Conciliar é "legal"?

Pressão por conciliação dificulta acesso à Justiça

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25 de novembro de 2009, 13h13

O presente trabalho concluído em junho de 2009 se insere entre aqueles que procuram lançar luz sobre o problema do acesso à justiça no Brasil. Tomou-se como objeto o contexto de difusão de mecanismos de resolução de conflitos alternativos ao Poder Judiciário, com enfoque sobre o uso da conciliação na Justiça do Trabalho. O pressuposto das hipóteses trabalhadas é a ideia de que os estilos de resolução de conflitos adotados em sociedade guardam correspondência com ideologias políticas — resultando frequentemente de imposição ou difusão — e, desse modo, desempenham funções políticas e econômicas (Nader, 1994).

Tendo isso posto, assumimos como tarefa, mais do que especificar as ideologias políticas que orientaram os estilos de resolução de conflito no ordenamento jurídico brasileiro, analisar os discursos a respeito da conciliação e os esquemas de construção da realidade presente neles. A análise do discurso sobre a conciliação reverter-se-á em considerações, ainda que de caráter preliminar, a respeito das repercussões objetivas para o acesso à justiça do uso dos meios de resolução de litígios alternativos ao Judiciário. Trata-se de um primeiro exercício de sistematização de um projeto de pesquisa maior sobre as formas de resolução de conflitos trabalhistas, em especial os de caráter coletivo.

Para tanto foi analisado material empírico sobre conciliação disponível no site do Conselho Nacional de Justiça (http://www.conciliar.cnj.gov.br), que inclui artigos, notícias jornalísticas e materiais da campanha “Semana Nacional pela Conciliação”[1], e dados estatísticos colhidos no site do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Os esforços pela conciliação e seus resultados
Em meados de 2006, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu início ao que se denominou “Movimento pela Conciliação” e a mobilização que teve início ali resultou no “Dia Nacional pela Conciliação”, ocorrido em 08 de dezembro do mesmo ano. Dali a um ano foi realizada a primeira “Semana Nacional pela Conciliação” (de 03 a 08 de dezembro de 2007), com o apoio de todos os tribunais de justiça do país, coordenados pelo CNJ. O evento não apenas foi realizado novamente em 2008 como ensejou, em diversos estados, um “Dia Estadual da Conciliação”.[2]

A intenção do CNJ é que essas semanas conciliatórias se repitam nos anos posteriores. Em 2007, na gestão da ministra Ellen Gracie, foi expedida a Recomendação CNJ nº 8 (de 27/02/2007), que estabeleceu diretrizes aos Tribunais de Justiças estaduais, os Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho para continuarem o “Movimento pela Conciliação”.[3] Ademais, teve por intenção envolver as referidas instituições judiciárias no planejamento, na viabilização e na propaganda de atividades conciliatórias, além de uma série de medidas com vistas a consolidar o “Movimento pela Conciliação” em todo país. Em consonância com as orientações do CNJ, foram mobilizados milhares de magistrados, servidores e conciliadores e as instituições judiciárias passaram a investir maciçamente em ações conciliatórias, na realização de mutirões e de blitz para fomentar a cultura da mediação de conflitos, bem como na promoção de cursos e seminários sobre alternativas para resolução de conflitos, para dentro e fora dos limites da magistratura, inclusive em convênios com faculdades.

A campanha, aliás, não foi dirigida apenas aos magistrados e servidores, mas também para as partes e o público em geral. Dessa forma, foi traçada uma estratégia de propaganda feita por meio de cartazes, spots, adesivos, camisetas, banner, anúncios, cartilha, folder. Para participar do movimento é necessário apenas que uma das partes em conflito solicite, na vara ou Comarca onde o processo está tramitando, que este seja incluído na pauta da Semana da Conciliação.


Poder-se-ia indagar: a quantidade de acordos homologados em função da campanha aumentou significativamente o seu montante anual? O “Movimento pela Conciliação” promovido pelo CNJ tem obtido êxito em “desafogar” o Judiciário?

De acordo com os números fornecidos no site do TST, poderíamos concluir que não. No ano de 2007 toda a Justiça do Trabalho realizou 796.906 acordos, dos quais 19.825[4] foram realizados na “Semana Nacional pela Conciliação” (de 03 a 08 de dezembro de 2007), considerado um “percentual de sucesso” pelo CNJ. O percentual na semana de conciliação foi de 2,4% do total de acordos realizados no ano de 2007. Seria alto esse valor? Se considerarmos o montante de 50 semanas úteis (sem o recesso de 19/12 a 07/01), teremos uma média semanal de 15.938 acordos. Neste caso, a semana de conciliação superou a média em mais 20%.

Todavia, esse percentual de 20% a mais de acordos em uma semana não correspondeu a um aumento da quantidade de acordos durante o ano, o que se verifica se compararmos a quantidade acordos realizados com a quantidade de processos solucionados. No ano de 2007, os acordos normais (796.906) corresponderam a 43,94% dos processos o solucionados (1.813.355). Já em 2006, foram realizados 745.491 acordos normais para o total de 1.700.741 processos solucionados, o que corresponde a 43,83%, quase o mesmo percentual. No ano de 2005 ocorreram 721.639 acordos normais no total de 1.630.055 processos solucionados, isto é, 44,27% de acordos. Vejam a tabela:

Tabela 1

Justiça do Trabalho – Processos Solucionados e Acordos Efetuados (2003-2007)

Ano


Processos Solucionados


Acordos

Efetuados

% Acordos Efetuados

2007

1.813.355

796.906

43,94%

2006

1.700.741

745.491

43,83%

2005

1.630.055

721.639

44,27%

2004

1.629.748

718.471

44,08%

2003

1.640.958

725.975

44,24%

Fonte: Site do TST

Expomos a seguir apenas os percentuais de conciliações mais antigos da Justiça do Trabalho, com base nos processos solucionados:

Tabela 2

Justiça do Trabalho – Percentual de Conciliações (1980 a 2002)

Ano

% de Conciliações

2002

44,6

2001

44,8

2000

45,1

1999

46,9

1998

45,1

1997


44,7

1996

45,7

1995

47,0

1993

44,0

1993

43,1

1992

44,7

1991

48,1

1990

48,3

1989

52,2

1988

53,6

1987

53,1

1986

52,7

1985

55,3

1984

52,7

1983

52,7

1982

51,8

1981

51,4

1980

49,7

Fonte: Site do TST

Concluímos que, num plano anual, a campanha de conciliação muito pouco ou nada contribuiu para o aumento da quantidade de acordos. Esse resultado é surpreendente considerando a importância que o CNJ deu à campanha. O Relatório de Prestação de Contas de 2007 do CNJ[5] refere-se ao “Movimento Nacional pela Conciliação” como um dos projetos de destaque de sua agenda de política judiciária. Os esforços em termos de recursos de propaganda e de medidas administrativas (algumas não usuais e com métodos questionáveis) foram muito grandes em comparação aos resultados.

Como veremos melhor mais adiante, a importância da conciliação é identificada com o fato desta ser um meio mais rápido de resolver um litígio. Embora não tenha sido divulgado pelo CNJ um diagnóstico mais detalhado sobre as deficiências da máquina judiciária, pode-se verificar que foi eleita como inimiga a cultura litigiosa e, como solução, a conciliação ampla. Parece-nos que o diagnóstico e a solução apresentada são um tanto simples para a complexidade da estrutura jurídica e dos mecanismos para solução dos conflitos sociais – o que se expressa no fato de que a proporção de litígios resolvidos por acordo diminuiu, apesar de todos os esforços.

Mas estaria havendo obstáculos para a realização dos acordos? As partes não viriam sendo informadas sobre a possibilidade de acordo? Os magistrados e servidores estariam criando obstáculos à negociação? Não há indícios em nenhum documento. A conciliação é uma opção sempre disponível às partes em demandas que envolvem direitos disponíveis. No caso do processo do trabalho, ela é obrigatoriamente incentivada pelos juízes da primeira instância pelo menos duas vezes: no início da primeira audiência e antes da sentença. Cumpre ressaltar que a conciliação esteve prevista nas Constituições passadas e se confunde com a história da Justiça do Trabalho no Brasil. Ela nunca foi um problema para o Poder Judiciário ou para os jurisdicionados, como se pode aferir dos altos índices de acordo na década de 1980 (ver a Tabela 2).

Um dos principais problemas do Poder Judiciário é, este sim, o fiel cumprimento das sentenças. Todavia, ao contrário do que foi dito na campanha pela conciliação, esse também é um problema presente nos processos conciliatórios, principalmente naquelas mal elaborados ou mal recomendados. A campanha aponta o acordo como “o fim do litígio”, o que nem sempre é verdade. Após a realização de acordos muitos incidentes podem ocorrer, não só entre as partes, mas também com a União Federal, ente que defende os interesses da Receita Federal e da Previdência Social na Justiça do Trabalho.

A campanha de conciliação do CNJ não estabelece nenhum critério para as homologações dos acordos. O site do CNJ assim define conciliação:

“É um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua, de forma voluntária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações.” [6]

A definição leva em conta apenas a possibilidade de pacificação do litígio, deixando de lado qualquer critério de método ou de resultado. No âmbito mais específico da conciliação judicial, a doutrina do Direito do Trabalho tem contribuído para o aperfeiçoamento do conceito e de sua finalidade. Segundo Arnaldo Süssekind (1991: 213), se o trabalhador firmou recibo de plena e geral quitação, ao receber parte do que, com certeza, lhe era devido, a coação econômica, viciadora do seu consentimento, deve ser presumida. É que, para esse doutrinador do Direito do Trabalho, há substancial diferença entre as transações sobre questões incertas e as que envolvem direitos incertos. Transação é um ato jurídico em virtude do qual, mediante concessões mútuas, as parte interessadas extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. Para que haja transação, é imprescindível, segundo Süssekind, que:

“a) duas pessoas, pelo menos, estejam vinculadas entre si, por força da relação jurídica da qual decorrem direitos e obrigações;

b) haja incerteza no pertinente a determinado ou determinados direitos ou obrigações;

c) a dúvida se refira a direitos patrimoniais, isto é, direitos incorporados ao patrimônio de uma das partes do contrato;

d) a controvérsia seja extinta mediante concessões recíprocas (Süssekind, idem: 211).

O que ocorre é que as demandas remetidas à Justiça do Trabalho, normalmente, se referem a direitos já adquiridos pelos trabalhadores que não foram pagos, como salários, horas extras prestadas e verbas indenizatórias. Não são direito incertos, mas muitas vezes há incerteza em provar o direito ou mesmo incerteza em executar o acordo ou a sentença em função das possibilidades de insolvência do devedor ou de fraude. A possibilidade de o acordo tornar mais rápido o processo, não raramente, é uma preocupação não pela celeridade em si, mas pelo fato de a demora significar a não satisfação do crédito em função de insolvência do devedor, fraudulenta ou não. Não raramente os juízes convencem o trabalhador a fazer um acordo sob a advertência do risco de nada receber, já que a demora da finalização da sentença e dos possíveis recursos poderá encontrar o devedor sem condições de pagar. Essa proposta conciliatória coincide com a normal necessidade de o trabalhador receber de imediato qualquer valor para pagar suas contas com devedores que não dão trégua. Esses são os principais fatores que levam a Justiça do Trabalho a ter um índice histórico de 40% a 45% de acordos. Esses acordos, por se tratarem de concessões recíprocas, ficam bem abaixo do valor que o trabalhador tem direito.

A preocupação do CNJ parece repousar sobre uma suposta “cultura litigiosa”. Entretanto, na falta de uma análise mais clara sobre suas origens e conseqüências, a campanha acaba por colocar a conciliação numa posição excessivamente privilegiada, como se ela por si só fosse a solução de todos os problemas de falta de rapidez processual.

Quando se trata de litígio entre desiguais, como ocorre com as demandas oriundas da relação de trabalho, a pura pacificação pode significar a fixação de um estágio desvantajoso para o trabalhador. A pacificação desejada necessita ser precedida de luta, a famosa luta pelo direito descrita por Rudolf Von Ihering (2002). Não é correto acreditar que os direitos são adquiridos ou protegidos apenas por meio de conciliação. A harmonia só existe em decorrência de um acordo quando este é satisfatório para ambas as partes e não apenas porque ele pôs fim ao litígio.

Como sugere Nader, a retórica que propaga as ADRs a qualquer preço está associada a sistemas de controle menos preocupados com a justiça e mais voltados para a harmonia; menos organizados para dirimir as causas dos conflitos do que para por fim aos litígios e tornar a sociedade mais pacífica. Fazemos nossas as insuspeitas palavras de Cappelletti e Garth (1988: 7) que dão início ao clássico livro sobre acesso à justiça:

“Nenhum aspecto de nossos sistemas de jurídicos modernos é imune à crítica. Cada vez mais pergunta-se como, a que preço e em benefício de quem estes sistemas de fato funcionam.”

O cenário dos direitos e a “harmonia coerciva”
O mundo do pós-guerra assistiu a uma multiplicação dos direitos do homem. A compreensão desse fenômeno demanda a reconstrução de um movimento histórico no qual direitos surgem e se expandem em meio a um processo de individualização da sociedade e a alterações no papel desempenhado pelo Estado. Nesse processo, o homem deixou de ser considerado como um ente genérico (“o homem enquanto homem”) e passou a ser protegido em suas diversas maneiras de ser em sociedade: enquanto mulher, criança, idoso, doente, trabalhador etc. A extensão dos direitos por toda a sociedade tornou-se uma realidade de fato somente com o advento da “sociedade salarial” e de seu modelo de gestão, o qual associou condução da economia, compromissos negociados entre as classes e proteção social generalizada, sob o crivo de um Estado social regulador e pacificador. A proliferação dos direitos ocorreu na medida em que os poderes públicos proporcionaram proteção e assistência aos sujeitos de direitos sob critérios cada vez mais individualizados – e também eles próprios individualizantes (Bobbio, 1992; Castel, 1998).

Vem a propósito lembrar também que a titularidade dos direitos do homem se estendeu a sujeitos diversos a ele, como a família, as minorias étnicas, os consumidores, as gerações futuras etc (Bobbio, idem: 68-69). Com isso, ultrapassaram-se os arquétipos clássicos do processo civil – uma vez que estes se restringiam a controvérsias entre duas partes individuais ou individualizáveis –, abrindo a possibilidade de se representar e defender interesses metaindividuais, isto é, aqueles que dizem respeito não apenas aos interesses de indivíduos considerados isoladamente, mas aos de grupos, coletividades ou grandes contingentes populacionais, em matérias como patrimônio público, meio ambiente, consumo, improbidade administrativa etc.

A multiplicação dos direitos e a diversificação dos sujeitos de direito vieram acompanhadas de dilemas novos para os sistemas jurídicos modernos. Ao menos desde a década de 1960, muito se tem debatido sobre os problemas de acesso à justiça.[7] Este passou a ser cada vez mais problematizado tendo como pontos críticos a capacidade restrita do Judiciário processar as crescentes demandas que lhe são encaminhadas e a menor aptidão de determinados indivíduos ou grupos para enfrentar litígios ou fazer uso das instituições judiciais – principalmente aqueles que ocupam os estratos mais baixos da sociedade. O acesso à justiça ganhou status de “o mais básico e fundamental dentre os direitos humanos”.

Segundo Cappelletti e Garth (1988: cap. III), desde então, os sistemas judiciais dos países ocidentais ensaiaram três “ondas” de soluções práticas para os problemas de acesso efetivo à justiça: a primeira concentrou esforços no sentido de expandir a oferta de serviços jurídicos para os pobres; com a segunda “onda” implementaram-se reformas cujo intuito foi proporcionar representação jurídica para os interesses metaindividuais, em especial os difusos; já a terceira parte do princípio de que a garantia de representação judicial não é suficiente e, diante disso, constituiu-se em esforços no enfrentamento da inflação de demandas judiciais através da criação de instituições e mecanismos – extrajudiciais em grande parte – como forma de melhor processar as demandas ou mesmo preveni-las.

A execução dos direitos, das leis, das sentenças judiciais, eis o foco central do problema tal como apresentado por Cappelletti e Garth com a terceira “onda”. E embora as reformas anteriores sejam bem-vindas em si mesmas, os autores afirmam que não é possível, nem desejável enfrentar o problema da execução apenas com elas. A “nova” ambientação dos direitos requer mudanças nas estruturas dos tribunais; novos mecanismos procedimentais, menos dispendiosos e formais e mais ligeiros; modificações no direito destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução; ou mesmo esforços políticos no sentido de dirimir a necessidade da advocacia como tal. Em suma, com a terceira “onda” reclama-se da justiça soluções harmônicas para os problemas e um conjunto mais variado e dinâmico de serviços, inclusive para além das decisões produzidas por juízes togados, dos quais constituem exemplos: a advocacia leiga ou em causa própria, a conciliação[8], a mediação[9] e a arbitragem[10].

Tem-se por pressuposto a necessidade de adaptar o processo civil aos diferentes tipos de litígios encontrados no caso concreto de modo a desenvolver meios eficientes de enfrentá-los com vistas a ampliar o acesso à justiça. Para tanto, dever-se-ia levar em conta, de acordo com a terceira “onda” de reformas: a complexidade do problema envolvido no litígio; os distintos tipos de “barreiras” ao acesso à justiça que podem apresentar; a exigência ou não de uma solução mais rápida; o montante em dinheiro envolvido; o diferencial de poder entre as partes ou mesmo a necessidade delas se evitarem etc.

Todavia, esta última “onda” de reformas não deixa de apresentar seus riscos e problemas próprios. A análise crítica da antropóloga norte-americana Laura Nader (1994) sobre o papel das ideologias na forma como os conflitos são resolvidos fornece diretrizes analíticas produtivas e põe questões para a condução das reformas jurídicas.

Vamos por partes. Nader toma as formas de resolução de conflitos como um componente de ideologias políticas. Nesses termos, estilos de resolução de conflitos como os que despontaram com a terceira “onda” de reformas (a conciliação, a mediação, a arbitragem) são avaliados pela autora como procedimentos jurídicos baseados em ideologias de eficiência (entendida aqui como meio favorável de se atingir a conclusão dos litígios) e de harmonia ou pacificação social. Enquanto resultados de ideologias, a harmonia e a controvérsia não são necessariamente nem benéficas, nem maléficas. Tendo isso posto, Nader considera ser problemática a naturalização dos métodos de resolução de conflitos baseados na harmonia como essencialmente bons – fato este corriqueiro, como veremos adiante. Da mesma forma, pode-se afirmar, a noção de eficiência é, em si, discutível e foco de disputa.

A naturalização da harmonia como positiva ou essencialmente benéfica – presente inclusive em análises acadêmicas – dever-se-ia, segundo ela, à ampla influência de premissas religiosas do cristianismo que se reproduziram e permanecem vivas nos sistemas de pensamento das culturas ocidentais (Nader, idem: 19-20). Curiosamente, a referida naturalização ocorre a despeito dos modelos de harmonia freqüentemente serem implementados como resultado de coerção – circunstância representada no conceito de “harmonia coerciva”, criado por ela.

E como se manifestaria essa coerção dos modelos de harmonia?

Em 1976, o Supremo Tribunal norte-americano promoveu a Pound Conference: Perspectives on Justice in the Future. Segundo Nader esta conferência é parte de uma reação conservadora aos intensos movimentos sociais da década de 1960 nos EUA. Visava-se uma mudança cultural na sociedade norte-americana da época, uma vez que a consideravam “muito litigante”. Desenvolveram, na ocasião, o que se convencionou chamar Alternative Dispute Resolution (ADR) [“Resolução Alternativa de Disputa”]. A ADR engloba programas que promovem a reestruturação dos procedimentos judiciais através de meios mais informais e não processuais de resolução de disputas, como a conciliação, a mediação e a arbitragem. Segundo o enfoque desses programas, a justiça deve voltar-se para a promoção do acordo, substituir o confronto pela harmonia, a guerra pela paz. Em alternativa às disputas judiciais, onde se pode “vencer ou perder”, defendem como lema que só o acordo permite o “vencer ou vencer”.

Os programas de ADR baseavam-se em uma explícita rejeição ao conflito em sociedade e, assim, pretendiam evitar, não as causas da discórdia, mas sua manifestação no sistema de justiça. Era também uma apologia ao modelo da eficiência. Prometia-se dirimir o problema da “explosão de litígios” através da promoção de uma justiça rápida, benéfica e alternativa aos conflitos judiciais. Para tanto, foi realizada uma campanha de grandes proporções nos EUA com manifestações em diversos setores da sociedade, como escolas, locais de trabalho, sindicatos, instâncias administrativas etc. Veio à tona uma preocupação central com a harmonia através da reforma dos procedimentos. Era uma mudança na maneira de pensar sobre direitos e justiça, um estilo menos confrontador, mais ‘suave’, menos preocupado com a justiça e com as causas básicas e muito voltado para a harmonia” (Nader, idem: 21). A retórica em torno das ADRs exaltavam suas virtudes ao passo que detratavam os conflitos judiciais. Lançou-se mão também de profissionais, da linguagem e de técnicas da psicoterapia como meio de moldar as percepções, adequar os ânimos e facilitar a negociação, tomando sempre como mote a idéia de “vencer ou vencer”. “As relações, e não as causas básicas, e a capacidade de resolver conflitos interpessoais, e não as desigualdades de poder ou a injustiça, foram e são o ponto nodal do movimento ADR. Nesse modelo, os pleiteantes civis acabam tornando-se ‘pacientes’ que necessitam de tratamento – um projeto de pacificação. Quando as massas são vistas como ‘pacientes’ que precisam de ajuda, a política pública é inventada para o bem do ‘paciente’” (Nader, idem: 22).

A “harmonia coerciva” constitui, segundo Nader, uma poderosa forma de controle justamente por manipular a “definição do problema” e por direcionar o discurso para a aceitação geral dos modelos da harmonia e da eficiência como essencialmente positivos e benéficos. A coerção institucionalizada em favor das ADRs ocorre simultaneamente a uma definição dos conflitos sociais e da forma de lidar com eles que desconsidera a desigualdade de poderes entre as partes em litígio e elimina, assim, a prerrogativa de igualdade de condições diante da lei, incorrendo em vantagens na negociação para aqueles que possuem mais poder. A se seguirem as diretrizes apontadas em seu trabalho, a redução das reformas jurídicas da terceira “onda” de acesso à justiça ao modelo da harmonia e da eficiência – tomando-as como preocupação central e última dos procedimentos, ao invés da correção das desigualdades e injustiças – pode resultar na perda de direitos para grupos e indivíduos.

É interessante perceber como os idealizadores das campanhas pela conciliação qualificaram a resolução negociada de conflitos e justificaram suas ações. A conciliação é apresentada como um modelo da eficiência e da pacificação social. “Rápida e simples. Como um aperto de mão”, diz um slogan muito repetido durante a campanha. “Rápida”, “eficiente”, “simples” e “econômica” (enquanto maneira de resolver conflitos) são alguns dos adjetivos que lhe são comumente atribuídos. As justificativas apresentadas em favor das práticas conciliatórias podem ser resumidas nos seguintes argumentos:

– O Judiciário encontra-se lotado de processos, a tal ponto que o tempo de produção de sentenças é gravemente comprometido. A conciliação seria o principal amparo encontrado para reverter esse problema.

– A conciliação se encerra no acordo e possuiria por isso a vantagem de ser mais ágil e menos desgastante do que a ação judicial, cuja sentença definitiva é muito demorada e só é produzida após diversos e excessivos recursos. Também seria econômica, na medida em que evita os custos processuais.

– A execução da sentença judicial é muitas vezes um problema para a justiça. Essa dificuldade não ocorreria em processos conciliatórios, considerando-se que terminam em acordo.

– A conciliação apresentaria a vantagem das partes participarem do processo de resolução da disputa, diferentemente do que ocorre em ações judiciais, quando a decisão fica a cargo de um juiz.

– Enquanto nas ações judiciais há sempre a possibilidade de perder “tudo” em uma sentença desfavorável, com a conciliação não haveria “vencidos”. O resultado final beneficiaria a ambas as partes. Em 2008, o tema da campanha da “Semana Nacional pela Conciliação” de 2008 diz: Conciliar é legal e faz bem a todos os envolvidos”.

– Os processos conciliatórios proporcionariam a pacificação social, como se pode perceber no slogan “A Conciliação promove a cultura da paz”.

Nos discursos sobre a conciliação, o direito no Brasil – inclusive na área trabalhista – é recorrentemente abordado como imbuído em uma cultura excessivamente litigante e judicante, pouco afeita a soluções negociadas, o que guardaria relações com o ensino deste campo do saber no país. Considera-se essa uma mentalidade “antiga”, defasada frente às mudanças ocorridas no campo do direito nas últimas décadas, mas que, não obstante, encontra-se difundida por toda a sociedade brasileira. Segundo a ministra Ellen Gracie (2007), o CNJ, ao implantar o Movimento pela Conciliação em agosto de 2006, “teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante construção de acordos”. O conselheiro Joaquim Falcão (2006) afirma que a fase de conciliação em geral “não é suficientemente enfatizada pelos juízes, comprometidos com a cultura jurídica atual de justiça imposta e não produzida pelas partes”. Superar esse traço cultural, de acordo com a propaganda do movimento, é parte fundamental de uma estratégia para desafogar o Judiciário e dar-lhe mais celeridade, bem como tornar a sociedade mais “pacífica”. A cartilha produzida em 2008, aliás, resume a “pacificação social” como seu principal objetivo (Conselho Nacional de Justiça, 2008).

Laura Nader (1994) demonstra que as formas de Resolução alternativa de Conflitos (ADRs) são desde sua origem comumente expressadas como uma resolução suave e sensível dos conflitos, não antagônicas, “modernas”, associadas à paz e com a produção apenas de vencedores – características estas também presentes nos discursos evocados acima. Enquanto isso, as soluções mediante disputa judicial são consideradas antigas, antiquadas, relacionadas a guerra, antagônicas, onde se encontra insensibilidade, destruição da confiança e da cooperação, resultando apenas em perdedores.

Outro traço comum às ADRs também encontrado nos discursos sobre a conciliação é o uso da linguagem e de técnicas terapêuticas. Não à toa psicólogos são presença constante em seminários e na confecção de materiais didáticos sobre conciliação.[11] Uma vez que a cultura litigante-judicante se encontra difundida por toda a sociedade brasileira, a “psicologização” do dissenso constitui uma maneira tanto de prevenir conflitos quanto de facilitar a resolução dos pleitos já consumados por vias informais e extrajudiciais. Em outras palavras, busca-se com a linguagem e as técnicas psicoterapêuticas moldar as percepções e comportamentos, adequar os ânimos e as atitudes no sentido de favorecer a harmonia. A seção “Dicas para o conciliador” na cartilha distribuída pelo CNJ fornece exemplos. Segundo a cartilha, o conciliador deve demonstrar “interesse pelas partes e pela realidade de vida delas”, assim a relação de confiança torna-se mais fácil e melhora a compreensão do ponto de vista delas”; deve “evitar a imposição de autoridade” porque dificulta o relacionamento, “é mais produtivo” quando não se apresenta dessa forma; para [facilitar] o relacionamento e a condução da conciliação” é aconselhável, de início, “dizer às partes como gostaria de ser chamado e perguntar a elas como gostariam de ser chamadas”; deve-se “falar sem formalidades” e “agir com imparcialidade” (CNJ, 2008). Em seminário na Escola de Magistratura do TRT/RJ, uma psicóloga ensina que a dificuldade da conciliação reside na escuta: “Quando nos sentimos pressionados, temos dificuldade em ouvir”.[12] Segundo Nader (1994), é comum o uso desse leque de expressões e justificativas para convencer as partes em conflito de que o acordo é menos custoso do que a manutenção do litígio, embora nem sempre o seja.

A idéia de que a conciliação permite “ganhos mútuos” é uma das construções retóricas mais recorrentes. Existe, nesse ponto, uma construção dicotômica: as soluções conciliatórias são representadas de acordo com esquemas “vencer ou vencer”, em oposição ao esquema das ações judiciais, representado pelo “vencer x perder”. Esta frase consta em um dos principais cartazes da campanha. A imagem consiste em uma margarida cujas pétalas possuem a mensagem “bem-me-quer” escrita. A alusão à brincadeira “mal-me-quer, bem-me-quer” é evidente. Porém com uma diferença significativa: só há possibilidade do “bem-me-quer”. Ou seja, há ali uma referência clara à idéia da conciliação como uma ação de onde só pode provir benefícios, positividade, o “bem”. Sobre a margarida encontram-se os dizeres: “Conciliar é querer bem a você”.

Chama a atenção que nessa construção dicotômica da realidade não se reconhece o fato de que a negociação talvez coloque as parte em disputa em situação desigual: aquele que detém mais poder (mais capital econômico, político e cultural) em posição vantajosa relativamente ao que detém menos. A correlação de forças é uma variável ignorada.

Tomemos um exemplo de conciliação na área trabalhista. Em 03 de Dezembro de 2008, a companhia de energia elétrica da Paraíba, a Energisa, e os representantes do Sindicato dos Eletricitários da Paraíba (Sindeletric) homologaram acordo para o pagamento de uma dívida trabalhista de R$ 37,4 milhões, beneficiando cerca de 2000 trabalhadores, pondo fim a um processo que tramitava há mais de quinze anos e que representava a maior dívida trabalhista de uma empresa privada naquele estado. Essa conciliação foi comemorada como a maior já realizada pela Justiça Trabalhista paraibana – e uma das maiores em todo o país – pelo seu elevado valor e importância histórica.

O contexto da conciliação decorreu de uma ação de cumprimento promovida pelo Sindeletric contra a Saelpa (atual Energisa) em razão da empresa não ter cumprido integralmente um dissídio coletivo de 1990 (processo 2092/87). Os primeiros cálculos do dissídio apontavam uma dívida de mais de R$ 200 milhões, que a Energisa conseguiu diminuir para R$ 60 milhões através de recurso julgado no TST que determinou o expurgo do Plano Collor dos cálculos. E foi esse valor – ainda não pago, mesmo após anos de processo transitado em julgado – que serviu de referência para a negociação nas audiências de conciliação. Num primeiro momento, a empresa ofereceu aos eletricitários apenas 29% do valor, o que foi considerado como insuficiente pelo sindicato. O acordo foi fechado com a Energisa oferecendo o pagamento de 51% do débito, assumindo ainda o custo dos honorários advocatícios, a contribuição para o sindicato Sindeletric e o FGTS. De acordo com notícias jornalísticas, a proposta foi amplamente discutida no sindicato e aprovada por quase unanimidade, em assembléia da qual participaram mais de 1300 reclamantes. O processo prosseguiu para onze dos 1960 reclamantes, os quais não aceitaram o acordo. Cerca de 160 trabalhadores já haviam morrido desde o início do processo e mais de 1000 não trabalhavam mais pela empresa.[13]

O caso foi considerado à época um sucesso e um exemplo de situação em que ambas as partes ganham com o acordo. Note-se que fica naturalizado o fato de que os trabalhadores “beneficiados” renunciaram ao direito de receber o que lhes era devido em uma decisão judicial emitida há quase vinte anos. Nesse caso, o que define o que é ou não um “benefício” ou “ser beneficiado”? A aceitação do acordo por parte dos trabalhadores não parece ser critério suficiente – eles aceitariam se o processo não estivesse se estendendo por tantos anos ou se acreditassem mais na capacidade do Judiciário fazer cumprir suas sentenças?

A avaliação dessa questão parece requerer a consideração do “horizonte dos desejos” daqueles que participaram do processo conciliatório. Wanderley Guilherme dos Santos (2006) demonstra que, em geral, a “privação relativa” – hiato entre aquilo que se dispõe e aquilo que se visa dispor, entre o real vivenciado cotidianamente e o horizonte dos desejos – é muito reduzida na população brasileira. A expectativa de satisfação dos desejos é baixa e isso se relaciona com a concentração de renda, com o ambiente de insegurança institucional, pouco afeito à garantia de direitos, e com os altos custos de um possível fracasso do empenho em uma ação coletiva. Nesses termos, no caso narrado acima, a aceitação do acordo por um valor que corresponde à metade do que era devido parece um reflexo da incapacidade do Judiciário fazer cumprir suas sentenças e da baixa expectativa de receberem algo por parte dos trabalhadores. Comemorar o resultado como positivo e como um exemplo em que ambas as partes ganharam é, mais do que realismo, simplesmente a celebração da retirada de um “peso das costas” da Justiça do Trabalho, ainda que por meio da consolidação de uma injustiça, que se torna invisível perante a propaganda dos “benefícios” da conciliação.

Queremos aqui deixar claro que a análise de processos terminados em acordo e de matérias jornalísticas sobre o tema veiculadas pelo Setor de Imprensa do Judiciário demonstram que grande parte dos procedimentos conciliatórios parecem ser positivos, no sentido de que resultam na efetivação de direitos.[14] É preciso evitar, por outro lado, a superestimação dos efeitos de vitórias judiciais. De qualquer forma, o problema que procuramos ressaltar reside em se tomar a conciliação – que constitui um instrumento válido e legítimo – como um fim último, desenvolvido em meio a “funcionamentos coercivos”, para usar uma expressão de Laura Nader. Mesmo Cappelletti e Garth (1988: 71-72) reconhecem a necessidade de se adaptar o processo civil e as formas de resolução de conflitos às especificidades do litígio. Conforme o caso, as alterações no ordenamento jurídico podem ser mais ou menos eficientes, favoráveis ou não ao acesso à justiça. E as características das partes envolvidas no litígio devem ser levadas em consideração.

Todavia, “Funcionamentos coercivos” parecem estar por trás, por exemplo, da lógica de funcionamento das Comissões de Conciliação Prévia (Lei 9958/00), que afastam os litígios da órbita de atuação da Justiça do Trabalho ao definir que as demandas trabalhistas devem ser submetidas às comissões anteriormente ao trânsito pelo judiciário, sob pena de extinção do processo sem o julgamento do mérito. Da mesma forma, a introdução do Procedimento Sumaríssimo no ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 9957/00) elevou a importância da conciliação, ao estabelecer que: “Aberta a sessão, o juiz esclarecerá às partes presentes sobre as vantagens da conciliação e usará os meios adequados de persuasão para a solução conciliatória do litígio em qualquer fase da audiência”.

Outros indícios encontram-se nas Recomendações nº 6 e nº 8 do CNJ. Com a Recomendação nº 6[15], de 24/10/2006, fica estabelecido que os Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça do país devem adotar “providências no sentido de que os acordos homologados judicialmente sejam valorados como sentenças para todos os efeitos”. Segundo o noticiário da OAB-SP[16], a medida foi assinada pela presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie, a partir de pedido da ministra Nancy Andrighi, do STJ, baseado na preocupação dos magistrados com os índices de produtividade que contam para efeito de promoção. A medida põe em risco a seriedade da estatística do tribunal.

A Recomendação de nº 8, como dissemos acima, se dirigiu aos tribunais para que eles planejem e executem ações tendentes a dar continuidade ao “Movimento pela Conciliação”. Uma das medidas é a que estabelece “pauta exclusiva de conciliações”. Com isso, os tribunais regionais recomendaram às varas do trabalho que aumentassem substancialmente suas respectivas pautas para incluírem audiências exclusivamente de conciliação. Esse tipo de audiência, por si só, já causa polêmica já que não possui previsão legal.[17] Mas, se não bastasse, o CNJ também recomenda que se dê preferência para os processos mais propícios a acordos.[18] Assim, um processo em que “provavelmente” seria feito acordo mais adiante é atraído para a semana.

No Rio de Janeiro, o Tribunal Regional do Trabalho, procurando seguir as diretrizes do CNJ, expediu o ATO CONJUNTO GP-CR Nº 93/2008 DE 7/11/2008. Por meio deste, todos os magistrados de primeiro grau foram convocados a se engajarem na Semana de Conciliação destinando, no mínimo, seis horas à tentativa de composição amigável dos litígios sem prejuízo da atividade jurisdicional rotineira. O Ato também determinou a inclusão de, pelo menos, sessenta processos na pauta de audiência exclusivamente para negociação, além da pauta habitual. Determinou-se, ainda, que, na escolha desses processos a serem incluídos na pauta, deveria ser dada preferência àqueles em que as partes tenham manifestado, em tempo hábil, seu interesse na conciliação e àqueles que se encontravam em fase de liquidação de sentença ou execução.

Da mesma forma, não são claros os poderes do CNJ para realizar a campanha. Na Recomendação nº 8 e nas demais resoluções sobre o “Movimento de Conciliação”, a justificativa da iniciativa do CNJ é pautada na sua “função de planejamento estratégico do Poder Judiciário”. Como sabemos o CNJ foi criado pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, após uma longa controvérsia que dividiu os juristas acerca da implantação de um controle externo do Judiciário. Todavia, ele surgiu como um órgão integrante do Poder Judiciário (inciso I-A do art. 92 da CF) e é presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (§1º do art. 103-B), órgão a quem compete julgar as ações contra o próprio CNJ (art.102,r), fato um tanto surpreendente já que não se criou nenhum órgão externo e o controle é feito substancialmente por órgãos que possuem o mesmo presidente. Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, além de outras atribuições conferidas pelo Estatuto da Magistratura e pela própria Constituição Federal, conforme rege o §4º do art. 103-B. Porém, não encontramos na Constituição Federal uma função clara de planejamento estratégico do Poder Judiciário. A atribuição mais próxima a esta é a que estabelece a competência do CNJ para propor providências que julgar necessárias sobre a situação do Poder Judiciário no país e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa (inciso VII do art. 103-B).

“Funcionamentos coercivos” podem ser verificados, ainda, em meio à retórica de que a conciliação sempre permite ganhos para ambas as partes em litígio e que, por isso mesmo, deve ser, em todo caso, a primeira alternativa de resolução das disputas. Por trás do slogan “vencer ou vencer” escondem-se as pretensões e os cálculos subjetivos das partes em litígio, fatores de grande relevância para a mensuração da efetuação da justiça nos casos concretos. Por um lado, a adesão ao acordo da parte que possui menos poder na negociação pode revelar um cálculo estratégico no qual aceitam-se grandes “perdas”, porém com o intuito de garantir ao menos uma vantagem parcial em meio a um contexto desfavorável. Por outro, a opção pelo acordo da parte que possui mais poder pode revelar uma estratégia de maximização de lucros, mesmo que em detrimento de direitos alheios: recusar deliberadamente a cumprir a legislação frente ao cálculo de que é mais vantajoso postergar os dispêndios o máximo possível e pagá-los em um acordo[19], no qual poderá ainda negociar o valor. Aliás, o desenvolvimento de uma análise crítica mais completa acerca dos métodos alternativos de resolução dos conflitos, para além das reflexões iniciais que ora apresentamos, não pode dispensar explicações à luz dos comportamentos e dos cálculos subjetivos de agentes que compõem as partes em litígio, aliadas a esclarecimentos relativos às mudanças institucionais por que passa a Justiça do Trabalho.

Por fim, os “funcionamentos coercivos” relacionam-se também em alguma medida às mudanças institucionais que vêm sendo chamadas nos meios jurídicos e acadêmicos de “desjudicialização” (Alemão, 2003; Helena, 2006).[20] Na Justiça do Trabalho o fenômeno vem se manifestando com especial força nos conflitos de caráter coletivo. Assim, o número de dissídios coletivos instaurados nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho vem diminuindo significativamente desde a primeira metade da década de 1990 (ver Tabelas 3 e 4).

Tabela 3

Tribunais Regionais do Trabalho – Dissídios Coletivos Julgados (1941-2007)

Anos

Julgados

1941-1945

1946-1950

1951-1955

1956-1960

1961-1965

1966-1970

1971-1975

1976-1980

1981-1985

1986-1990

1991-1995

1996-2000

2001-2005

2006-2007

191

1.175

1.659

2.339

4.082

3.740

4.828

5.417

4.120

8.811

12.486

4.676

3.429

1.353

Total

58.306

Fonte: Site do TST

Tabela 4

Tribunal Superior do Trabalho – Dissídios Coletivos Julgados (1941-2007)

Anos

Julgados

1941-1945

1946-1950

1951-1955

1956-1960

1961-1965

1966-1970

1971-1975

1976-1980

1981-1985

1986-1990

1991-1995

1996-2000

2001-2005

2006-2007

1

2

9

13

12

27

24

48

54

140

202

71

39

22

Total

664

Fonte: Site do TST

Os números apresentados pela Justiça do Trabalho podem ser complementados pela “Taxa de judicialização das negociações coletivas de trabalho”, indicador estatístico produzido pelo Sistema de Acompanhamento das Contratações Coletivas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2006).[21] De acordo com essa taxa, a judicialização dos conflitos coletivos de trabalho atingiu seu maior índice em 1993, com 28,3% dos instrumentos normativos registrados. Contudo, desde 1995, obteve uma queda continuada chegando a atingir o patamar de 2,3% no ano 2000. Em 2001, houve um leve aumento, porém seguido de declínio nos anos seguintes (ver Gráfico 1).

Gráfico 1

 

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Fonte: SACC-DIEESE

Os dados acima demonstram que ao longo da década de 1990 houve uma tendência dos tribunais superiores do trabalho de resistirem em julgar o mérito dos dissídios coletivos. A resistência do TST à coletivização dos conflitos se apresentou do mesmo modo no acolhimento das Ações Civis Públicas (Casagrande et allii, 2006). Sendo assim, é possível concluir que existe uma crescente resistência por parte da Justiça do Trabalho nos últimos anos em adotar um curso de ação favorável à judicialização dos conflitos coletivos trabalhistas.[22]

Muito se tem debatido sobre o quanto mudanças no plano legal implementadas a partir do início da década de 1990 vêm repercutindo em impedimento para a judicialização de conflitos trabalhistas de caráter coletivo. Assim, por exemplo, a Instrução Normativa nº 4 do TST, de 1993, definiu uma série de formalidades para o ajuizamento de dissídio coletivo, prejudicando significativamente os sindicatos de trabalhadores, os quais tiveram seus processos em grande parte extintos sem julgamento de mérito por não terem conseguido cumprir todas as exigências (Alemão, 2003). Ainda em 1993, o Enunciado 310 do TST dispôs sobre as possibilidades de substituição processual dos sindicatos em relação aos seus associados. O Enunciado definiu marcos processuais restritivos aos processos coletivos, limitando a legitimidade de atuação tanto dos sindicatos quanto do Ministério Público do Trabalho e desestimulando o ajuizamento de novas ações (Casagrande et allii, 2006). Ambos acabaram sendo cancelados em 2003, porém, no ano seguinte, novas limitações vieram com a aprovação da Emenda Constitucional 45 (a chamada Reforma do Judiciário), que estabeleceu que o dissídio coletivo só pode ser instaurado se as partes envolvidas estiverem de comum acordo.[23]

Com efeito, parece razoável supor que a Justiça do Trabalho está passando por um processo de “desjudicialização” e se consolidando como uma alternativa de arbitragem pública quando solicitada pelas partes, passando a ter poder próprio de intervenção e decisão nos conflitos coletivos apenas quando esgotadas as etapas previstas para a composição “pacífica” dos mesmos – vide a lógica de funcionamento das Comissões de Conciliação Prévia e os esforços despendidos com o “Movimento pela Conciliação”.

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Tese apresentada no encontro nacional da ABET – Associação Brasileira do Trabalho, setembro de 2009 e será apresentada na ANPOCS/2009.

Publicada na Revista Justiça do Trabalho, junho de 2009, ano 26, n. 306.

[1] O material da campanha contém camisas, botons, adesivos, banners, folders, cartazes, spots (comerciais para rádios), cartilhas e anúncios publicados em revistas e jornais As notícias jornalísticas mencionadas ao longo do texto foram retiradas do site do Conselho Nacional de Justiça, salvo nos casos em que foi especificada outra origem.

[2] O TRT da 15ª Região (Campinas/SP) chegou a realizar um “Novo Movimento pela Conciliação em Homenagem ao Dia do Trabalho”. Ver a matéria “TRT de Campinas (SP) realiza novo movimento conciliatório em maio” (09/05/08).

[3] A Recomendação CNJ nº 8 pode ser lida na íntegra no endereço: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2732&Itemid=163. Acesso em 10 de janeiro de 2008.

[4] Ver Relatório de Prestação de contas do CNJ, tabela 15, http://www.cnj.gov.br/images/stories/relatorio_de_prestacao_de_contas_cnj_2007.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2008. Cumpre ressaltar que outro relatório do CNJ (“Resultado Final”) apresentou o montante de acordo da campanha de 2007 em 21.883. Ver http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/conciliarConteudoTextual/anexo/Apresentacao_FINAL.pdf.

[5] Ver item 5.2: http://www.cnj.gov.br/images/stories/relatorio_de_prestacao_de_contas_cnj_2007.pdf.

[6] http://www.conciliar.cnj.gov.br/cms/verTexto.asp?pagina=como_participar.

[7] Por “acesso à justiça” entende-se: “Primeiro, [que] o sistema deve ser acessível a todos; segundo, [que] ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos” (Cappelletti & Garth, 1988: 8).

[8] Entende-se por conciliação um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa pretensamente imparcial, o conciliador, a condução do pleito em direção à construção de um acordo. O conciliador opina e propõe soluções junto às pessoas envolvidas, sem contudo decidir a questão. A conciliação também pode ser judicial, ocasião em que o procedimento é conduzido por um juiz e tem início por iniciativa deste ou por requerimento de uma das partes.

[9] A mediação constitui um processo de negociação no qual um mediador pretensamente neutro e independente busca levar as partes envolvidas num conflito a uma solução de consenso, através do manejo de seus interesses e das inter-relações em jogo. O mediador é escolhido em comum acordo entre as partes e não lhe é facultado poder de decisão ou de propor acordos. A diferença entre conciliação e mediação reside justamente aí: o mediador apenas busca auxiliar as partes em suas reflexões e decisões, fazendo emergir o acordo daí; já o conciliador possui papel mais ativo, uma vez que propõe uma solução às partes no processo.

[10] A arbitragem é um procedimento informal no qual as partes conflitantes concordam em submeter suas divergências a árbitros, o qual é responsável pela emissão de um parecer técnico. O árbitro é escolhido de forma consensual e deve proferir um laudo final que deve ser aceito pelas partes como uma decisão arbitral, não cabendo recurso e não havendo necessidade de homologação judicial.

[11] Ver as reportagens “Escola Judicial de Minas Gerais lança Manual do Conciliador na web” (08/09/08) e “Escola de Magistratura do TRT/RJ veste a camisa do Movimento pela Conciliação” (04/12/07 – disponível no endereço: http://www.direito2.com.br/cnj/2007/dez/4/escola-de-magistratura-do-trtrj-veste-a-camisa-do-movimento, acesso em 10 de janeiro de 2008).

[12] Em “Escola de Magistratura do TRT/RJ veste a camisa do Movimento pela Conciliação”.

[13] Ver as reportagens “Conciliação: Acordo na PB paga dívida trabalhista recorde de R$ 34 milhões” (03/12/08), “Energisa não fecha acordo com eletricitários” (s/d, disponível no endereço: http://www.jampanews.com/admin/modules/noticia/?id=9631, acesso em 10 de janeiro de 2008) e “Energisa faz acordo e encerra pendência trabalhista de 19 anos com funcionários” (03/11/08, disponível no endereço: www.tonyshow.com/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=22800, acesso em 10 de janeiro de 2008).

[14] Por exemplo, a reportagem “Conciliação: Mais de 200 cortadores de cana recebem pagamentos atrasados no MT” (05/12/08) narra a promoção de um acordo feito durante a “Semana Nacional pela Conciliação” em que 288 cortadores de cana de uma usina conseguiram receber pagamentos atrasados na ordem de R$ 400 mil. Ver “Está aberta a Semana Nacional pela Conciliação no Rio de Janeiro” (02/12/08).

[15] A Recomendação CNJ nº 6 pode ser lida na íntegra no endereço: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=193&Itemid=163. Acesso em 10 de janeiro de 2008. Ver ainda “Acordo passa a valer como sentença para estatísticas dos tribunais” (10/10/06).

[16] http://www.oabsp.org.br/noticias/2006/10/25/3900.

[17] O site do CNJ se refere a audiência prévia, figura esta que não existe no processo do trabalho, salvo as realizadas pelas comissões de conciliação prévia, que são órgãos extrajudiciais. Ver o texto “Como participar do Movimento pela Conciliação”, disponível em http://www.conciliar.cnj.gov.br/cms/verTexto.asp?pagina=como_participar. Acesso em 10 de janeiro de 2008.

[18] No site do CNJ, consta esta explicação: “Para a Semana Nacional pela Conciliação, os tribunais selecionam os processos que tenham possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas no conflito.”

http://www.conciliar.cnj.gov.br/cms/verTexto.asp?pagina=como_participar

[19] Circunstâncias similares ocorrem quando empresas se recusam a cumprir a legislação ambiental, se beneficiando do fato de que as Ações Civis Públicas ambientais tramitam durante muitos anos no Judiciário. Nessas ocasiões, pode ocorrer o firmamento de um Termos de Ajustamento de Conduta em um contexto de lucro para as empresas e degradação para o meio ambiente, desfavorecendo trabalhadores e moradores da circunvizinhança dos empreendimentos (Soares, 2007).

[20] O termo é ambíguo, ora assumindo a acepção de “facultar às partes comporem seus litígios fora da esfera estatal da jurisdição” (Helena, 2006), ora significando a “fuga” dos conflitos apenas do âmbito sentencioso do Judiciário em favor de métodos mais informais de resolução de disputas, ainda que se mantendo dentro da esfera estatal, por exemplo com a proposição de Termo de Ajustamento de Conduta pelo Ministério Público ou por algum órgão executivo, ou mesmo com a conciliação conduzida por um juiz. Ademais, Helena (idem) chama a atenção para o fato de que a “acepção do termo varia conforme o ramo do Direito. Na esfera penal, aproxima-se dos processos de despenalização ou descriminalização, a exemplo do tratamento dado às infrações de menor potencial ofensivo, cuja conduta delitiva, em parte, vem sendo suprimida do âmbito penal”.

[21] A taxa de judicialização das negociações coletivas de trabalho “corresponde à proporção de instrumentos normativos provenientes do âmbito da Justiça do Trabalho – independentemente de resultarem de arbitragem por parte dos juízes (sentença normativa) ou de acordo entre as partes (homologado em dissídio) – sobre o total de instrumentos registrados no SACC-DIEESE” (DIEESE, 2006: 7), que inclui ainda os modos de solução de conflitos coletivos via negociação direta entre trabalhadores e patronato, quais sejam as Convenções Coletivas e os Acordos Coletivos de Trabalho.

[22] Cumpre ressaltar que essa tendência não parece corresponder, como contraponto, a um avanço nas possibilidades de defesa de direitos trabalhistas via negociação coletiva direta e voluntária entre patrões e empregados (Pessanha & Morel, 2008). Até porque, segundo Cardoso (2002), o aumento da procura da Justiça do Trabalho por parte dos trabalhadores e seus sindicatos na década de 1990 se dá como uma reação à precarização das relações e condições de trabalho, assim como à constante resistência do patronato em respeitar a lei no que diz respeito a direitos rescisórios.

[23] É importante ressalvar que a Emenda Constitucional 45 também teve a faceta de ampliar a competência da Justiça do Trabalho. Primeiro por que, ao alterar o artigo 114 da Constituição, lhe atribuiu o poder de processar e julgar litígios relativos a “relações de trabalho” e não mais apenas a “relações de emprego”, como constava anteriormente no referido artigo. Depois por ter lhe atribuído a competência de processar e julgar “as ações que envolvem exercício do direito de greve” (Art. 114, inciso II).

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