hóspedes aparelhos de televisão e rádio. Nunca houve qualquer compreensão diversa.

O que faz das hospedarias locais de frequência coletiva, incluindo aí seus aposentos, não é o uso que cada hóspede dará à unidade enquanto “sua”, mas a natureza dos serviços oferecidos pelo hotel ou motel cuja atividade é prestar alojamento temporário, disponibilizando as unidades a qualquer um que se disponha ao pagamento da diária, de forma rotativa.

A novel legislação do turismo, indubitavelmente, nada desmerece a Lei Autoral, muito ao revés, acaba por definir a natureza transitória e mercantilista dos meios de hospedagem, sepultando qualquer dúvida remanescente sobre a forma coletiva que os hotéis e motéis tratam seus aposentos, disponibilizando-os de forma rotativa a todo e qualquer indivíduo capaz do pagamento da diária cobrada.

Não havendo qualquer conflito entre as normas, e isso tudo esclarecido, desnecessário até apontar os princípios jurídicos de hermenêutica que também afirmam a especialidade das leis, do que se deflui que os conceitos de para demonstração da vigência e aplicação da Lei Autoral (artigo 68 e seus parágrafos) à questão, são aqueles definidos e conceituados nesse mesmo texto legislativo, aliás, como nele expresso.

Conclui-se, de forma simples que não houve qualquer modificação pela Lei 11.771 nos deveres impostos ou conceitos empregados pela Lei 9.610/98, mormente no que tange a atribuição da qualidade de local de frequência coletiva aos hotéis, motéis e similares para fins de retribuição autoral pelas obras musicais disponibilizadas nos quartos. Assim, não somente precipitado, mas indevido e inconsequente falar-se que os estabelecimentos da espécie estão isentos de retribuição pela disposição de aparelhagem sonora em suas alcovas.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!