Contra o monopólio

Senado argentino aprova lei de comunicações

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10 de outubro de 2009, 11h49

Os senadores argentinos aprovaram neste sábado (10/10) a nova lei de meios de comunicação do país. A íntegra mantém o texto do projeto do governo da presidente Cristina Kirchner que tinha gerado fortes críticas da oposição. Para eles, muitos artigos podem gerar batalhas judiciais. A informação é da BBC Brasil.

O governo aprovou a Lei de Meios, como foi batizada, por 44 votos a favor e 24 contra. Entre as mudanças trazidas pela lei está, por exemplo, que proprietários de meios de comunicação deverão optar entre empresas de TV aberta e a cabo, numa mesma região, e vender um investimento ou outro no prazo de um ano. O texto estabelece ainda limites na quantidade de informações regionais e nacionais na programação das emissoras de rádio e de televisão. O que provocou a reação de rádios como a “Cadena 3”, da província de Córdoba, que tem conteúdo nacional.

Foram mais de dezoito horas de debates e integrantes da oposição indicaram que muitos artigos poderão terminar em “batalhas judiciais”, como afirmou o senador opositor Emilio Rached, da Frente Cívico. “Essa lei vai dar muito trabalho aos advogados, juízes e à Corte Suprema de Justiça”. Os senadores governistas argumentaram que a nova lei vai gerar maior “pluralidade” de opiniões no país. O ministro chefe de gabinete, equivalente a chefe da Casa Civil, Aníbal Fernández, afirmou, neste sábado, que a lei é “transformadora”.

Para a oposição, o Grupo Clarin, o maior do país, é “o alvo” da medida do governo. E deverá escolher entre o canal 13 e a emissora de TV a cabo, TN (Todo Notícias). Recentemente, a TN colocou mensagens no ar, dizendo que “pode desaparecer”.

Nos últimos dias, a presidente Cristina defendeu a lei do governo em diferentes discursos e afirmou que a Argentina vive tempos de “fuzilamento midiático”. Os jornais argentinos, entre eles Clarin, La Nación e Perfil, têm publicado, com frequência, matérias apontando casos de irregularidades de integrantes do governo e ainda questionando a declaração de renda do ex-presidente Kirchner e da presidente, que se multiplicou enquanto estão no poder.

Além de defender “maior pluralismo” de vozes e informações no país, o governo destacou que a nova lei “terminará com os monopólios” e é “democrática”. A que estava em vigor, recordou o senador governista Miguel Pichetto, “era da época da ditadura”. Em seus discursos, governistas e opositores concordaram que a lei anterior, implementada no governo militar de Jorge Rafael Videla, em 1980, deveria ser “modificada” ou “substituída”. Na prática, a lei anterior já tinha tido artigos modificados ao longo dos últimos governos da democracia (a partir de 1983).

O senador opositor Gerardo Morales, da União Cívica Radical, criticou o argumento. “O sonho de um governo autoritário é controlar a opinião pública e é o que se está tentando fazer agora”, afirmou antes da votação. O senador governista Guillermo Jenefes, da Frente para a Vitória, também criticou o texto. “Como está, esse texto vai gerar desemprego. Além disso, permite envolvimento de forma excessiva no conteúdo (das rádios e televisões) e o governo repete, neste sentido, a lei da ditadura”, disse.

Ofensiva sem limites
A aprovação da nova lei de meios de comunicação pelo Senado da Argentina é um "outro passo dos Kirchner em uma ofensiva que não tem limites", diz o analista político do jornal argentino "Clarín" Eduardo van der Kooy para a Folha de S. Paulo. Segundo o analista, é "impossível" desvincular a lei, aprovada "com folga" no Senado, da ameaça feita na última quinta-feira (8/10) pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, aos acionistas da empresa Papel Prensa (controlada pelo Grupo Clarín, principal conglomerado de comunicação argentino). Ele disse que poderia emitir um decreto para que o Estado assuma a companhia por não estar de acordo com sua administração.

A nova lei pode, segundo o analista, servir de instrumento de Néstor e Cristina Kirchner para "tentar reviver um projeto político que já sofreu um revés eleitoral e que carece, segundo todas as pesquisas, de apoio popular adequado".

O caso envolvendo Moreno "pode ter servido de advertência e também de pista sobre os tempos que virão", diz o texto. O secretário "responde há muito a [Néstor] Kirchner e agora se reporta também à presidente. Ambos sabiam o que o funcionário estava disposto a provocar na Papel Prensa. Quem sabe tenha apenas se excedido um pouco no discurso."

Desde o governo de Néstor Kirchner (2003-07), marido e antecessor de Cristina, o Executivo argentino mantém uma relação difícil com a imprensa. Nos últimos anos, o enfrentamento com o maior conglomerado de mídia do país, o Grupo Clarín, ficou mais intenso.

No dia 10 de setembro, centenas de fiscais da Receita Federal da Argentina fizeram uma blitz contra a sede do "Clarín", que havia publicado no mesmo dia denúncias contra o órgão, no que foi chamado pelo grupo de comunicação de uma ação intimidatória. A direção da Receita negou ter dado ordem para a ação e demitiu o responsável pela blitz.

Nenhum dos senadores, oficialistas ou aliados, que aprovaram a lei de mídia, se ocupou de opinar sobre um episódio de deixa transparecer as intenções de fundo que buscam o casal presidencial", diz o artigo. "Preferiram referir-se à pluralidade que a nova lei garantiria, ao suposto progresso que significará para as comunicações na Argentina e a como resultaria em uma melhora institucional. Declarações que, provavelmente, teriam se ajustado bem à realidade de Copenhague ou Berlim.

Em um outro artigo, este no jornal "La Nación", Martín Becerra, que é diretor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Nacional de Quilmes e pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas), disse que, passada a polêmica sobre a nova lei, será hora de "fazer as contas" sobre o sistema de meios de comunicação no país.

"O mercado de meios [de comunicação] da Argentina é instável. Além de malformações próprias de um marco regulatório obsoleto, com raízes na ditadura e brechas legais da democracia que o pioraram ao permitir altos níveis de concentração, o sistema audiovisual tem outra complicação objetiva: a debilidade de sua estrutura de mercado", diz o texto.

Ele destaca que das 5.000 estações de rádio que funcionam no país, menos de 5% consegue se financiar com publicidade e as redes de TV aberta, que ficam com 36% de uma receita de publicidade de cerca de 7 bilhões de pesos (US$ 1,82 bilhão) por ano, dizem que não são lucrativas.

"Os meios de comunicação comerciais não teriam conseguido sobreviver a sucessivas crises sem o diligente auxílio prestado pelos governos através do perdão de dívidas, a venda de espaços na TV e no rádio a preços irrisórios, o socorro financeiro" e outras medidas, diz o texto. "Isso constata que existe uma periódica intervenção do Estado para outorgar discretamente ajudas ao sistema de meios de comunicação. O panorama é complexo.

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