O concurso e a banca

Estudantes de Direito entre o público e o privado

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25 de outubro de 2009, 8h45

Na dúvida entre escolher uma carreira pública ou seguir a advocacia privada, os estudantes que entram na faculdade de Direito estão em busca mesmo é de uma formação superior de qualidade e de um bom emprego. Apesar do fascínio do serviço público, com sua oferta de poder e estabilidade entregue à vista, é o setor privado que oferece mais oportunidades tanto em quantidade quanto em diversidade. Só que o sucesso dessa escolha não vem depois de uma boa nota no concurso, mas depois de uma construção demorada e persistente. É assim que alunos, professores e coordenadores das principais escolas de Direito de São Paulo vêem o desafio de quem luta para entrar no concorrido mercado de trabalho dos profissionais do Direito.

“A maioria dos alunos de Direito entram na faculdade para ter um curso superior, sem saber exatamente o que querem ser”, diz Nelson Rosenvald, professor e fundador do Instituto Praetorium, que abriga 100 mil alunos em cursos preparatórios para o Exame da OAB e concursos públicos. Na visão dele, o que ocorre é que os alunos de universidades mais tradicionais acabam sendo absorvidas pelos escritórios que entendem serem estes os alunos mais bem preparados. “Os escritórios entendem que o vestibular já faz uma seleção natural”, explica.

Os números são o primeiro fator de definição do mercado e que deve ser levado em conta no momento da escolha. Pela matemática não há dúvida: a estrada mais larga leva à advocacia privada. Simples: os 600 mil profissionais com registro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil dão uma ideia do tamanho do campo de trabalho dos advogados privados. Enquanto isso, as carreiras específicas da advocacia no serviço público oferecem o equivalente a 10% das vagas da advocacia privada. São cerca de 60 mil profissionais a exercer atividades como as de juiz, procuradores e promotores, defensores públicos, advogados públicos e delegados de polícia.

Essa distribuição desigual levam também a um enfrentamento diferente para quem quer fazer carreira no setor público ou arriscar-se na iniciativa privada. Quem escolhe a carreira pública tem de se dedicar exclusivamente a este objetivo segundo Rosenvald logo depois de obtido o diploma . “Concurso exige muita dedicação, ninguém passa em seis meses. Além disso, para conquistar os três anos de experiência jurídica, que é pré-requisito em concursos, o profissional precisa dosar uma média de oito horas de estudo por dia com um trabalho em um pequeno escritório de advocacia ou uma pós-graduação reconhecida pelo MEC”, explica o professor.

Ele diz ainda que algumas pessoas preferem prestar concurso para cargos mais simples, como analista jurídico para ter mais tempo e experiência para tentar um cargo mais concorrido. Mas uma vez aprovado na carreira escolhida, a guerra está vencida.

Já na iniciativa privada a construção é mais lenta e exige maior persistência.  Quem se dedica a ela, dispensará alguns anos para ter o retorno financeiro à altura. “Só depois de 10 anos de trabalho em uma jornada ingrata é que o advogado é considerado bem-sucedido”. Para Rosenvald, a advocacia é atraente para quem se especializar, pois é o que mercado precisa.

Leandro André Lima, coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Uninove afirma que a instituição vê um grande número de alunos que ao se formarem enveredam pelo caminho da carreira pública. “Basta olharmos a crescente demanda de novos cursos preparatórios voltados para esse seguimento. Muitos estudantes vislumbram no serviço público um “porto seguro”, salário razoável, estabilidade”. Ele informa também que há os que buscam este caminho pela vocação ao trabalho. No caso da carreira privada, Lima afirma que geralmente é uma opção que ocorre naturalmente quando o aluno ingressa no estágio. “Muitos desses alunos acabam permanecendo no escritório onde estagiavam e, assim, dão seguimento a advocacia privada”, afirma.

É o caso da aluna do 1º ano da Uniban, Andreza Bezerra de Bogado, que já havia iniciado o curso anos antes com a ideia de ser juíza e procuradora. Algum tempo depois, quando decidiu voltar à universidade, já estava na área de Tecnologia da Informação. “Conversando com meu coordenador, ele sugeriu que eu investisse no Direito relacionado a internet e informática para unir o útil ao agradável”, conta.

Lincoln Arthur Lavratti, no 1º ano do Mackenzie, quer prestar concurso para ser promotor. Ele nunca pensou em advogar, mas não sabe se pode mudar de ideia ao longo do curso. “Entrei para fazer direito porque quero trabalhar na polícia, pensei em ser delegado também”, conta.

O professor da faculdade de Direito da GV, Danilo de Araújo, confirma a tese de que os alunos entram e saem da faculdade preocupados em garantir um bom emprego, sem pensar em qual segmento. “Na GV, a maioria tende a ir para grandes escritórios porque a demanda é muito grande, mas há quem escolha a carreira pública.” Araujo conta que os grandes escritórios vão até a faculdade com oferta de 80 vagas por ano, sendo que há 50 alunos por turma, ou seja, todos têm emprego garantido. Ele leciona para turmas do 2º e 4º anos.

Quando o debate vem à tona em um grupo de alunos do segundo ano do Mackenzie fica totalmente dividido. Um dos estudantes já passou por seis estágios diferentes porque quer conhecer todas as áreas, antes de escolher em qual atuar. Além de escritórios especializados em áreas diferentes, procurou o departamento jurídico de empresas para diversificar mais ainda. Há os que estão em dúvida entre a estabilidade do concurso público ou a vida “workaholic”, mas rentável da advocacia. Os que entraram no curso já pensando em ser advogado ou juiz seguem influência dos pais, que já exercem essas funções.

Jackson de Freitas Ferreira, no 3º ano da USP, também acredita na ideia de que é preciso explorar as áreas. No momento, ele pensa em atuar em direito empresarial, mas trabalha em um escritório em que tem a oportunidade de conhecer outras áreas também. Para Ferreira, não há diferença entre a carreira pública ou privada. É preciso ter competência para exercer o cargo. “É preciso escolher a carreira a partir de suas aptidões. Na área pública, por exemplo, a carreira de procurador é bastante interessante e de defensor, que é muito nobre, pois é um profissional que trabalha junto com os que mais precisam”.

Por isso, preparar bem o aluno para atuar em qualquer segmento é a filosofia da Faculdade de Direito da USP. Heleno Torres, presidente da comissão de graduação da Faculdade de Direito da USP, diz que a grade curricular da instituição dá uma formação humanista completa, para que o aluno possa atuar bem em qualquer área de interesse. “Prova disso é o José Antonio Dias Toffoli, nosso aluno que chegou ao Supremo Tribunal Federal, depois de passar por áreas do Direito”, afirma. Por conta dessa característica Torres vê uma diversidade de interesses na sala de aula.

Na Faap, o perfil dos alunos mudou com o tempo. Segundo o vice-diretor da faculdade de Direito da instituição, Jose Roberto Neves Amorim, a instituição começou com uma tendência empresarial, já que a maioria dos alunos seguia a carreira da família. “Com o tempo, percebemos que uma boa parte começou a pensar seriamente em concursos públicos tanto pela estabilidade que a carreira traz como pelo fato de que nosso curso é tão forte que o aluno pode vislumbrar também um concurso público forte de imediato”, explica. Segundo Amorim, o aluno da FAAP que vislumbra uma carreira de juiz ou promotor consegue conciliar os três anos de experiência jurídica com cursos de pós-graduação e apoio de um cursinho que apenas dê o direcionamento da prova.

Em entrevista ao Consultor Jurídico, Flávio Martins, coordenador do curso de Direito da Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo) e dos cursos preparatórios da rede LFG afirmou que 80% dos estudantes de Direito hoje em dia têm como objetivo prestar concurso público para fazer carreira, de preferência na magistratura ou no Ministério Público pela estabilidade que a área oferece. Ele acredita que esse movimento é mais forte no interior pela advocacia não ser tão dinâmica. Como mostram os números de mercado, apenas 10% dos profissionais vão atuar no setor público.

Não é a mesma opinião de Moacyr da Costa Neto, coordenador pedagógico do curso de Direito da Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP). “Nossa faculdade tem o foco generalista, permite que o aluno escolha o seu caminho, mas a maioria quer advogar”. A visão de Neto e seus colegas mostra que na capital ou no interior, instituições públicas ou privadas, o futuro profissional do Direito deve ser encaminhado mesmo pelo seu talento, as necessidades do mercado e o foco da universidade responsável por sua formação.

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