Interesse do público

Violação de garantias é abuso de poder do Estado

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14 de março de 2009, 14h00

A Constituição Federal de 1988, conhecida “Constituição Cidadã”, estipula em seu texto diversos róis de garantia e direitos individuais. Historicamente, pode-se dividir, entre essas garantias, os chamados direitos de primeira, segunda e terceira gerações.

Em um resumo sem rigor cientifico, mas apenas para rememorar o leitor, diz-se que os direitos de primeira geração são aqueles voltados para o Estado. Por exemplo, o direito que assegura a casa como asilo inviolável do indivíduo, ou o que garante que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. São garantias individuais em que o Estado deve ter uma conduta negativa, isto é, não deve atuar — ou, se o fizer, deve assegurar que não se viole a garantia específica.

Quanto aos direitos de segunda geração, ao contrário, seriam aqueles que exigem do Estado uma conduta positiva: direito à moradia, à segurança, à saúde. Como se percebe, do Estado exige-se que atue diretamente, a fim de estabelecer uma espécie de igualdade material.

Os direitos de terceira geração — conceito um pouco mais moderno em relação aos outros dois já expostos — tratam do direito a um mundo coeso e fraterno. Garantia, por exemplo, de um meio ambiente saudável, do patrimônio histórico e cultural conservado e da garantia das culturas étnicas.

No meio dessas garantias há, ainda, o interesse público.

Neste ponto é que reside o drama da sociedade pós 11 de setembro de 2001. Em nome do interesse público é que se garante o combate ao terrorismo. Em seu nome, luta-se também contra a corrupção.

No entanto, será que, em nome do interesse público, as garantias fundamentais devem curvar-se?

Espera-se que não. É que — e neste ponto deve-se ser ocioso — as garantias e direitos fundamentais são voltadas contra o Estado. O interesse público é tradução da vontade estatal, consubstanciada, na prática, na percepção do Governo, dos membros do Parlamento e, inclusive, da autoridade judiciária.

O conceito “interesse público”, logo se percebe, é tão amplo que alberga as mais variadas correntes. Trata-se, na verdade, de um conceito estritamente ideológico, que varia de acordo com a percepção pessoal do intérprete: seja ele o Ministro de Estado, juiz ou agente de polícia.
Em nome do interesse público é que se pretendeu, por exemplo, vetar a Lei 11.767, de 2008, que tratou de garantir a inviolabilidade do escritório de advocacia. Certamente em seu nome é que provavelmente setores contrariados ingressarão com a competente Ação Direta de Inconstitucionalidade. Referida lei, na verdade, nem necessitava ser promulgada, eis que repete o óbvio: a inviolabilidade da profissão do advogado.

No entanto, em tempos em que o interesse público ganhou uma interpretação amplíssima, faz-se necessário ser ocioso e repetitivo.

É inconcebível que, avante o século XXI, após passar-se por diversas formas e espécies de repressão às liberdades individuais, o Estado veja-se no direito de investigar, policiar e coibir a atividade do advogado, mesmo que estritamente na sua função de defender quem quer que seja, mocinho ou vilão.

Ora, nesta toada, em alguns anos certamente os padres serão chamados como testemunhas para depor o que os seus fiéis lhes confessem.

Este Estado policialesco deve ser repudiado. As garantias e os direitos fundamentais não estão a serviço de criminosos, e, sim, contra a atuação arbitrária, indevida, ilegal e imoral praticada pelos agentes do Estado. É dizer, se busca coibir o arbítrio injusto praticado pelo Estado que, no fim das contas, é representado, na ponta, por seus agentes.

No mesmo sentido é que as escutas telefônicas, na forma como anunciadas pela mídia, caminham longe da legalidade. Nem mesmo em Estado de Sítio ou de Defesa o Estado pode, por tempo indeterminado, bisbilhotar a vida alheia.

Dessa forma, o Estado, e consequentemente seus agentes, devem estar pautados na regra de que há, sim, sobreposição dos direitos e garantias fundamentais em relação ao interesse público. O interesse público, na realidade, é a garantia de que os direitos arrolados na Constituição não serão violados.

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