Responsabilidade empresarial

Estágio é investimento no futuro do estagiário

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7 de outubro de 2009, 7h18

Conforme bem assinalado por Volia Bomfim Cassar[1], temos que “o estágio era regido pela Lei 6.484/77 e pelo Decreto 87.497/82. Hoje o estágio está regulado pela Lei 11.788/08. Quando não existia regramento legal disciplinando a matéria, o Ministério do Trabalho regulava as relações entre estagiário e a parte concedente do estágio (tomador) através da Portaria 1.002/67, hoje superada pela Lei.

Mauricio Godinho Delgado[2] destaca com propriedade ser o estagiário “um dos tipos de trabalhadores que mais se aproximam da figura jurídica do empregado – sem que a lei autorize, porém, sua tipificação, como tal”.

Assim, a considerar a inovação legislativa, a peculiaridade do trabalho desempenhado, bem como o seu objetivo, parece-nos salutar lançarmos um enfoque sobre algumas questões que nos parece de maior relevância atinente ao tema.

A novel lei 11.788/08, já em seu artigo 1º, nos traz uma inovação ao delimitar o conceito de estágio, estabelecendo que “estágio é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos“.

Note-se que a inovação referida, apesar de singela, se presta não somente a suprir uma lacuna existente na legislação anterior, como também denota sua importância, eis que a fixação de conceitos sempre pressupõe relevância para o estudo do tema a que se propõe.

Ainda no campo da delimitação pertinente ao conceito, impende ainda observar que, a princípio, atividades de extensão, de monitorias e de iniciação científica na educação superior, desenvolvidas pelo estudante, não serão equiparadas a estágio. A exceção se dará, entretanto, na hipótese de haver previsão no projeto pedagógico do curso.

No que tange à finalidade do estágio, sabe-se que seu escopo é primordialmente educativo. Visa o efetivo desenvolvimento acadêmico/estudantil ante a experiência prática, de molde a contribuir para o futuro da vida profissional daquele que realiza o estágio.

Tal ilação é facilmente extraída do teor do parágrafo segundo do artigo 1ª da Lei em comento, ao dispor que: “O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”.

Digno de nota é o registro feito por Mauricio Godinho Delgado, ao discorrer sobre o contraponto entre o estágio e a relação de emprego (que será melhor abordada mais adiante) onde ressalta que: “esse vínculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais, em prol do estudante, que justificaram o o favorecimento econômico embutido na Lei de Estágio, isentando o tomador de serviços, partícipe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego. Em face, pois, da nobre causa de existência do estágio e de sua nobre destinação – e como meio de incentivar esse mecanismo de trabalho tido como educativo -, a ordem jurídica suprimiu a configuração e efeitos justrabalhistas a esta relação de trabalho lato sensu.” (DELGAGO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 324) (grifamos)

Assim, fica evidenciado que em prol do objetivo maior da realização do estágio, qual seja, a formação acadêmico-profissional do estudante, libera-se a parte cedente do estágio de alguns ônus que poderiam advir do uso de tal mão de obra.

Mas não poderia mesmo ser diferente. Ora, se o cedente do estágio se dispõe a ensinar, franqueando o acesso do estudante inexperiente ao seu ambiente laboral a fim de que este possa colher conhecimentos através de atividades a serem desenvolvidas (e inclusive, arcando com o ônus dos erros potenciais que advirão desta circunstância de despreparo profissional) não poderia mesmo ser onerado na mesma proporção que se daria, se dispusesse de mão de obra profissional já qualificada.


O objetivo educativo e social se sobrepõe, fazendo que haja cessões de todos os lados e ao mesmo tempo, benefícios recíprocos: O estudante trabalha, mas adquire conhecimentos; a parte cedente do estágio se obriga a ensinar, mas aufere o benéfico do uso de uma mão de obra com menor custo; o Estado, por sua vez, ao permitir tal relação, fomenta o crescimento e desenvolvimento econômico e social, ante a inclusão no mercado de trabalho e um jovem recém formado; por fim, a instituição de ensino, lança no mercado um profissional mais preparado, o que agrega valor ao seu nome.

Percebe-se, portanto, a concorrência de interesses, equilibrando-se vantagens e ônus, de molde a fazer com que a realização de estágio se afigure como uma forma de trabalho que traz benefício não só a todos os envolvidos, mas também à sociedade.

Outro ponto a ser destacado na nova lei refere-se às modalidades de estágio, ante a diferenciação do que se entende por estágio obrigatório e por estágio não-obrigatório.

A distinção, na verdade, não apresenta maiores complexidades, concentrando-se, basicamente, na previsão ou não, da realização do estágio no conteúdo das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.

Com efeito, a luz do artigo 2º da lei 11.788/08, e seus parágrafos, depreende-se que o estágio obrigatório (ou estágio curricular) será aquele definido como tal no projeto do curso e cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção do diploma; o estágio não-obrigatório (ou estágio extracurricular), por sua vez, será aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.

Esta diferenciação se apresentará relevante para fins de aferição da existência ou não de direito alguns direitos ao estagiário, tais como percepção de remuneração, férias e redução de jornada, conforme se verá a seguir.

Quanto ao prazo de duração do estágio na mesma parte concedente, temos que esta não poderá exceder de dois anos, excepcionando-se as hipóteses em que o estagiário for portador de deficiência.

Note-se, no que tange à exceção, que trata-se, por certo, de verdadeira ação afirmativa praticada pelo legislador, na busca de uma promoção de igualdade substancial, permitindo aos portadores de deficiência uma maior facilitação no mercado de trabalho (ainda que como estagiário, já que, como resta evidente, o estagio se insere nas espécies de contrato de trabalho.)

Em relação à concessão de bolsa ou qualquer contraprestação, temos que esta somente se apresentará indispensável no caso de estágio não-obrigatório, situação em que também será devido o fornecimento de auxílio-transporte. Em se tratando de estágio obrigatório (ou curricular), a remuneração consistirá em mera faculdade da parte concedente, ficando portanto a seu critério o fornecimento ou não de bolsa ou outra forma de contraprestação.

Note-se que a bolsa ou contraprestação deverá também ser concedida no período de recesso no caso de estágio não obrigatório (e, portanto, remunerado). Mas não há previsão legal de pagamento de qualquer acréscimo que poderia corresponder ao terço constitucional.

Na verdade, no estágio não obrigatório – salvo acordo em sentido diverso – o único retorno do estagiário consiste na experiência e conhecimentos adquiridos. Mas nem por isso apresenta menor relevância, já que a própria disposição demonstrada pelo estudante que adere a tal modalidade de estágio, já denota a dedicação e interesse que, agregados ao conhecimento adquirido, futuramente poderão fazer a diferença numa eventual análise de currículos.

Ademais, alguns estágios não remunerados são até mesmo mais concorridos. Por certo, a mera referência a experiências profissionais junto a determinados nomes consagrados no meio profissional, muitas vezes garante maior retorno financeiros do que aquele auferido no momento do estágio obrigatório. A diferença, por certo, é que o retorno no investimento somente se dará a longo prazo.


Registre-se, por oportuno, que a prática demonstra que o “retorno financeiro” outrora referido, não passa, em regra, de uma mera ajuda de custo. Em geral, suficiente apenas para gastos básicos do estagiário e, quando muito, para possibilitar a aquisição de livros ou mesmo financiar algum curso de extensão.

Fato é que, a remuneração do estágio, quando existente, dificilmente se traduz em efetivo ganho financeiro, valendo mesmo tem em vista o “investimento futuro”, qual seja, o promissor valor daquela formação acadêmico/profissional no mercado de trabalho.

Ainda no campo dos direitos do estagiário após a lei 11.788/08, impende observar ainda, a possibilidade de ser oferecido ao estagiário outros benefícios, tais como transporte e alimentação, preocupando-se o legislador em dispor que eventuais concessões neste sentido não caracterizam o reconhecimento de vínculo empregatício, o que por certo, serviria de desestímulo à eventual concessão de tais benesses pelo cedente do estágio.

Quanto à previsão de possibilidade de inscrição e contribuição do estagiário como segurado facultativo no regime geral de previdência social, não vemos grande expressão na dicção legal em estudo, já que a interpretação da legislação previdenciária aplicável já nos levava a tal conclusão. Neste ponto, não há que se falar em qualquer ônus ao cedente do estágio, já que a providência se dá tão somente por parte do estagiário, sendo sua não só a iniciativa, como também o ônus do recolhimento previdenciário, conforme os segurados facultativos em geral.

Destaque-se ainda, o direito do estagiário à contratação de seguro de acidentes pessoais, a cargo do cedente cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme estabelecido em termo de compromisso.

Por derradeiro, faz jus ainda o estagiário à tutela decorrente da legislação relacionada à saúde e segurança do trabalho (artigo 14 da lei). Tal constatação se apresenta elementar, já que sendo o estágio uma forma de trabalho, restaria despiciendo previsão em lei específica no sentido de que faz jus a usufruir de um meio ambiente de trabalho salutar, em consonância com as normas de saúde e segurança do trabalho. Não se poderia mesmo perder de vista primados constitucionais, tais como o valor social do trabalho, a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, os quais garantem condições dignas de trabalho a todos.

Não obstante, melhor mesmo a lei específica pecar pelo excesso, devidamente justificado ante a preocupação com o bem-estar físico e psíquico do estagiário, o que se coaduna com seu espírito protetivo do estudante em fase de formação profissional.

A nova lei também se apresenta deveras instrutiva no que tange à abordagem das partes envolvidas na contratação do estágio.

A primeira que nos cumpre citar, refere-se às espécies de alunos que poderão figurar como estagiários, notando-se que houve um aumento neste rol.

Passou-se a admitir, além dos estudantes que “freqüentam o ensino regular, em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial” também aqueles que cursam os “anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.” (conforme artigo 1ª da lei 11.788/08)

Outro enfoque disciplinado pela nova lei, concerne às partes concedentes de estágio. Neste ponto, deixa para traz antiga controvérsia, ao prever expressamente à possibilidade de figurar como parte concedente do estágio as pessoas físicas, fazendo menção aos “profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional” , além das pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública, conforme já viabilizado pela lei anterior.

Por certo a inclusão dos profissionais liberais no rol de cedentes do estágio é digna de encómios e, trata-se, de verdadeira regularização de uma situação fática que já se apresentava deveras usual antes da vigência da nova lei.


Sim, pois é fato notório que, a figura do profissional liberal como cedente de estágio, já se apresentava consolidado na prática. Tal se dava, em especial entre a comunidade jurídica, onde muitos estagiários já vinham atuando junto a tais profissionais e, em geral, fazendo muito bom uso da disposição e dedicação que lhes eram disponibilizados, muitas vezes, estimulados pelo mero prazer pessoal em compartilhar conhecimentos e contribuir para a formação profissional de tantos jovens promissores.

E sendo o costume, fonte de direito – caracterizado por consistir numa regra social que resulta de uma prática reiterada de uma forma generalizada em determinada sociedade e que se repete desde há algum tempo – ante a situação prática já vivenciada, ousamos dizer que, neste ponto, a lei apenas se prestou a colocar uma pá de cal sobre teses divergentes quanto ao assunto.

Mas nem por isso se apresenta como demérito, já que, tratando-se o direito de uma ciência onde a verdade sempre apresenta diversas nuances, a redução de potenciais controvérsias se afigura sempre providencial, em prol da segurança jurídica.

De qualquer sorte, se considerarmos o teor do artigo 9º da lei em comento, temos que a figura do cedente fica até mesmo num segundo plano (mas que não pode ser ignorada) quando se tem bem claro que, o que realmente importa é que a parte que concede o estágio proporcione ao estagiário reais condições para que a atividade desenvolvida agregue conhecimentos e experiências úteis a sua formação profissional, devendo, dentre outras obrigações estipuladas nos incisos do artigoreferido, ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural.

Inclusive, sempre atenta a assegurar o alcance da finalidade do estágio, tem-se no artigo 9º da lei em referência, a obrigação, por parte do cedente, de indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação e experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 estagiários simultaneamente. Note-se que também aqui se percebe a preocupação em aproximar o profissional já experiente e o estagiário, criando-se, efetivamente, a figura do orientador, o que acaba gerando uma maior expectativa e comprometimento de ambas as partes.

Outro partícipe da relação de estágio que se apresenta imprescindível é a instituição de ensino, já que o termo de compromisso firmado entre o estudante e a parte concedente do estágio (tomador) deve contar com a sua intervenção obrigatória.

Não bastasse, dispõe o artigo 7º da nova lei de estágio, sobre série de obrigações das instituições de ensino em relação aos estágios de seus educandos, o que, por certo, deve ser observado sob pena de invalidar aquela relação de estágio.

Ressalte-se ainda que a Instituição de ensino deverá também dispor de um professor orientador que irá acompanhar a realização do estágio (. art 3º, parágrafo 1º), zelando para seu bom andamento.

Por derradeiro, outra figura em relação a qual a lei também faz referência, mas que não se apresenta essencial à formação da relação de estágio, consistindo em mero intermediador, refere-se aos agentes de integração públicos e privados. Neste ponto, entretanto, a lei não apresenta grande novidade, eis que o Decreto n. 87.497/82, em seu artigo 7º já continha tal previsão.

Tais agentes poderão ser contratados pelas instituições de ensino e partes cedentes de estágio, mediante condições a serem acordadas em instrumento jurídico apropriado para fins de auxilio no processo de aperfeiçoamento do estágio, cabendo-lhe: identificar oportunidades de estágio; ajustar condições de estágio; cadastrar estudantes; fazer acompanhamento administrativo; encaminhar negociação de seguros contra acidentes pessoais.

Nunca é demais lembrar que caso a contratação se dê com recursos públicos se fará imprescindível a observância das regras gerais de licitação, sob pena de nulidade contratual.


Vale alertar para a impossibilidade de cobrar-se qualquer valor do estudante a título de remuneração pelos serviços prestados pelos agentes de integração, bem como a possibilidade de responsabilizar-se civilmente o agente de integração caso se constate a indicação de estagiários para atividades não condizentes com o currículo escolar, o que, por certo, desvirtuaria o objetivo da realização do estágio

Quanto à jornada, esta deve ser definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o estagiário ou seu representante legal, sendo que ficará adstrita a 4 horas diárias e 20 semanais ou 6 horas diárias e 30 semanais, conforme o curso freqüentado pelo estagiário (artigo 10, incisos I e II da lei) o que nos leva a concluir pela perfeita compatibilidade com o horário destinado à freqüência na instituição de ensino.

Note-se a possibilidade de redução ou extensão da carga horária do estágio, conforme se vislumbre as hipóteses previstas nos parágrafos do artigo 10 da lei, cujo teor trazemos à colação para melhor visualização:

Artigo 10.  A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar:

I – 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos;

II – 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.

§ 1o  O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

§ 2o  Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante. (grifos nossos) _______________

A nova lei de estágio, certamente atenta à necessidade de observância de normas de saúde e segurança no trabalho do estagiário, inova ao prever a concessão de 30 dias de recesso, nos casos de estágios iguais ou superiores a 1 ano, o qual poderá ser concedido em período contínuo ou fracionada, conforme estabelecido no Termo de Compromisso.

Consta orientação, em cartilha expedida pelo Ministério do Trabalho sobre estágio,[3] no sentido de que o período de recesso deverá ser remunerado no caso do estágio obrigatório, conforme já exposto alhures, eis que a onerosidade lhe é inerente.

A providência se apresenta essencial, eis que como forma de trabalho que é, o estágio certamente encontra-se apto a provocar o desgaste físico e psíquico de seu executante.

A situação se torna ainda mais gravosa, se considerarmos a fragilidade daquele que se encontra ainda em fase de desenvolvimento, bem como a cumulação do estágio com a freqüência escolar. Inquestionável o desgaste potencialmente lesivo à saúde e uma maior probabilidade de acidentes.

Não obstante, parece-nos que a lei deixou um pouco a desejar neste ponto, eis que o recesso será concedido “preferencialmente” no mesmo período de férias escolares. Vale dizer, caso não seja do interesse da parte concedente, não teremos – na prática – um período que efetivamente o estudante disponha para afastar-se de suas atividades cotidianas, ficando vinculado, em parte certo, à sua rotina, o que impossibilita o efetivo repouso.

Neste ponto, o estagiário fica em desvantagem em relação ao trabalhador, uma vez que a este são asseguradas férias, momento em que poderá realmente desligar-se do trabalho e obrigações pertinentes. Não obstante, no caso do estudante/estagiário que, ante ao seu estado de desenvolvimento, deveria valer-se de critérios protetivos ainda maior, continuará atrelado às atividades curriculares caso o período de férias escolar não coincida com o recesso do estágio, afinal de contas, o estágio tem relação direta com seu desenvolvimento acadêmico, justificando assim a desvantagem apontada.


A lei impõe como um dos requisitos para a formalização do contrato de estágio, a celebração de termo de compromisso, dispondo ainda sobre a obrigação da instituição de ensino de acompanhar o estágio realizado, inclusive com a novel figura do professor orientador e do plano de atividades, cujo objetivo não pode ser outro, senão o foco no do desenvolvimento da atividade em consonância com os fins almejados.Tais providências já foram salientadas alhures.

Mas neste passo, salta aos olhos a preocupação legislativa em evitar o mal uso do estágio, deixando claro que, se por um lado o estágio não cria vínculo empregatício, o descumprimento de quaisquer dos incisos previstos no artigo 3º da lei, bem como dos termos previstos no termos de compromisso não deixará margens de dúvidas à caracterização de tal vínculo.

Neste sentido a jurisprudência apresenta contundente posicionamento, e isto, mesmo por ocasião da vigência de lei 6.494/77, o que certamente será mantido agora com a nova lei. Vejamos:

CONTRATO DE ESTÁGIO – X VÍNCULO EMPREGATÍCIO – LEI 6.494/77 – FORMAÇÃO PROFISSIONAL – FINALIDADE PEDAGÓGICA – DESVIO DE FINALIDADE – RELAÇÃO DE EMPREGO RECONHECIDA – De regra, o estagiário inserido na empresa em harmonia com a CF e com a Lei 6.494/77 que o regulamentava à época, não permite que se reconheça a relação de emprego, justamente por se constituir em oportunidade para que o aluno adquira experiência prática visando facilitar sua futura colocação no mercado de trabalho. Entretanto, havendo notícia de que o estagiário atuou como verdadeiro empregado, a legislação admite, com amparo no artigo 9º da CLT, que se declare a nulidade do contrato de estágio. No caso, ante as provas produzidas, é de todo possível concluir-se que realmente restou desvirtuado a admissão do estagiário, uma vez que as funções desenvolvidas pelo reclamante eram típicas de empregado do reclamado, no caso de escriturário-bancário. Há prova que atuou na abertura de contas, atendimento ao público, atualização de dados cadastrais, captação de novos clientes e vendas de produtos, atividades essas que não se compatibilizam com os objetivos educacionais e de aprendizagem do estágio. E mais, em jornada incompatível com a condição de estagiário. Destarte, deve ser mantido o reconhecimento da nulidade do contrato de estágio, com fulcro no artigo 9º da CLT, por terem sido flagrantemente descumpridos os requisitos estabelecidos em lei, em especial no que tange ao de propiciar ao estudante o aperfeiçoamento de sua formação profissional, motivo pelo qual a formação do vínculo empregatício entre as partes é latente. Recurso Ordinário do banco-reclamado a que se nega provimento. (TRT 15ª R. – RO 1725-2005-128-15-00-0 – (1778/09) – 10ª C. – Rel. José Antonio Pancotti – DOE 16.01.2009 – p. 53) (grifamos)

 

E ainda, agora aventado a importância da observância das obrigações por parte da instituição de ensino, temos:

ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE X VÍNCULO EMPREGATÍCIO – PRESSUPOSTOS – DESVIRTUAMENTO – FRAUDE À LEI – A inserção do estudante, regularmente matriculado em curso disciplinado pela Lei 6.494/77, na unidade empresarial concedente exige, para atribuir eficácia ao estágio, que a obrigação assumida oportunize de maneira efetiva a complementação e aperfeiçoamento empírico da formação profissional. À instituição de ensino cabe a supervisão e coordenação dessas atividades (arts. 2º e 4º, do Decreto 87.497/92), desde o ato de assinatura do instrumento jurídico (termo de compromisso), até as avaliações periódicas, e a observância dos programas acadêmicos e calendários escolares. Ausentes tais formalidades, aflora o desvirtuamento da relação havida, dando lugar à fraude aos preceitos trabalhistas (artigo 9º, da CLT). Configurado o liame empregatício. (TRT 2ª R. – RO 00778200349202000 – 8ª T. – Rel. Juiz Rovirso Aparecido Boldo – DJSP 18.10.2005 – p. 03)


Percebe-se, assim que seja pela desvirtuação da atividade do estagiário, seja pelo descumprimento de obrigações das partícipes, seja pela inobservância de formalidades impostas pela lei, ficará o cedente do estágio sujeito às conseqüências legais advindas, em especial quanto à possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício e suas conseqüências.

Por certo, teve-se em conta o fato de que, não raro, as relações de emprego vinham sendo mascaradas sob a conveniente denominação de estágio, no escopo de poupar o empregador dos encargos financeiros decorrentes da regular contratação (o que, aliás, de nada se prestava, já que ante ao princípio da primazia da realidade que rege o direito laboral, prevalecendo a situação fática inerente relação de emprego, esta seria reconhecida.).

Logo, se por um lado o artigo 15 da lei, não traz novidades ao dispor sobre a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego no caso de irregularidades, por outro inova, ao acrescentar, em seus parágrafos, penalidade para a instituição que reincidir na irregularidade, a qual ficará impedida de receber estagiários por 2 (anos).

Observe-se, entretanto, que tal restrição se limita à filial ou agência em que ocorrer a irregularidade, fato que não impede que o beneficiário do serviço prestado pelo estágio se valha de manobras administrativas para suprir tal empecilho.

Basta pensar que determinadas atividades podem ser facilmente repassadas a outra agência ou filial, gerando – no máximo – um mero inconveniente administrativo.

Melhor seria se a lei tivesse levado em conta a vedação de forma mais globalizada. Fica, entretanto, o nítido cunho pedagógico-punitivo da disposição legal. Para melhor visualização, transcrevemos:

Artigo 15.  A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

§ 1o  A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigoficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente.

§ 2o  A penalidade de que trata o § 1o deste artigolimita-se à filial ou agência em que for cometida a irregularidade

Além da questão atinente ao “contraponto do estágio versus relação de emprego”[4] que encontra-se presente de forma mais usual na doutrina e jurisprudência cumpre também observar que não se deve confundir estagiário com o trabalhador aprendiz.

Percucientes são as palavras Volia Bomfim Cassar[5] ao distinguir o estagiário do aprendiz, dispondo que: “ O primeiro não será quando cumprido os requisitos da lei[6] (…) , já no segundo caso, o aprendiz sempre será empregado regido pela CLT. Só pode ser aprendiz o menor entre 14 e 24 anos[7], enquanto no contrato de estágio não existe limitação de idade, dependente apenas de estar matriculado em curso. “

Com efeito, o que se percebe em relação ao regular exercício do estágio é que a fiscalização se apresenta sempre imprescindível a fim de garantir a fiel observância de seu escopo, evitando-se seu desvirtuamento para outras atividades que possuem legislação própria e, conseqüentemente, efeitos distintos, a exemplo da relação de emprego e do contrato de aprendizagem.

A lei 11.788/98 apresenta-se como um importante instrumento legislativo de proteção aos direitos dos estagiários, trazendo para o ordenamento jurídico uma maior clareza no tocante ao tratamento do tema, o que acaba por possibilitar um maior alcance de sua finalidade.

Conforme já destacado em anterior análise sobre o tema[8]: “apenas para fins didáticos, convém reportarmos as principais alterações legislativas, algumas já comentadas, quais sejam:


• Previsão do estágio, obrigatório ou não, como parte do projeto pedagógico do curso;
• Necessidade de apresentação de relatório de atividades do estágio pelo estagiário;
• Permissão para que profissionais liberais de nível superior figurem como parte concedente do estágio;
• Definição das obrigações da instituição de ensino no acompanhamento do estágio;
• Previsão de trinta dias de recesso para o estagiário (que coincidirá ou não com as férias escolares, a critério da parte concedente);
• Jornada de estágio de seis horas para os estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular e de quatro horas para estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos;
• Fixação de número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal da empresa concedente, que pode chegar a 20%, caso haja mais de vinte e cinco empregados. (Salvo para os estágios de nível superior e de nível médio profissional).

Destacados tais pontos relevantes, temos que, considerando tratar-se de inovação relativamente recente, resta-nos observar o cotidiano dos estágios realizados nas empresas e junto aos profissionais liberais que figuram como partes concedentes de estágio.

É preciso sempre ter em mente que o intuito maior do estágio é o investimento no futuro profissional do estagiário e —nor que não dizer — investimento também no futuro econômico e empresarial que se reverterá em prol de toda a sociedade, diante da colocação no mercado de trabalho de um profissional mais capacitado, bem orientado e, sobretudo, devidamente estimulado a dar o melhor de sua contribuição para si e para todos. É certo que, cumprindo cada qual a sua parte, o estagiário de hoje, será o profissional que, através de seu trabalho, trará orgulho e retorno à sociedade amanhã.

 

12. Bibliografia:

Constituição da República Federativa do Brasil – 40ª ed, Saraiva. 2007

BARROS, Alice Monteiro; Curso de Direito do Trabalho, 3ª Ed., São Paulo, LTr: 2007

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª Ed. Niterói: Ímpetus, 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho.; Curso de Direito do Trabalho, 5ª Ed, São Paulo, LTr, 2006,

PESSANHA, Patricia Oliveira Lima.; A Nova Lei de Estágio: Inovações e Perspectivas. Buscalegis, América do Norte, 020 08 2009.

SAAD, Gabriel Eduardo.; CLT, 40ª ed., São Paulo, LTr. 2007


[1] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2ª Ed. Niterói: Ímpetus, 2008. p. 774

[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 324)

[3] MTE. Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio (Lei 11.788/2008). Disponível em www.mte.gov.br/politicas_juventude/cartilha_Lei_Estagio.pdf. Acesso em 24/08/2009

[4] Expressão utilizada como tópico por Mauricio Godinho Delgado ao tratar do tema. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 324

[5] CASSAR, Volia Bomfim. Ob. Ct. p. 259

[6] A doutrinadora faz referência a lei 6.494/77, devendo-se agora, face à inovação legislativa, ser considerada a lei 11.788/08.

[7] Note-se que o contrato de aprendiz não apresenta limitação de idade quando se tratar de portador de deficiência, nos  termos do parágrafo 5º do Artigo28 da CLT, peculiaridade que deve ser observada nesta diferenciação.

[8] Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/31804. – acesso em 03/09/2009

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