Gestão judicial

Os novos mapas estratégicos para a solução

Autor

29 de outubro de 2009, 17h31

O tema escolhido para o XX Congresso Brasileiro de Magistrados Gestão Democrática do Poder Judiciário, a realizar-se no período de 28 a 31 do corrente mês, na capital do Estado de São Paulo, deve suscitar instigantes reflexões sobre as maneiras de gerir o Poder Judiciário.

Representando a AMB e a ENM, juntamente com o desembargador Rogério Gesta Leal e o professor Joaquim Falcão, da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, tivemos a oportunidade de assentar as linhas mestras para a pesquisa do Mestrado Profissionalizante em Poder Judiciário; deixamos claro que elas deveriam nortear os estudos tendo como foco a gestão do Poder; a gestão de serventias ou cartórios e a gestão de processos ou casos.

Muito se tem discutido sobre a gestão do Poder Judiciário e a do cartório. Quero, entretanto, fazer uma reflexão sobre as possibilidades de gestão de processos ou casos como forma de contribuir para a celeridade da prestação jurisdicional.

Os códigos de processo civil e processo penal são, em regra, mapas estratégicos legislativos idealizados para dar rápida solução aos casos, desde o recebimento da petição inicial, ou denúncia, até o arquivamento do processo.

Entretanto, o que se observa é que esses mapas estratégicos têm gerado retardo na solução de conflitos e se mostrado pouco eficientes e eficazes para gerar rapidez e segurança jurídica em relação aos processos submetidos à jurisdição.

O magistrado está condicionado a ser guiado pelos mapas estratégicos estabelecidos pelo legislador, tendo a falsa impressão de que ele é o único possível para a condução dos trabalhos processuais.

Recentes demonstrações de releitura destes mapas estratégicos têm apontado que é possível estabelecer novas estratégias sem violar os primados do devido processo legal, do direito à ampla defesa e do contraditório.

Para exemplificar tais situações, tomo como exemplo algumas releituras que estão sendo feitas por muitos magistrados e tribunais.

A disseminação à cultura da conciliação incentivada pelo CNJ e implementada por juízes em todos os ramos do direito, tem levado o Poder Judiciário a um patamar estratégico diferente daquele inicialmente definido pelo legislador, no sentido de que a melhor forma de resolver um processo é com a sentença com solução de mérito.

O Supremo Tribunal Federal, no caso do “Mensalão”, decidiu que o direito à produção de prova testemunhal a ser produzida por meio de carta rogatória deve ser plenamente justificado pela parte interessada, sob pena de indeferimento, sem que isso possa se traduzir em violação ao princípio da ampla defesa.

Mais recentemente, a Suprema Corte, no mesmo caso, decidiu que testemunhas com o direito de determinar dia, hora e local para serem ouvidas, deverão fazê-lo no prazo de 30 dias, sob pena do ministro relator designar a data para a audiência. Por oportuno, desnecessário relembrar aqui o tempo consumido nas atividades de ouvir testemunhas por carta rogatória, bem como com o direito das testemunhas estabelecerem dia, hora e local para serem ouvidas.

Não há dúvidas de que o sucesso da releitura do mapa estratégico feito pelo STF a partir do Min. Joaquim Barbosa possibilitará o julgamento deste importante caso em tempo recorde.

A solução do caso da recuperação judicial da Varig, conduzido pelo juiz Luiz Roberto Ayoub, bem ilustra o que estou a dizer. Por diversas vezes, pude ouvir relatos do magistrado no sentido de que realizou reuniões com o administrador, com advogados, com representantes de sindicato, com membros do Mistério Público Estadual, Federal e do Trabalho, com membros de tribunais superiores para, juntos, definirem estratégias visando à rápida solução do caso sem que isso pudesse ferir a independência funcional ou garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa.

No Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, tive a oportunidade de relatar uma ação penal originária envolvendo deputados, ocasião em que pude experimentar a possibilidade de releitura do mapa estratégico definido pela lei da ação penal originária.

Esta lei define que determinados prazos sejam comuns à defesa e à acusação e que eles corram em cartório. Não há como deixar de imaginar que isto viola o princípio da ampla defesa quando os defensores necessitam do processo para elaborar suas peças e o quantitativo de volumes seja elevado. A solução encontrada foi escanear o processo e fornecer em CD-rom uma cópia, devidamente autenticada, a cada defensor, além de remeter cópias dos atos processuais via internet, mantendo a todos atualizados.

A lei de ação penal originária não deixa claro qual é o tempo para a sustentação oral no dia do julgamento, quando existir mais de um réu, e exige a intimação pessoal dos acusados para a sessão de julgamento, o que é aconselhado pela doutrina e pela jurisprudência.

Isto exigiu reuniões permanentes com os advogados, em que pudemos tomar decisões de comum acordo, registrando, em ata, o estabelecimento das condutas que possibilitaram soluções rápidas, evitando a procrastinação e nulidades processuais, do caso que, do recebimento da denúncia até o julgamento, totalizou 14 meses, em que se computam férias, prazo de oitiva de testemunhas, dentro e fora do Estado, e a produção de prova pericial atinente aos 10 réus do processo.

No que tange à oitiva de testemunhas, foi importantíssimo não apenas expedir as cartas de ordem, mas também segui-las no seu cumprimento, solicitando, por vezes, aos colegas de dentro e fora do Estado prioridade no cumprimento das cartas, diante da importância do caso.

A pergunta que se coloca é: excetuando os casos importantes, será que é possível fazer isso diariamente, nos casos corriqueiros, a partir do recebimento da petição inicial?

A resposta positiva impõe-se. Desde o recebimento da inicial em ações ordinárias, de alimentos, de despejos, de execução, entre outras, é possível utilizar, por exemplo, da verticalização da jurisprudência, olhando para súmulas vinculantes e posições dominantes dos tribunais com a finalidade de solucionar rapidamente o conflito.

Existem instrumentos processuais colocados à disposição do magistrado que ainda não foram explorados à sua exaustão e que possibilitam o estabelecimento de mapas estratégicos para a solução dos conflitos.

O artigo 285-A do CPC, os institutos da repercussão geral e dos recursos repetitivos, são mecanismos colocados à disposição do magistrado de primeiro e segundo graus de jurisdição com a finalidade de redesenhar o mapa estratégico processual.

É necessário que o magistrado tenha sempre presente a ideia de que ele é o condutor do processo de gerenciamento dos atos processuais, não bastando seguir o mapa estratégico legado pelo sistema processual vigente. É preciso estabelecer novas visões, inclusive com o auxílio da tecnologia.

Nesta perspectiva, a decisão do ministro Asfor Rocha em digitalizar todo o acervo processual do Superior Tribunal de Justiça representa importante reavaliação de visão das possibilidades de redefinição de mapas estratégicos, pois a atitude de digitalização de autos considerada em si mesma representa uma mudança de paradigma capaz de atingir objetivos talvez não almejados no primeiro momento, como mudar a cultura de julgamento, possibilitando julgamentos virtuais e forçar, por via indireta, os tribunais inferiores a digitalizar o seu acervo.

Observe-se que, inicialmente, o mapa estratégico, para esta questão tecnológica, orientava que os processos deveriam ser digitalizados a partir da base, quando de seu ingresso no Poder Judiciário. Entretanto, a iniciativa veio de um tribunal superior, no final da linha de atuação processual, invertendo a linha de digitalização, mas que por certo fará com que os tribunais inferiores, bem como a primeira instância de jurisdição, adotem nos próximos anos o processo digital como instrumento trivial de aceleração da jurisdição.

O certo é que apenas os mapas estratégicos estabelecidos pelos códigos não atendem mais à necessidade exigida pela sociedade de uma justiça rápida e eficiente. É necessário que outros mapas sejam estabelecidos a partir do empenho pessoal de cada magistrado na releitura dos mapas antigos e no uso de novas tecnologias, sem se descuidar dos princípios norteadores da ampla defesa e do contraditório.

O XX Congresso Nacional dos Magistrados mostra-se como um foro legitimado para esta discussão e para proporcionar alternativas visando à utilização de novos mapas estratégicos para a solução de processos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!