IMAGENS DA HISTÓRIA

Maior acidente nuclear do país completa 22 anos

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1 de outubro de 2009, 8h55

Débora Pinho - SpaccaSpacca" data-GUID="debora-pinho.png">

13 de setembro de 1987. Em Goiânia, os catadores de ferro-velho Roberto dos Santos e Wagner Mota entram num galpão abandonado do Instituto Goiano de Radioterapia, e removem partes de um aparelho de radioterapia. Eles vendem a peça para Devair Alves Ferreira, dono de um depósito de ferro-velho, que ficava próximo ao hospital desativado. No mesmo dia, Devair desmontou a peça de ferro e chumbo e manuseou 19,26 gramas do Césio 137. Trata-se de substância altamente radioativa, com aparência de sal de cozinha. No escuro, ela emite uma luminosidade azulada o que encantou Devair seus amigos e parentes que foram atraídos pela novidade. Todos queriam olhar e tocar o pó mágico. Estava armado o cenário para o segundo maior acidente nuclear na história da humanidade.  — o primeiro acontecera em Chernobyl, na Ucrânia, um ano antes. Além de quatro mortes imediatamente após a chegada do pó luminoso ao ferro velho de Devair, o acidente provocou graves problemas em centenas de moradores do lugar, deixou uma montanha de lixo atômico, e gerou centenas de ações de indenização, algumas ainda em tramite na Justiça. E disso que trata o filme Césio 137 – O Brilho da Morte, cujo trailer pode ser visto abaixo.

Só 16 dias depois, quando Gabriela, a mulher de Devair, resolveu levar o pó misterioso a um posto da Vigilância Sanitária, é que se ficou sabendo que aquilo era quase uma bomba atômica sem cogumelo. O físico Walter Mendes foi quem percebeu que se tratava de uma substância radioativa. E conseguiu impedir que bombeiros jogassem a cápsula dentro do rio Meio Ponte, principal fonte de abastecimento da cidade. Começou, então, um trabalho intenso de técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear e da Polícia Militar de descontaminação.

Segundo o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, 112 mil pessoas expostas à radiação passaram por algum tipo de controle das autoridades designadas para tratar do caso. Centenas de moradores foram confinados e mantidos de quarentena no Estádio Olímpico de Goiânia. Ainda segundo a AIEA, 249 pessoas sofrerram algum tipo de contaminação externa ou interna. Gabriela, a mulher de Devair, sua sobrinha Leide, de 6 anos, e dois trabalhadores do ferro-velho morreram em outubro daquele mesmo ano. Devair passou por um tratamento severo no Hospital Naval Marcílio Dias no Rio de Janeiro e morreu sete anos mais tarde. Sequelas da radiação continuaram sendo detectadas anos depois do acidente.

A casa de Devair teve de ser demolida e o terreno onde ela estava teve a superficie removida. Roupas e objetos pessoais das pessoas que tiveram contato com o Césio tiveram de ser descartados. O material contaminado resultou em 13,5 toneladas de lixo atômico, que devidamente embaladas em caixas e tambores e enclausurados em 14 containers foram enterradas em uma vala de 30 metros fechada por uma parede de concreto de 1 metro de largura, sobre a qual se ergueu uma montanha artificial. Esse monumento, na cidade de Abadia de Goiânia, a 24 quilômetros da capital, terá de permanecer isolado por 180 anos, tempo para que desapareça a radioatividade do material ali enterrada.  

As consequências jurídicas e legislativas
A Associação das Vítimas do Césio 137 calcula que mais de 6 mil pessoas tenham sido atingidas pela radiação. O Ministério Público de Goiás reconheceu que houve menos de duas mil vítimas atingidas. Menos de 20 mortes foram reconhecidas oficialmente. Os números são questionados pela associação e pelo Ministério Público de Goiás, que contabilizam 66 mortes.

Assim que se percebeu a gravidade do desastre, começaram os questionamentos judiciais. Coveiros, a administração e os vizinhos do cemitério se rebelaram quando souberm que lá seria o destino do corpo da primeira vítima do acidente – a menina Leide. O enterro só foi possível depois que o pequeno corpo foi depositado em um caixão de chumbo lacrado de 700 quilos.

Em 1996, a Justiça condenou os três sócios e um funcionário do hospital abandonado a três anos e dois meses de prisão por homicídio culposo. As penas foram substituídas por prestação de serviços. Pela legislação eles não poderiam ter deixado o aparelho de radioterapia no prédio abandonado do hospital. Vítimas conseguiram, na Justiça, o direito de receber pensão e até indenização. O poder público também não saiu ileso dessa história.

Uma lei estadual e outra federal, aprovadas dez anos depois do acidente, garantiram pensão para as vítimas. A Lei 9.425/96 concedeu pensão especial federal vitalícia às pessoas contaminadas pelo Césio 137. Posteriormente, o Senado alterou a lei para estender o benefício no valor de R$ 750 a todos os servidores públicos civis e militares que trabalharam no acidente. Também foi feita a Lei estadual 14.226/02 para garantir pensão especial para aos servidores públicos da administração indireta estadual e policiais militares de Goiás, além de civis que trabalharam no local.

Foram ajuizados mais de 170 pedidos de indenização na Justiça. Passados 22 anos, ainda há processos tramitando na Justiça. Este ano, a Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) foi condenada a pagar indenização a um servidor do extinto Crisa (Consórcio Rodoviário Intermunicipal). Ele participou do trabalho de descontaminação, promovido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, em 1987. E se aposentou, em 2005, com problemas neurológicos e cardíacos, além de incapacidade laboral, de acordo com a perícia. O Tribunal Regional do Trabalho de Goiás manteve a condenação de primeira instância. A Agetop, sucessora do Crisa, está obrigada a pagar pensão vitalícia de 2,66 salários mínimos. Mas o TRT goiano reduziu a indenização por danos morais de R$ 300 mil para R$ 150 mil. Cabe recurso.

Este ano, também, o Tribunal de Justiça de Goiás mandou o estado pagar pensão de R$ 400,00 para um policial militar que se disse incapaz para o serviço por ter doença crônica. Ele participou na operação de descontaminação na cidade. Para a Justiça, ficou comprovado que o policial foi vítima de radiação “em franca omissão do poder público”. Também cabe recurso neste caso.

A cápsula de chumbo que continha o Césio 137 foi recolhida pelos militares do Exército que atuaram no caso e está exposta como um troféu em agradecimento aos que participaram da limpeza da área contaminada, no interior da Escola de Instrução Especializada (EsIE), em Realengo, na cidade do Rio de Janeiro.


SAIBA MAIS
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Os detalhes do acidente com o Césio 137
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Leis que amparam vítimas do Césio 137
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