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Justiça discute permanência de notícias na internet

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21 de março de 2009, 4h17

Em uma das primeiras decisões conhecidas sobre o assunto, a Justiça obrigou um site de buscas a alterar seus resultados em relação ao nome de uma pessoa, ao entender que uma notícia já antiga, publicada na internet, feria sua honra. O julgado confirma um entendimento há muito aguardado pelos advogados especializados em Direito eletrônico: na falta de regras para tratar situações específicas da internet, as possibilidades abertas pelo novo meio devem ser usadas ao extremo para a satisfação da Justiça.

A decisão, adotada em fevereiro pelo juiz Anderson Ricardo Fogaça, substituto na 20ª Vara Cível de Curitiba, obriga o site de buscas Google a atualizar o resumo de uma notícia, que aparece nas pesquisas (clique aqui para ler decisão). Em 2004, o empresário Manoel Knopfholz foi condenado em primeira instância por estelionato e uso de documento falso, o que foi noticiado pela revista Consultor Jurídico. Três anos depois, Knopfholz foi absolvido em segundo grau, devido à prescrição dos crimes, o que foi novamente veiculado pela ConJur. O empresário alegou, porém, que a notícia da condenação continuava a aparecer em pesquisas no Google com o seu nome, causando-lhe prejuízos morais.

O juiz, então, ordenou que o Google informasse, no resumo do link para a notícia da condenação, que Knopfholz havia sido absolvido. Também obrigou o site de buscas a “randomizar” as pesquisas com o nome do empresário, para que a notícia sobre a sentença condenatória não aparecesse sempre entre os primeiros resultados. “A Google optou por destacar a notícia que lhe desabona, em detrimento das milhares que lhe enaltecem”, afirmaram os advogados do empresário, Julio Brotto e Murilo Varasquim, na petição à Justiça paranaense. Tanto a notícia da condenação quanto a da absolvição aparecem com frequência na primeira página quando se coloque na busca o nome de  Manoel Knopfholz.

De acordo com a assessoria de imprensa do Google, o site foi informado da decisão nesta quarta-feira (18/3) e irá recorrer imediatamente. A empresa no entanto, estranhou a determinação do juiz, já que a indexação das páginas na ferramenta de busca é feita de forma automática e universal, seguindo mais de 200 critérios. Sustenta ainda que qualquer alteração nessa metodologia terá impacto global. Entre os critérios de hierarquização dos resultados nas pesquisas estão o número de links que apontam para uma notícia, o índice de novas páginas publicadas diariamente por um site, e o tempo em que ele fica com o mesmo dono. Ou seja, fatores matemáticos influem na ordem dos links.

Na opinião do advogado Renato Opice Blum, especialista em Direito eletrônico, o acesso via buscadores permite uma exposição maior dos indivíduos. “Quando a busca leva a uma notícia que não é mais aquela, o resultado não é mais verdadeiro”, explica, e cita um exemplo: “Nos Estados Unidos, houve um caso em que uma empresa pediu concordata e isso foi noticiado. Mais tarde, ela se recuperou, o que também foi notícia, mas com o link sobre a concordata de anos antes. O resultado foi que a notícia da antiga quebra foi a mais acessada, confundindo o mercado e derrubando as ações da empresa”.

Para o advogado, a "randomização" da ordem dos resultados com o nome do empresário, determinada pelo juiz, é possível e atende à proteção ao indivíduo. “A possibilidade permite a ação e o interesse público reclama isso”, diz. Ele reconhece, no entanto, que o tema é sensível e ainda divide opiniões. “Há necessidade de uma lei que defina regras para as indexações”, pondera.

Realidade atualizada

Knopfholz também chegou a contatar a ConJur para que a notícia da condenação fosse alterada. Embora não houvesse decisão judicial que impusesse obrigação nesse sentido, o site complementou as informações, acrescentando que Knopfholz havia sido absolvido, fazendo remissão à notícia da decisão de segundo grau — clique aqui para ler.

A questão provocou diferentes posturas de advogados especializados em imprensa. Para Manuel Alceu Ferreira, que advoga para o jornal Estado de S. Paulo, não há como obrigar um site noticioso a retificar uma matéria já publicada. “Uma edição impressa não pode ser modificada. A mesma regra deve ser aplicada aos sites”, diz. O advogado afirma que é comum pessoas processarem os veículos por reportagens impressas reproduzidas na internet, “mas nunca houve pedidos de alteração”, ressalta.

O caso poderia ser enquadrado na Lei de Imprensa — a Lei 5.250/67 —, se não envolvesse uma "nova mídia". Para veículos impressos, é impossível a alteração de uma reportagem publicada. Uma retificação só sairia em nova edição. Já para os sites, as publicações feitas no passado estão sempre ao alcance de modificações.

Por essa razão, a Justiça pode determinar a correção de reportagens publicadas na web, segundo o advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival J. Santos Advogados. “A finalidade da decisão é não prejudicar a vítima. Por mais que não haja lei específica sobre o assunto, a decisão atende ao princípio da efetividade da Justiça”, afirma. Segundo o advogado, o Direito precisa acompanhar os novos mecanismos.

Pena prescrita

A situação envolveu uma notícia publicada em 2004 pela revista ConJur, que informava a condenação, em primeira instância, dos empresários Davi Knopfholz, Calmon Knopfholz, Manoel Knopfholz e Segismundo Morgenstern — secretário de estado do governo Jaime Lerner, no Paraná — por estelionato e uso de documento falso para obtenção de financiamento de R$ 700 mil no Banestado. A pena imputada pela 3ª Vara Federal Criminal do Paraná foi de cinco anos e quatro meses de prisão em regime semi-aberto, e multa de 280 salários mínimos. Em 2007, porém, ao julgar um recurso contra a condenação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou extinta a punibilidade dos quatro, devido à prescrição da pena. A absolvição também foi noticiada pela ConJur.

Notícia alterada em 24 de março de 2009, às 14h, para correção de informações.

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