Notificação trabalhista

Presunção de conhecimento não viola ampla defesa

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19 de março de 2009, 16h05

Nos processos da Justiça do Trabalho, o réu, chamado reclamado nesta Justiça especializada, toma conhecimento da lide por meio da notificação (artigo 841 da Consolidação das Leis Trabalhistas). Ela é enviada pelo diretor de Secretaria da vara do Trabalho através da Empresa de Correios e Telégrafos — quanto ao diretor da Secretaria, a CLT diz “escrivão ou chefe de secretaria”. Esta denominação foi alterada para diretores de Secretaria pela Lei 6.563/78. Já no artigo 841, a CLT diz que “a notificação será feita em registro postal com franquia”. Tais registros foram extintos com a criação da Empresa de Correios e Telégrafos.

Prescreve o artigo 841 da CLT que, recebida e protocolada a reclamação trabalhista, o diretor de Secretaria enviará a notificação em quarenta e oito horas. Se o reclamado criar embaraços ao recebimento ou não for encontrado, esta será realizada por meio de edital.

Extrai-se deste dispositivo da CLT que, realizada a notificação por meio da ECT ou edital, há presunção de conhecimento da lide pelo reclamado. E ele sofrerá os efeitos da revelia se não comparecer à audiência de julgamento.

A presunção de conhecimento da lide emanada das regras legais da notificação na Justiça do Trabalho faz surgir alguns questionamentos recorrentes nos processos trabalhistas. Eles ocupam também considerável espaço na doutrina.

Sob a ótica do Direito Constitucional, discute-se se a presunção de conhecimento da lide com a notificação trabalhista afronta ou não a garantia fundamental constitucional do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal). Questiona-se ainda se a notificação, no Processo do Trabalho, e a citação, no Processo Civil, são mero ato formal ou necessário que sejam ato efetivo, sob pena de nulidade processual insanável.

Além disso, questiona-se a natureza jurídica da notificação. Noutros termos, quais são as características que delimitam o conceito de notificação e o que lhe permite trabalhar com a presunção de conhecimento da lide pelo réu. Para tanto, é inevitável a comparação entre a notificação (artigo 841 da CLT) no Processo do Trabalho e a citação (artigo 213 do Código de Processo Civil CPC e seguintes) no Processo Civil. Por consequência, após comparar um ato e outro, faz-se também um paralelo entre as decorrências processuais de ambos.

Por fim, devemos observar as principais questões surgidas no âmbito dos processos sobre citação e notificação e em que sentido vão as decisões dos Tribunais.

Aspectos Constitucionais

Depois de experimentarmos mais de duas décadas de regime ditatorial, o constituinte cuidou bem das garantias fundamentais, dando a elas aplicabilidade imediata (artigo 5º, parágrafo 1º, da CF/88).

No Título II da Constituição da República estão assegurados a presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII), a inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, inciso XXXV), o julgamento por autoridade competente (artigo 5º, inciso LIII), e o contraditório e a ampla defesa, sem restrição dos meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, inciso LV).

Tais preceitos são Direito e Garantias Fundamentais, limitações oponíveis ao Estado, sobre as quais não é possível impor interpretação restritiva, já que seu fundamento é a liberdade — conforme Carvalho, 2006, p. 496. De tal forma, a citação e a notificação, que consistem em dar notícia da lide ao réu, não estão restritas à formalidade. Precisam ser efetivas para que se desenvolva um processo equilibrado, com real contraditório. “Para que se possa decidir a lide, é indispensável que sejam ouvidas as partes litigantes, sem o que não haverá julgamento justo e nem garantia das liberdades constitucionais” — segundo Carvalho, 2006, p. 555.

O princípio do contraditório, para Nelson Nery Júnior: “além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório — conforme Nelson Nery Jr., apud Carvalho, 2006, p. 555.


Em última análise, o sentido material do devido processo legal é a necessidade de observar o princípio da proporcionalidade, com resguardo da vida, liberdade e proporcionalidade — segundo Carvalho, 2006, p. 555. Trata-se de “dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa” — conforme Moraes, 2007, p. 95.

Moraes propõe a seguinte distinção entre ampla defesa e contraditório: “Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor” — Moraes, 2007, p.95.

Desta forma, a notícia da lide para o réu tem que ser um ato efetivo. Caso contrário, bastasse mera formalidade, estar-se-ia admitindo um aparente cumprimento de garantias fundamentais. A existência da notícia da lide apenas no plano formal é uma derrogação, por via oblíqua, da garantia do contraditório e da ampla defesa. A mera formalidade teria como produto um processo desequilibrado, desenvolvido às escondidas, alheio ao conhecimento daquele que, pelo menos em tese, tem interesse em defender-se.

O ato de notícia da lide para o réu apenas no plano formal é uma leitura restritiva de direitos e inadequada. Impõe-se uma interpretação restritiva àquilo que o legislador jamais restringiu, buscando uma efetividade — direitos fundamentais, com aplicabilidade imediata.

A notificação trabalhista, apesar da insistência de reclamados em Processo do Trabalho, não é, em regra, uma afronta à garantia do contraditório e da ampla defesa. Com a notificação não ocorre ausência de notícia da lide para o réu. Trata-se apenas, como demonstraremos adiante, de um ato processual menos formal do que a citação do Processo Civil. A menor formalidade do ato não tem como consequência imediata a ausência de efeitos.

Contudo, é possível que uma notificação, por hipótese enviada a um endereço equivocado, não produza efeitos. Neste caso, caberá ao interessado (reclamado) a produção da prova constitutiva de seu direito para afastar o efeito de presunção da notificação. Mas essa exceção não pode ser posta no lugar da regra, com a frágil argumentação de que a informalidade da notificação é o mesmo que não-notificação e violação de garantias constitucionais.

Comparações entre citação e notificação e conseqüências processuais

No Processo Civil, o réu é cientificado da demanda através da citação. A lei a define como “ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender” — artigo 213 do CPC. Ela é indispensável para a validade do processo. Sendo citado e não realizando a defesa, recairá sobre o réu os efeitos da revelia — artigo 285 do CPC.

Na Justiça do Trabalho, este mesmo ato de noticiar a demanda ao réu, no caso o reclamado, consiste na notificação (artigo 841 da CLT). Ela é realizada pelo diretor de Secretaria da vara do Trabalho. Em regra, a notificação é enviada por meio dos Correios, com aviso de recebimento (AR ou Seed). Já na execução trabalhista, a CLT determina a citação (artigo 880).

Mauro Schiavi aponta que “a nulidade da citação [no Processo Civil, com previsão no artigo 301] pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau da jurisdição, inclusive reconhecida de ofício pelo juiz” — conforme Schiavi, 2008, p. 403. Isso pode ocorrer, por exemplo, em sede de embargos à execução, conforme artigos 741 e 756 do CPC, ou impugnação ao cumprimento de sentença, de acordo com o artigo 475-L do CPC.


Já no Processo do Trabalho, a nulidade da notificação pode ser arguida pelo reclamado a qualquer tempo, desde que antes do trânsito em julgado. Para Schiavi, após o trânsito em julgado o reclamado não pode arguir nulidade de citação em sede de embargos à execução trabalhista, porque o artigo 884 da CLT assevera que a matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida.

Para demonstrar amplitude e oportunidade de defesa no Processo do Trabalho, o doutrinador ainda destaca — conforme Schiavi, 2008, p. 403: no Processo Civil, o revel não é notificado dos atos subsequentes do processo, nem mesmo da sentença (artigo 322 do Código de Processo Penal); já no Processo do Trabalho, por força do artigo 852 da CLT, o revel é notificado da sentença. Com isso, para Schiavi, é possível na execução trabalhista arguir a nulidade da notificação da sentença (artigo 852 da CLT), mas não é possível opor nulidade da notificação inicial, prevista no artigo 841 da CLT. Para este processualista, a nulidade da notificação inicial deverá ser arguida, então, no recurso ordinário, perante o Tribunal Regional do Trabalho. E como a CLT não é omissa quanto a estas questões, é inaplicável o dispositivo do Código de Processo Civil (artigo 741).

Nesta linha de entendimento segue o TRT da 12ª Região: Nulidade da citação – Impossibilidade de arguição pelo revel na fase executória. Após o trânsito em julgado da sentença, a fase executória é inadequada para o revel arguir a nulidade por defeito da notificação para prestar depoimento pessoal. Na esfera do processo do trabalho, o momento processual oportuno para tal desiderato é o do recurso ordinário, porque a parte, mesmo revel, é intimada da sentença de mérito (art. 852 da CLT) – (TRT 12ª R – 1ª T.-AG-PET n. 206/2002.015.12.02-9-Ac. N. 11421/04 – Relª Maria do Ceo de Avelar – DJSC 14.10.04 – p. 279) (RDT n. 11 de Novembro de 2004).

Características e precedentes

Além das características expressas do artigo 841 da CLT — tais como expedição pelo diretor de Secretaria e realização por edital em certos casos —, entende-se que a notificação inicial no Processo do Trabalho é menos formal que a notícia inicial do Processo Civil — a citação. Não fica desatendida a norma constitucional do contraditório e da ampla defesa, já que não há ausência de notícia da lide.

O Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento, fez as seguintes considerações sobre as características da notificação: “A notificação inicial no processo do trabalho não tem o mesmo rigor formalístico do processo civil, bastando o seu correto endereçamento, sendo presumido o recebimento da notificação após 48 horas da expedição, incumbindo ao interessado provar o seu não-recebimento ou entrega após o decurso desse prazo. Neste sentido é firme a jurisprudência desta Corte, conforme depreende-se do Enunciado nº 16” — processo TST-ED-RR-497.854/1998.5, Guedes Amorim, TST, 2001.

A menor formalidade da notícia inicial da lide ao réu no Processo do Trabalho (notificação) é essencial para a celeridade do processo nesta Justiça especializada, em que se discute, em regra, o pagamento de parcelas de natureza alimentar.

Sobre aspectos práticos, percebe-se no dia-a-dia forense que o réu, com a notificação trabalhista, tem reduzida sua oportunidade de criar embaraços ao desenvolvimento do processo. E esta é a finalidade das regras que norteiam a notificação trabalhista, tendo em vista o objeto em discussão nestes processos.

Observa-se que a menor formalidade da notícia do processo, tendo em vista a celeridade, não é exclusividade da Justiça do Trabalho. O mesmo ocorre na Justiça Eleitoral, cujos processos têm prazos bastante reduzidos e não podem cair na morosidade, sob pena de perda do objeto com o esgotamento do prazo do mandato eletivo. Com respaldo no artigo 359 do Código Eleitoral — a Lei 4.737/65 —, o artigo 133 do Regimento Interno do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais dispõe que, na ação penal de competência originária, recebida a denúncia, o acusado será notificado por edital se criar embaraços ao cumprimento da notificação. Neste caso, será notificado para comparecer ao tribunal em cinco dias, quando terá vista dos autos por quinze dias.


No mesmo julgamento do TST há pouco citado, o reclamado pleiteava nulidade da notificação por falta de aviso de recebimento (Seed) nos autos, o que não mereceu acolhida pelo TST: “Assim, havendo regular expedição da notificação e seu encaminhamento ao endereço correto da Reclamada, tem-se que atendidos os preceitos do art. 841, § 1º da CLT. Portanto, a afirmação de que ‘a falta de devolução do SEED não gera a presunção de não entrega da notificação’ é produto da interpretação do artigo 841 da CLT, conforme jurisprudência pacífica consubstanciada no Enunciado nº 16 do TST” — processo TST-ED-RR-497.854/1998.5, Guedes Amorim, TST, 2001.

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais), pleiteou-se a nulidade da notificação porque esta, apesar de endereçada para a sede da sociedade empresária, não teve como consequência o aviso de recebimento assinado pelo proprietário da organização. Ora, além de tentar revestir a notificação de formalidade que não tem, refugia-se em argumento já afastado até mesmo em precedentes fundamentados no Processo Civil. O caso foi assim ementado: EMENTA: NOTIFICAÇÃO INICIAL. ENVIO PARA O ENDEREÇÃO DA EMPRESA. VALIDADE. No processo do trabalho a notificação se faz na forma do art. 841, parágrafo 1º da CLT, cabendo ao reclamado fazer a comprovação de que não foi recebida (Súmula 16 do TST). Comprovado que a notificação foi enviada para o endereço da reclamada, considera-se regular a citação realizada, ainda que a assinatura no comprovante de recebimento da correspondência não seja do proprietário da empresa. Não havendo nos autos qualquer prova de que a correspondência não chegou às mãos da representante legal da empresa, deve ser mantida a revelia aplicada — processo 01163-2007-152-03-00-5 RO, de relatoria do des. Luiz Ronan Neves Koury, publicado em 22/08/2008.

A notícia da lide ao réu deve ser ato efetivo, não bastando mera formalidade, sob pena de desrespeito à garantia fundamental resguardada pela Constituição. A falta da notícia da lide tem por consequência o desenvolvimento de um processo desequilibrado, atingido por vício insanável e, portanto, processo nulo.

A presunção de conhecimento da lide pelo réu que emana das regras legais da notificação trabalhista não afronta o direito ao contraditório e à ampla defesa. Os efeitos jurídicos da notificação podem ser afastados pelo reclamado se este provar a falta de efetiva notícia da demanda.

A notificação é ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender. Trata-se de ato processual revestido de menor formalidade se comparado à citação do Processo Civil. Estas características são essenciais para a celeridade do processo da Justiça especializada que discute, em regra, o inadimplemento de parcelas de natureza alimentar. Com a notificação, são reduzidas as oportunidades do réu de criar embaraços ao desenvolvimento do processo. Esta menor formalidade do ato processual, tendo em vista a necessidade de maior celeridade processual, também é verificada na Justiça Eleitoral (artigo 359, Código Eleitoral e artigo 133, do Regimento Interno do TRE-MG).

A menor formalidade da notificação trabalhista não é sinônimo de ausência de notícia da lide para o réu. Dessa forma, não há afronta ao artigo 5º, inciso LV, CF/88.

Tendo em vista ausência de omissão legal da CLT, conforme posicionamento de Schiavi — 2008, p. 403 — o artigo 741 do CPC é inaplicável à execução trabalhista para arguição de nulidade de notificação inicial no Processo do Trabalho. O adequado caminho processual para tal arguição é o recurso ordinário para o Tribunal Regional do Trabalho. No entanto, o artigo 741 do CPC poderá ser invocado em caso de nulidade da notificação de sentença no processo trabalhista. Antes da sentença do Juiz do Trabalho, o reclamado poderá constituir prova nos autos para afastar o prazo de cumprimento da notificação de presunção legal e, assim, ter restituído seu prazo para defesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do Estado e da Constituição; Direito Constitucional Positivo. 12. ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. 1078 pp.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 994 pp.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. 983 pp.

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