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Toffoli mantém transparência ao receber advogados

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24 de novembro de 2009, 17h23

Há quatro meses, a discussão sobre uma reunião secreta entre a ministra-chefe da Casa Civil e a ex-secretária da Receita Federal arranhou a imagem da futura candidata do governo nas próximas eleições presidenciais. Até hoje, Dilma Roussef e Lina Vieira dão versões diferentes sobre um suposto encontro no qual a ministra pediu a agilização de investigações fiscais sobre empresas da família Sarney. Dilma nega tudo. Lina, que confirma, trouxe o assunto à baila depois de demitida, em julho. Mas o episódio não seria um mistério se o Planalto seguisse o exemplo do mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Em sua agenda diária publicada no site do Supremo, constam nomes, processos e até o número dos telefones celulares dos advogados que ele recebe em seu gabinete.

A iniciativa tem uma razão histórica. Há mais de 20 anos, alguns juízes se opõem à obrigação de receber advogados em seus gabinetes com a alegação de que os chamados “embargos auriculares” ofendem a imparcialidade do julgamento. Já os advogados afirmam haver situações em que, além das alegações nos autos, é preciso explicar pessoalmente o ponto de vista ao juiz. Em fevereiro, os ministros do STF chegaram a votar uma norma regimental para obrigar as partes a serem ouvidas somente em conjunto, em uma espécie de audiência informal. A notícia da intenção, adiantada pela revista Consultor Jurídico, causou repercussão tão ruim que a corte abandonou a ideia.

Ao que parece, o excesso de transparência do ministro Toffoli é uma resposta tanto à opinião da advocacia quanto à da magistratura. Só para se ter uma ideia, apenas para às 15h desta segunda-feira (23/11), a agenda do ministro apontava 13 encontros com advogados e procuradores, todos com números de telefones fixos e móveis publicados. Embora o ministro não tenha retornado o contato da reportagem, a tradução da iniciativa é simples: todas as partes serão recebidas individualmente, mas não haverá portas fechadas no gabinete. Assim, o ministro reserva as segundas para atender os advogados. Ele atende por ordem de chegada, sem marcar horário, a partir das 15h. Os advogados chegam, dão o nome e ficam na fila esperando. Nesta segunda, saíram de lá elogiando o ministro pela atenção dada e, também, por não passar nenhum advogado conhecido na frente dos demais.

Isso não quer dizer, no entanto, que a saída agrada a todos. “Há um zelo exagerado”, diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto. “Não é errado tornar público o recebimento, mas alguns números de telefone são pessoais”. Para ele, o receio excessivo em relação ao atendimento é fruto de uma tentativa de criminalizar a atividade da advocacia e “tornar ilícito o diálogo do advogado com o magistrado”.

Fabrício Castro, presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo, lembra que o recebimento dos advogados é uma obrigação prevista na Lei federal 8.906/94, o Estatuto da Advocacia. “Não é novidade no Direito o juiz tomar uma decisão ouvindo só uma parte”, analisa. Ele usa como exemplo a concessão de liminares e cautelares inaudita altera pars. Segundo ele, o recebimento conjunto de defensores da ambas as partes é uma construção feita pelos próprios juízes.

Em alguns casos, porém, chamar a outra parte para esclarecer é a solução. Castro conta que conseguiu conciliar interesses de partes opostas ao julgar um caso referente à estreia do filme Match Point nos cinemas. Ao ouvir o advogado de um dos lados, convocou o outro para uma reunião no dia posterior. “Na audiência seguinte, o acordo foi firmado. O processo acabou em uma semana”, lembra. Para ele, o entendimento foi importante devido ao prazo curto, de 15 dias, em que o filme entraria em cartaz.

Por incrível que pareça, o ministro Joaquim Barbosa tem adotado cartilha parecida. Apesar de ser conhecido por jamais receber advogados, ele começa a demonstrar uma postura mais flexível, mas sem abrir mão da ressalva publicada em cada nota de encontro na agenda do STF: “O Gabinete está à disposição dos representantes da parte contrária para eventual agendamento de audiência para tratar do mesmo assunto”.

Barbosa foi um dos ministros que assinou a proposta de restringir o acesso aos advogados, meses atrás. Além dele, Cezar Peluso, Eros Grau, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Carlos Britto foram favoráveis à seguinte emenda regimental: “Nenhum ministro é obrigado a receber parte ou advogado, senão na presença do advogado da parte contrária, ou, quando seja o caso, do representante do Ministério Público”.

Se tivesse sido aprovada, a mudança incluiria o artigo 20-A no Regimento Interno do Supremo. Na época, o apoio de sete ministros deixou perplexo o ministro Marco Aurélio, presidente da Comissão de Regimento Interno. “Não se trata de uma audiência jurisdicional, em que é necessária a presença de ambas as partes, mediante intimação. Se o advogado de um dos lados não estiver credenciado em Brasília, já não poderemos receber”, disse ele à ConJur ao saber do fato.

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também contrário à mudança, afirmou que compreendeu as razões que levaram os colegas a subscrever a proposta, mas não iria segui-los. “O importante é que todos possam ter a possibilidade de acesso ao juiz do Supremo”, afirmou na ocasião.

A proposta, feita pelo ministro Cezar Peluso, morreu quando os ministros Cármen Lúcia e Carlos Britto voltaram atrás. Como precisava de pelo menos seis votos para passar na Comissão de Regimento Interno, a emenda foi esvaziada pelas desistências. O ministro Carlos Britto, que decidiu retirar sua assinatura da proposta depois de ouvir os argumentos de advogados, afirmou que a intenção nunca foi criar obstáculos. “A ideia era a de discutir um novo modo de recebimento de advogados, na linha do que acontece na Justiça norte-americana, numa tentativa de racionalizar os procedimentos e garantir isonomia ao processo”.

No Superior Tribunal de Justiça, o assunto também deu espaço para discussões. Em 2007, a ministra Nancy Andrighi editou uma resolução chamada de Ordem Interna 1, que disciplinava o procedimento a ser cumprido pelos advogados que queriam uma audiência para tratar de processos. De acordo com a regra, o advogado deveria ir ao gabinete da ministra e protocolar um pedido de audiência. Se fosse aceito, a Secretaria do Gabinete escolheria a data e o horário do encontro, que seria comunicado aos outros advogados do caso.

As regras ditadas pela ministra, no entanto, foram suspensas pelo STJ após as intensas críticas de advogados. A Associação dos Advogados de São Paulo pediu ao STJ para suspender a iniciativa. Para os advogados, a regra interna contrariava a Constituição Federal, o Estatuto da Advocacia e a decisão do Conselho Nacional de Justiça, que garantiu a obrigação dos juízes em atender a qualquer hora.

Em ofício enviado à Aasp, a ministra afirmou que as normas no seu gabinete tinham o objetivo de ajudar os advogados, evitando, por exemplo, que um defensor fosse até a Brasília, mas não pudesse ser recebido e perdesse a viagem. Daí a necessidade da hora marcada. O ministro Peçanha Martins, no entanto, suspendeu a norma.

Longe de acabar, a discussão é motivo de ação no Supremo. A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais ajuizou, no último dia 12, uma Ação Direta de Inconstitucinalidade contra a obrigatoriedade prevista na Lei 8.906/94. Os juízes querem que os advogados sejam recebidos só com hora marcada e se a outra parte for notificada.

Clique aqui para ler a agenda do ministro Dias Toffoli no dia 23 de novembro.

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