Arbitrária resistência

Celso de Mello comenta cassação de Expedito Júnior

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29 de outubro de 2009, 19h22

O ministro Celso de Mello que votou a favor da cassação do senador Expedito Junior (PSDB-RO) em julgamento desta quarta-feira (28/10), comentou a decisão com a imprensa. Em seu voto, ele explicou a "arbitrária resistência da Casa Legislativa" que não cumpriu decisão já tomada pela Justiça eleitoral. De acordo com o ministro, já é a quarta vez que o Congresso descumpre decisão judicial sobre questões dessa matéria.

Em entrevista divulgada pela Secretaria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello falou sobre o seu voto. “Ninguém, nem ministros do STF e nem congressistas, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”. Ele reforçou ainda que se a decisão não for cumprida, os componentes da Mesa podem ser enquadrados no crime de descumprimento de ordem judicial. Na tarde desta quinta-feira (29/10), o senado cumpriu a ordem do Supremo e determinou a publicação da cassação do senador.

Questionado sobre a PEC que pode acabar com o foro privilegiado, Celso de Mello se posicionou contra esse direito. Para ele, o foro privilegiado é uma herança do regime militar. Ele deu exemplos de muitos paises em que juízes e parlamentares sao julgados pela Justiça comum.

Leia a entrevista.

O STF determinou, em Mandado de Segurança, que o Senado cumpra decisões judiciais do Tribunal Superior Eleitoral. O senhor inclusive fez um voto bem duro quanto ao desrespeito à decisão, não?
Já é a quarta vez em tempos recentes que as mesas do Congresso Nacional resistem ao cumprimento de decisões do TSE a propósito de uma matéria em torno da qual já não há mais qualquer dúvida de ordem jurídica. O STF falou em quatro oportunidades que a cassação de registro ou de diploma de candidato, ou até mesmo de candidato eleito, tem fundamento no artigo 41-A da Lei das Eleições, uma regra que resultou de um Projeto de Lei de iniciativa popular. Essa regra é claramente constitucional, portanto juridicamente válida. Portanto, não há mais qualquer dúvida de ordem jurídica que pudesse justificar esse tipo de resistência ao cumprimento de uma decisão judicial. Daí a observação que fiz e apenas reafirmei aquilo que o ministro Carlos Velloso já dissera em caso idêntico, só que envolvendo a Mesa da Câmara dos Deputados. É estranho que esse comportamento institucional se manifeste.

Hoje, um senador disse que mesmo com a decisão do STF, o Senado ainda vai esperar a publicação do acórdão para tomar qualquer atitude. Isso não é novamente uma insistência nesse comportamento estranho?
Em se tratando de uma decisão do STF e havendo uma comunicação, o cumprimento há de ser imediato, sob pena de verdadeira subversão das práticas institucionais de nosso país. Os membros da Mesa do Senado da República e da Câmara dos Deputados hão de ter consciência de que uma decisão do STF encerrando definitivamente uma controvérsia há de ser cumprida, sob pena de a Constituição transformar-se num instrumento sujeito a indevidas manipulações, o que seria absolutamente inaceitável.

Há alguma punição prevista para isso, no caso de descumprimento?
Isso reclama a análise de cada caso e de seus fatores circunstanciais, mas o descumprimento doloso de uma decisão pode caracterizar um crime. Caberá, então, ao procurador-geral da República — tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada — analisar a questão, uma vez que o poder de fazer instaurar procedimentos penais contra quem quer que seja, é do MP. 

Em se tratando de Mandado de Segurança, hoje a lei é muito clara: o crime é de desobediência. Não sendo um processo que tenha natureza no Mandado de Segurança, poderia ser outro crime, que é o crime de prevaricação, tipificado de maneira muito clara no artigo 319 do Código Penal.

E no caso de um descumprimento feito pela mesa de uma casa legislativa, quem seria responsabilizado? Todos os membros?
Aqueles que são responsáveis pela implementação, pela execução do julgado. Como falei, isso precisa ser analisado caso a caso. A análise compete ao PGR, pois é dele a iniciativa da instauração do procedimento penal. Mas o que é importante dizer é que deputados federais e senadores não estão acima das leis da República, e portanto hão de receber, em matéria penal, o mesmo tratamento que é aplicado ao cidadão comum. Se eventualmente ficar configurada uma prática criminosa, seja por parte de senadores da República, seja por parte de deputados federais, caberá sim ao MP, entendendo configurados os elementos caracterizadores daquele delito, adotar as providências cabíveis. Ninguém, nem ministros do STF, e também congressistas. Ninguém, ninguém, ninguém está acima da autoridade da Constituição e das leis da República.

O senhor viu essa PEC para modificar a prerrogativa de foro?
Eu tenho uma posição muito radical. Eu entendo que tem que ser suprimida a prerrogativa de foro. E mais do que isso. Eu observo que em se tratando de deputados e senadores, é preciso levar em consideração uma perspectiva histórica. Amanhã, é dia 30 de outubro. Foi exatamente há quarenta anos que pela primeira vez os deputados federais e senadores da República passaram a ter prerrogativa de foro no STF. Precisamente em 30 de outubro de 1969 quando entrou em vigor a chamada Emenda Constitucional 1. A EC nada mais era do que uma Carta Constitucional outorgada, imposta ao povo brasileiro pelos ministros militares, por um triunvirato militar. E eu fiz essa observação no julgamento desta quarta. 

Desde a primeira Constituição que o Brasil teve, a Carta Política do Império do Brasil, de 1824, até 1969, deputados e senadores não tinham prerrogativa de foro e eram processados e julgados em primeiro grau pelos magistrados de primeira instância. Nos EUA, ninguém tem prerrogativa de foro. Membros do Congresso dos EUA são processados e julgados, pela prática de crimes comuns, por magistrados de primeiro grau. O mesmo acontecendo com governadores de estado. O próprio presidente da República, ele tem uma imunidade, a mesma imunidade de que dispõe hoje o presidente da República do Brasil, e enquanto estiver no desempenho de seu mandato, não poderá sofrer processo. Mas no momento em que ele deixar o cargo presidencial, ele estará sujeito, sim, a um tratamento processual idêntico àquele que é dispensado ao cidadão comum.

O STF chegou a ter a necessidade de editar a Súmula 398, dizendo de maneira explicita que o Supremo não tinha competência para processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, deputados federais e senadores da República. 

A ideia dos parlamentares, nesse caso, seria deixar que o STF continuasse recebendo ou não as denúncias e só então passasse ao primeiro grau.
Essa é uma proposta interessante, do deputado Régis Fernandes de Oliveira, deputado extremamente qualificado, sério. Agora, de qualquer maneira, fala-se que a prerrogativa de foro tem por finalidade proteger a dignidade da função e garantir a independência daquele que dela dispõe. No entanto, o exemplo histórico brasileiro mostra que os membros do parlamento, quer sob regime monárquico, quer na República, durante 145 anos, não tiveram prerrogativa de foro e nem por isso foi conspurcada a dignidade de sua função. Eu não vejo razão alguma que se dispense, não é só a parlamentares, mas a todas as autoridades que hoje dispõem de prerrogativa de foro. Então, essa é uma questão que precisa ser discutida. E é preciso evoluir nessa matéria. Não há cidadãos especiais nesta República. A República, na verdade, repudia desequiparações.

Poder-se-á, até, sugerir-se uma fórmula intermediária. Não se suprime, de todo, a prerrogativa de foro, de uma vez só, mas mantém-se a prerrogativa de foro unicamente em relação aos chefes dos poderes. Porque não é possível que continuemos, no presente regime, a dispensar esse tratamento que na verdade não se justifica.

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