Mutirão eleitoral

MPF-RJ quer garantir votos a presos provisórios

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14 de novembro de 2009, 1h17

Na esteira da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça que, junto com Varas de Execuções Penais, promotores, advogados e defensores, tenta dar mais dignidade ao sistema carcerário do país, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro resolveu provocar a Procuradoria-Geral da República para que garanta o direito de voto aos presos provisórios. Com isso, além de visar o cumprimento da Constituição, a perspectiva é de que a efetivação do direito de votar se reverta em melhorias nas condições das cadeias pelo país afora.

Para os procuradores Daniel Sarmento e Silvana Batini, esta procuradora eleitoral no Rio, a Justiça Eleitoral, em especial, o Tribunal Superior Eleitoral, está sendo omissa ao não determinar que os Tribunais Regionais viabilizem a votação dos presos provisórios. Em agosto, o TSE informou a criação de uma comissão para estudar a questão e desenvolver ferramentas que viabilizem o voto dos presos já para as eleições de 2010. Os procuradores não estão dispostos a esperar e querem que a PGR provoque o Supremo sobre a questão.

“Quando se denega o direito de voto ao preso provisório, ou quando este direito é tratado como um mero privilégio, a ser concedido discricionariamente, de acordo com as avaliações de conveniência e oportunidade da Justiça Eleitoral, compromete-se seriamente a integridade do princípio democrático, que pressupõe a plena inclusão política do povo.”

Os procuradores afirmam que a suspensão dos direitos políticos apenas é aplicada aos que foram condenados com trânsito em julgado da decisão e enquanto durarem os efeitos desta.

Sarmento e Batini lembram que o Supremo entendeu, com base no princípio da presunção de inocência, que até o trânsito em julgado não é possível impedir o registro de candidaturas. “Não é preciso concordar com a tese para notar a incongruência que existe em, de um lado, reconhecer o direito político dos presos provisórios de concorrerem aos pleitos eleitorais – o jus honorum –, e, do outro lado, denegar-se, na prática, o seu direito político de votar – o jus sufragium”, dizem.

Citando decisões das Supremas Cortes dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Corte Européia de Direitos Humanos, os procuradores afirmam que a Constituição de 1988 é clara sobre o direito de votar dos presos provisórios. “Não é necessária, na hipótese, nenhuma construção hermenêutica mais polêmica ou sofisticada, para chegar-se a esta insofismável conclusão”, entendem.

Melhores condições
Eventual provocação do Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria Geral da República — cabe à PGR decidir se entrará com as ações no STF — poderá ter um efeito de melhora, não só nas condições dos presos provisórios, como na do sistema carcerário como um todo. A ideia é que, uma vez aptos a votar e com esse direito garantido pela Justiça Eleitoral, os presos poderão fazer parte da agenda dos candidatos.

“Sabe-se que, em geral, a inclusão política leva à melhoria das condições de vida daqueles que antes eram excluídos. Ela permite que as demandas dos novos incluídos sejam levadas em consideração no espaço público, especialmente no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, e, com isso, tende a proporcionar mais respeito também a outros direitos fundamentais dos membros deste grupo, além dos estritamente políticos.”

Os procuradores lembram da situação em que se encontram os estabelecimentos prisionais no país. “As instalações são, em geral, precaríssimas e insalubres; o espaço disponível para cada preso é insuficiente para as necessidades humanas mais básicas; os abusos e a violência são corriqueiros.”

“Será que a sistemática exclusão política dos presos provisórios no Brasil não contribuiu para a persistência deste quadro tão desalentador? Será que o voto, e o “empoderamento” que ele gera, não pode ser fator decisivo para superação da calamitosa situação dos estabelecimentos prisionais no Brasil?”, questionam.

Adequação da legislação
Eles também sustentam que dispositivos do Código Eleitoral devem ser interpretados de forma ponderada no que diz respeito à garantia do voto pelos presos provisórios. Um deles, artigo 136, estabelece a presença de ao menos 50 eleitores para que seja instalada uma seção eleitoral em vilas, povoados ou estabelecimentos de internação coletiva.

“O objetivo perseguido pelo legislador, de economia de meios escassos, é absolutamente legítimo. Contudo, a perseguição de tal objetivo não priva do direito de voto os demais eleitores que residam nestas localidades não servidas por seções eleitorais”, afirmam.

Como no caso dos presos provisórios o direito não é garantido, pois não podem se deslocar até a seção eleitoral mais próxima para votar, os procuradores entendem que a Justiça Eleitoral deve garantir que isso seja feito dentro dos locais onde eles os presos estejam sob custódia. “A vantagem que advém da aplicação do artigo 136 do Código Eleitoral aos estabelecimentos prisionais resume-se à economia de recursos, decorrente da instalação de um número menor de seções eleitorais. Porém, tomando como parâmetro a tábua de valores subjacente à Constituição, é evidente que tal benefício não compensa a lesão ao direito fundamental ao voto dos presos provisórios.”

Outro ponto abordado pelos procuradores se refere ao prazo para que seja feita a transferência do título de eleitor dos presos provisórios. A legislação eleitoral determina o prazo de 150 dias para que eleitores transfiram seus títulos.

“Uma ponderação de interesses, pautada pelo princípio da proporcionalidade, conduz à necessidade de fixação de um prazo menor de anterioridade da mudança de domicílio para os presos provisórios.” Eles entendem que 30 dias é um prazo razoável.

Daniel Sarmento e Silvana Batini entendem que, mesmo sem lei específica sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral pode estabelecer tal prazo em uma resolução.

Atuação limitada
Os procuradores citam relatório da Associação dos Juízes para Democracia. Nele, a associação aponta que a garantia de voto a presos é limitada. Apenas em alguns estados “projetos pilotos” foram implantados nas últimas eleições, garantindo o direito a voto a um grupo limitado.

O relatório informa que Acre, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Sergipe chegaram a viabilizar o voto nas últimas eleições a um número restrito de presos.

“Percebe-se que se tratou de uma experiência muito restrita e embrionária, pois foi assegurada a possibilidade de voto a apenas poucas centenas de indivíduos em todo o país, dentro de um universo de mais de 200.000 presos provisórios”, afirmam os procuradores.

Eles contam a experiência do juiz eleitoral João Batista Damasceno, de Nova Iguaçu (RJ), e do delegado de Polícia Orlando Zaccone, que atuaram na seção eleitoral que funcionou em estabelecimento prisional nas eleições de 2008. De acordo com o relato deles, o argumento da falta de segurança caiu por terra. Outra questão, a de formação de curral eleitoral, em que os presos poderiam formar um partido marginal, também não foi confirmada.

Sarmento e Batini também informam que o procurador regional eleitoral Luis Carlos dos Santos Gonçalves entrou com um pedido no TRE de São Paulo para que fizesse uma experiência piloto nas próximas eleições. O pedido, contam, foi negado pelo TRE paulista.

Segundo os procuradores, atos normativos do Tribunal Superior Eleitoral dão a entender que os TREs podem ou não viabilizar o voto dos presos provisórios, não sendo uma obrigação. “O TSE tem ora se omitido do dever de exigir dos demais órgãos da Justiça Eleitoral o respeito ao sagrado direito de voto do preso provisório, ora adotado uma perspectiva extremamente formalista sobre a questão, impondo obstáculos praticamente insuperáveis ao exercício de tal direito, de forma a torná-lo verdadeira letra-morta”, entendem.

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