SEGUNDA LEITURA

O CNJ e o horário de trabalho dos servidores

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11 de outubro de 2009, 11h14

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Abro a coluna deixando bem claro que sou totalmente a favor de servidores do Judiciário bem remunerados, gozando de um ambiente de trabalho sadio, com infra-estrutura adequada, incentivo ao crescimento pessoal através de cursos e remuneração condizente com a relevância das funções. Esta não é uma afirmação teórica. Assim procedi ao longo de dezenas de anos na vida pública. Registrada esta posição, passo à análise da Resolução do CNJ, de número 88, do dia 8 de setembro passado.

Dispôs ela sobre o horário de trabalho dos servidores do Poder Judiciário, o preenchimento de cargos em comissão e o limite de servidores requisitados, determinando, no seu artigo 1º, parágrafo 1º, que horas extras só fossem pagas depois da oitava hora e no limite de 50 horas trabalhadas na semana. A iniciativa não despertou muita atenção. No site da ConJur, foi publicada notícia no dia 9, sem comentários.

O menos atento pensará que isto não tem qualquer relevância. O mais cético dirá que pouco importa, isto não mudará nada. Não é bem assim. Há que se perguntar, inicialmente, onde estão previstas as horas de trabalho do servidor público.

A resposta está nos artigos 39, parágrafo 3º e 7º, XIII, da Constituição Federal. O primeiro garante aos servidores os direitos atribuídos aos demais trabalhadores. E o segundo assegura que as horas semanais não ultrapassem 44 na semana. A conta é simples, oito por dia e quatro no sábado. Se assim é, por que motivo o CNJ foi preocupar-se em normatizar a matéria?

A resposta é simples. No âmbito do Poder Judiciário da União e, eventualmente, dos estados, há locais em que as horas de trabalho são estabelecidas em seis por dia. Em alguns, paga-se hora extra para quem ultrapassar as seis horas. Em situações extremas, ao que se comenta, alguns estariam recebendo em caráter permanente dezenas de horas extras, duplicando o salário.

O horário de trabalho dos servidores é parte integrante da efetividade da Justiça. É um dado óbvio, mas raramente comentado. Quando se fala em agilização, pensa-se sempre em aumento da estrutura (mais juízes e servidores) e na prática de instrumentos de gestão. Raramente se cogita do que há de mais simples, ou seja, o tempo dedicado aos processos.

A primeira indagação é: como e onde se criou o estranho hábito de reduzir o horário de trabalho? A resposta é difícil, impossível mesmo. O número de horas varia de um para outro local. Há muitos que mantêm a exigência de oito horas de trabalho diário. Outros admitem que sejam sete horas, mas sem direito a suspensão das atividades para almoço, o que resulta praticamente no mesmo. E, finalmente, os que admitem que seja de apenas seis horas.

A última hipótese, que é a que aqui interessa, pode ter sido introduzida por uma chefia não comprometida com o interesse público. Um presidente de tribunal populista, ávido por elogios. Ou um carente afetivo, que busca permanentes manifestações de apreço. Frases do tipo “o senhor é humano”, “nunca tivemos um presidente tão bom” e outras banalidades semelhantes que afaguem o seu ego.

Evidentemente, em um ou em outro caso, o pseudo bonachão está fazendo caridade com o que a ele não pertence. Ou, como diziam os antigos, “cortesia com chapéu alheio”. De seu bolso, é óbvio, não sai um real. Quem paga a conta é o cidadão que espera anos por uma sentença ou um alvará. Por vezes, o pseudo benevolente não é o presidente do tribunal, mas sim um desembargador ou um juiz. No âmbito de seu gabinete ou vara, fixa o seu próprio horário. Ajusta-o em conformidade com as reivindicações. E o faz atendendo, uma vez mais, anseios de ser popular e amado. Não percebe que cria, com isto, situações complexas. Por exemplo, seu colega do lado, que preocupado exige o cumprimento do horário, passa a ser visto como desumano.

A diminuição de horas pode também ser uma velada tolerância para pessoas que ganham pouco, mas isto não se aplica ao pessoal do Judiciário da União. Segundo o site da Justiça Federal do Paraná, exemplo máximo de transparência, o salário médio de um técnico judiciário (segundo grau) é de R$ 8,1 mil, de um analista judiciário (curso superior) é de R$ 12,7 mil, de um oficial de Justiça avaliador, R$ 14 mil, e de um diretor de secretaria R$ 17,1 mil. Excelente remuneração, sem dúvida, e que permite aos seus quadros ter ótimos servidores.

Não se dá o mesmo com a remuneração dos servidores da Justiça dos estados. Nem com outras áreas, como policiais civis e militares, professores universitários ou servidores do INSS. No âmbito da iniciativa privada os valores também são menores. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, de 4 de outubro, a média dos salários pagos em agosto de 2009 na região metropolitana de São Paulo é de R$ 2,9 mil para nutricionista, R$ 7 mil para engenheiro de obras sênior, R$ 4,9 mil para arquiteto e R$ 5,2 mil para médico do trabalho.

Não é difícil concluir que os servidores do Judiciário da União ganham muito bem e que trabalhar oito horas por dia não é favor algum. É devolver à sociedade o que dela recebem. E os cargos permitem, ainda, outras vantagens, como, por exemplo, o recesso do Judiciário (18 dias além das férias ao final do ano) e adicional por cursos de pós-graduação (7% no caso de especialização). Poder-se-á argumentar que juízes não cumprem horário. É verdade. Porém, presume-se que se dediquem ao trabalho em tempo integral. E se não o fizerem, estarão sujeitos às Corregedorias e ao CNJ.

A Corregedoria do CNJ não deixa a menor dúvida de que leva a sério suas atribuições. Consulte-se a respeito o que consta nas atas de inspeções. A Resolução 88, portanto, vem em boa hora. Encontrará dificuldades no âmbito de alguns estados. É possível que leis estaduais admitam horário inferior às oito horas diárias. Eventuais conflitos de normas se resolverão depois no STF, única instância competente para o exame dos atos do CNJ. É possível, também, que aqui ou ali a Resolução 88 seja descumprida, mas daí o administrador se sujeitará às sanções administrativas se acaso alguém levar o fato ao conhecimento do CNJ. É um risco que poucos gostarão de assumir.

Enfim, o CNJ teve a coragem de enfrentar tema pouco conhecido e tratado. E que, ao final, é um dos componentes mais significativos para termos, ou não, uma Justiça que dê a cada um o que é seu em tempo razoável, como determina o artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.

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