Questão polêmica

Controle da Polícia não depende de mudança na CF

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17 de março de 2009, 12h57

Editorial do jornal Estado de S. Paulo

A proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Ferreira Mendes, de instalar uma corregedoria judicial para controlar eventuais abusos cometidos pela Polícia Federal é mais uma iniciativa na linha do controle externo das instituições governamentais, que vem sendo implementado no país desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional 45 de 2004, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O controle externo da Polícia Federal, por uma corregedoria judicial, é decisivo para evitar o "acúmulo exagerado" de poder no órgão, disse Mendes. Sua proposta foi apresentada dias após a divulgação de uma série de investigações clandestinas e escutas telefônicas ilegais de membros do alto escalão do Executivo e do Judiciário, entre eles a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o próprio presidente do STF, além de familiares do presidente Lula, pela equipe do delegado Protógenes Queiroz, durante a Operação Satiagraha, com o apoio informal de agentes da Abin.

A proposta do presidente do Supremo, como era de esperar, foi muito mal recebida na Polícia Federal, bem como no Ministério Público e nos meios jurídicos. Juristas classificaram a iniciativa de Mendes como contraditória, pois, sob a justificativa de evitar acúmulo exagerado de poder pela polícia, ela aumentaria os poderes da Justiça. Delegados federais interpretaram a proposta de Mendes como uma retaliação contra a categoria, por causa dos excessos cometidos na Operação Satiagraha.

Afirmaram, ainda, que a criação de uma corregedoria judicial para promover o controle externo dos órgãos policiais é desnecessária, uma vez que investigadores e delegados já são submetidos ao controle disciplinar das corregedorias policiais e fiscalizados de perto por advogados de defesa, promotores e juízes. Os ministros do STF "não têm investidura nem formação para a função investigativa", diz Sérgio Roque, diretor da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol).

Por seu lado, membros do Ministério Público lembraram que o controle externo das atividades policiais é de competência exclusiva dessa instituição. A proposta de Mendes leva o Poder Judiciário "a perder a isenção", afirma o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. "Basta ver que há inúmeros Habeas Corpus no Supremo questionando a atuação do Ministério Público", conclui. Sua opinião encontra apoio no próprio STF: na semana passada, os cinco ministros que integram a 2ª Turma da Corte, ao julgarem um processo, aprovaram por unanimidade o parecer da relatora, Ellen Gracie, reconhecendo a competência legal dos promotores e procuradores para fiscalizar atividades policiais.

De fato, essa prerrogativa é mencionada expressamente no inciso VII do artigo 129 da Constituição, que define as funções institucionais do Ministério Público. Por isso, a medida defendida pelo ministro Gilmar Mendes só poderia ser aprovada na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que exige o voto favorável de três quintos dos deputados e senadores em dois turnos de votação.

Na realidade, um controle externo mais eficiente das atividades policiais não depende de mudança na Constituição, mas, isto sim, do cumprimento das regras constitucionais que estão em vigor. Os próprios promotores e procuradores reconhecem que seu trabalho deixa a desejar, por causa do velho antagonismo entre o Ministério Público e os órgãos policiais. Os atritos entre as duas corporações são frequentes. Recentemente, por exemplo, um grupo de procuradores do Distrito Federal tentou investigar uma denúncia de abuso numa repartição policial e foi barrado por delegados armados. Os procuradores só conseguiram entrar na repartição após obter um mandado de segurança.

Só com o fim dessa rivalidade corporativa é que os excessos da polícia poderão ser contidos. E isso depende mais de determinação política do Ministério Público do que de ampliação dos poderes da Justiça. A função desta instituição é julgar, não investigar.

[Editorial publicado no jornal O Estado de S.Paulo, desta terça-feira, 17 de março]

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