Fato gerador

Decisões judiciais mudaram a forma de cálculo do ICMS

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19 de outubro de 2009, 15h16

O assunto que abordamos diz respeito ao fato gerador do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, mais comumente denominado ICMS. Ab initio, é importante asseverar que, conceitualmente, o fato gerador é uma situação abstrata, descrita na lei, que, acrescido ao caso concreto — hipótese de incidência —, acaba por criar a obrigação tributária. Isso significa dizer que ele deverá estar presente, obrigatoriamente, quando da cobrança legítima de um tributo.

O ICMS é de competência estadual, sendo o tributo que enfrenta as maiores dificuldades de interpretação, o que acaba por gerar entendimentos controversos, recolhimentos indevidos e cobranças equivocadas. Isso porque, no texto constitucional — artigo 155, inciso II, da CF —, o legislador entendeu pela necessidade da determinação do seu fato gerador mediante Lei Complementar, ensejando, pois, a edição, no ano de 1996, da Lei Complementar 87.

É certo que a existência de duas normas, uma constitucional e outra infraconstitucional, sendo esta última editada em atenção à disposição da CF/88, acabou por criar duas interpretações, face os dois órgãos distintos a que ditas normas estão subsumidas. O estudo do ICMS, então, resultou em vários entendimentos por parte do Supremo Tribunal Federal no que se refere ao artigo 155 da CF/88 e, ainda, pelo Superior Tribunal de Justiça, no que concerne à Lei Complementar 87/96.

A maioria desses entendimentos foi sumulada, de modo que, antes da análise das disposições legais acima citadas, é importante consultar o entendimento dos órgãos superiores, que, em muitos casos, face a apreciação do Poder Judiciário, já possuem posicionamentos consolidados.

O artigo 2º da LC 87/96 estabeleceu, como fato gerador do ICMS, a operação relativa à circulação de mercadorias (inciso I). Nesse caso, a circulação deve conter o intuito mercantil, que, por sua vez, pode ser auferido mediante a análise da habitualidade da operação e do volume envolvido.

A habitualidade acima citada exclui, por óbvio, as hipóteses de excepcionalidade, que mesmo praticada com o objetivo de uso próprio ou até mesmo de venda por aquele contribuinte que não o faça de forma habitual, não ensejam o pagamento do referido tributo. Já o volume, por sua vez, tem caráter subjetivo, estando atrelado às características do bem, o que significa dizer, por exemplo, que dez carros têm a natureza mercantil mais destacada que dez canetas; dez canetas, em outro caso, têm caráter mercantil mais acentuado se comparadas a dez hastes de cotonetes.

A previsão legal que embasa a cobrança do ICMS pressupõe a movimentação física e econômica, bem como a transferência de titularidade. A mera transferência de mercadorias quanto ao local — por exemplo, do estabelecimento “A” para o estabelecimento “B”, de mesma titularidade —, não ensejaria o pagamento do tributo, conforme entendimento do STJ consolidado na súmula 166.

O inciso II da LC 87/96, também conhecida como Lei Kandir, prevê a incidência de ICMS na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal.

Não há, aqui, a inclusão do transporte aéreo. Aliás, é importante asseverar que houve, no passado, tentativa de se incluir essa categoria no referido dispositivo. O estado do Maranhão, por exemplo, celebrou o convênio ICMS 66/88, que contemplava a referida inclusão.

Houve, então, por parte do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, a interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.089-1/DF, que teve seu pedido acolhido pelo STF, sob a alegação de que a interpretação extensiva do termo “transporte interestadual e intermunicipal” para abranger, ainda, o transporte aéreo, representaria uma afronta às disposições constitucionais, uma vez que, conforme o artigo 150 da CF/88, a exploração da navegação aérea pertence à União, não sendo, pois, passível de tributação estadual.

No inciso III, temos a hipótese de prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio. Aqui, vislumbramos a incidência do tributo nas empresas de TV a cabo, que cobram mensalidade pelo fornecimento de seu conteúdo. Não há que se falar na cobrança do ICMS na taxa de adesão à empresa, mas tão somente no serviço efetivamente prestado, que inclui o ponto extra, por exemplo.


O STJ, inclusive, teceu manifestação acerca do assunto e duas de suas turmas exararam seus entendimentos, aduzindo que o ICMS somente é cabível sobre a fruição do serviço, não incidindo na etapa da preparação da oferta, como é o caso da adesão.

Em outro inciso, o legislador prevê a tributação do ICMS quando no fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios. Isso porque, quando houver uma mercadoria atrelada a um serviço já tributado pelo ISS, não incidirá o ICMS, sob pena de bitributação, mas sim a incidência do ICM sobre a mercadoria e do ISS sobre o serviço.

Uma questão que trouxe muitas dúvidas diz respeito às empresas provedoras de acesso à internet, que, no entanto, já teve a sua resposta exarada pelo STJ. Em 2006, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça isentou os provedores de internet do pagamento de ICMS, sob a fundamentação de que dito serviço é distinto dos serviços de telecomunicações — tem a natureza de processamento de informações — subsumindo-se, assim, ao ISS, bem como que sua cobrança acabaria por violar o princípio da tipicidade tributária, que permite a cobrança do tributo apenas quando os elementos da norma jurídica estão contidos na lei.

A última previsão do caput desse artigo, contida no inciso V, diz respeito às hipóteses onde há o fornecimento de mercadorias conjuntamente com a prestação de serviços sujeitos ao ISS, apenas nos casos em que a Lei Complementar 116/03, que normatiza do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, expressamente determinar.

Essa determinação expressa é aquela encontrada na lista anexada na referida lei, que enumera os serviços abrangidos pelo ISS, bem como aquelas exceções que serão tributadas pelo ICMS. Como exemplo, podemos destacar a reparação, conservação e reforma de edifícios, com exceção do fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, expressamente contido no item 7.05 da lista anexada à lei complementar.

Em um segundo momento, a LC 87/96 determina a incidência do ICMS em outras hipóteses, através da continuação, no parágrafo 1º do mesmo artigo acima citado, de outras situações onde ocorrerá a tributação.

O primeiro caso tratado no parágrafo primeiro se refere à incidência do ICMS quando da entrada de produtos estrangeiros por pessoa física ou jurídica, ainda que seu adquirente não seja contribuinte habitual do ICMS, independentemente da sua finalidade.

Nesse ponto, o fisco nacional tentou evitar o excesso de importações “informais” e “mascaradas”, tributando todas aquelas constatadas, inclusive as destinadas à uso do próprio importador. Essa regra não comporta exceções e prevê um tratamento igualitário, sem qualquer distinção, a todas as importações, entendendo pela incidência do ICMS em todos os casos. O inciso em tela foi alterado pela Emenda Constitucional 33/01, que ampliou o dispositivo, concedendo a prerrogativa da sua cobrança ao estado de domicílio do destinatário final.

Mais além, a lei estabeleceu como fato gerador do ICMS os serviços prestados no exterior ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior. Aqui, é necessária a devida cautela, pois que um mesmo serviço pode ter tributação distinta dependendo do local de sua prestação ou somente da sua iniciação. O trabalho do médico, por exemplo, quando prestado no exterior, é passível de ICMS, quando, em sendo prestado internamente, deve ser taxado pelo ISS.

Por fim, no parágrafo primeiro do artigo 2º da LC 87/96 contempla a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo e seus derivados, bem como de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou industrialização.

Isso significa dizer, por exemplo, que a energia elétrica consumida para fins de industrialização não deve ser tributada, uma vez que o produto, ao ficar pronto, sofrerá a incidência do tributo pertinente, além do fato de a energia elétrica ser considerada, nessa hipótese, como mercadoria.


Para melhor visualização do ora explanado, trazemos à baila um caso de julgado exarado pelo STF, onde os supermercados atacadistas e varejistas questionavam a legalidade da cobrança do ICMS sobre a energia elétrica dos setores de padaria, rotisseria e congêneres. Apesar de os supermercados terem atividades eminentemente comerciais, em algumas hipóteses esses estabelecimentos realizavam o processo de produção e, por conta disso, pleiteavam a equiparação da energia a uma mercadoria, que possibilitaria às empresas o creditamento do ICMS incidente sobre a operação.

O STF entendeu pelo acolhimento do pedido, ressaltando que, apesar de os supermercadistas possuírem atividade híbrida, ou seja, além da atividade comercial eles também realizavam atividade industrial, caberia o creditamento do ICMS havido naquelas operações.

Cumpre esclarecer que, para fins de quantificação da energia despendida na industrialização dessas empresas, o STF se manifestou pela realização de perícia especializada para fixação dos percentuais gastos em cada uma das fases de suas atividades. Não fica difícil, pois, auferir, de plano, o benefício econômico trazido às empresas com a referida decisão, em um segmento que movimenta milhões de reais todos os meses.

Ainda nesse inciso, identificamos uma transferência quanto ao local do pagamento do tributo, isto é, apesar de o controle do pagamento ser feito pelo fornecedor, quem, de fato, o efetua é o usuário. Essa explicação fica bem clara ao se averiguar uma conta de luz. Lá, há, em destaque, o tributo incluído no preço final, calculado pelo fornecedor da energia e pago pelo seu usuário.

Importante ressalvar que a classificação de outros serviços essenciais varia de acordo com o caso concreto: a água, enquanto serviço, é taxada pelo ICMS; a água engarrafada para consumo, não, já que tem tratamento de mercadoria. O fornecimento de gás encanado, por sua vez, é entendido como mercadoria, não seguindo a mesma linha da água e da energia elétrica.

A caracterização do fato gerador independe da natureza da operação jurídica que o constitua, ou seja, no caso de uma importação de material hospitalar importado para doação a uma instituição de caridade, haverá a incidência do ICMS, inobstante estarmos diante de uma doação.

O que pôde ser constatado neste artigo é que a legislação do ICMS conta com diversas peculiaridades, que vão se apresentando à medida que novos serviços são realizados, sendo certo que a sua grande maioria é levada à apreciação do Poder Judiciário, que manifestará o seu entendimento por meio do STJ ou do STF, dependendo da natureza da matéria tratada. Essas particularidades poderão, no começo, contribuir para um sentimento de “insegurança jurídica” por parte dos contribuintes, que, por conta disso, remetem suas dúvidas à análise do Judiciário para, então, procederem ao correto recolhimento do tributo.

Importante asseverar, ainda, que o ICMS contou, nos últimos anos, com importantes decisões, que trouxeram consideráveis modificações na linha das contribuições. A análise do tributo sobre as operações de leasing, por exemplo, tinha relação com uma grande soma de contribuições e influenciou o mercado de arrendamento mercantil. Esse é apenas um exemplo onde a manifestação do Poder Judiciário acerca da incidência do ICMS acabou modificando o cenário econômico daquele instituto, concedendo aos contribuintes a possibilidade do seu não pagamento, e, por óbvio, aumentando a sua utilização.

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