Município Putativo

A criação de municípios e a jurisprudência do STF

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

10 de março de 2009, 4h44

A análise da questão em torno do denominado município putativo iniciou-se com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido dos Trabalhadores em detrimento da Lei Estadual baiana 7.619/2000, que criou o município de Luís Eduardo Magalhães tendo em vista o desmembramento do município de Barreiras (Informativo 427 — Supremo Tribunal Federal).

Alega-se, na espécie, ofensa ao artigo 18, parágrafo 4º, da Constituição Federal, porquanto o referido ente fora criado em ano de eleições municipais, sem que existisse a lei complementar federal prevista no texto constitucional, a qual compete definir o período em que os municípios poderiam ser instituídos.

Sustentou-se, ainda, que o preceito da Constituição baiana que atribuíra à lei complementar estadual os requisitos para a criação de municípios teria sido revogado com o advento da Emenda Constitucional 15/96 e que a lei impugnada viola o regime democrático, uma vez que a consulta prévia constitucionalmente exigida, por meio de plebiscito, não fora realizada com a totalidade da população envolvida no processo de emancipação, tendo apenas determinado distrito se manifestado. Ademais, os estudos de viabilidade municipal foram publicados em data posterior ao citado plebiscito.

Entende-se que município putativo à semelhança do que acontece com o casamento putativo e a sociedade de fato, com base nos princípios da reserva do impossível, da continuidade do Estado Federativo, segurança jurídica, confiança, força normativa dos fatos e situação excepcional consolidada, deve continuar a existir e repercutir seus efeitos jurídicos como se criado com base na norma constitucional.

Nos termos do artigo 18, parágrafo 4°, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

(..)

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (Parágrafo com redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996).”

Todavia, considerando a excepcionalidade do caso, apesar da clara e frontal a violação do novo município em detrimento do citado dispositivo constitucional, o ministro Eros Grau julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:

“Asseverou que o aludido município fora efetivamente criado a partir de uma decisão política, assumindo existência de fato como ente federativo dotado de autonomia há mais de seis anos e que esta realidade não poderia ser ignorada. Afirmou, no ponto, que esse ente assumira existência e, desta, resultaram efeitos jurídicos. Ressaltou, ainda, que a situação existente no momento da criação do citado município era anormal, haja vista a não edição de lei complementar dentro de prazo razoável. Ponderando aparente conflito de inconstitucionalidades, quais sejam, ofensas ao parágrafo 4º do artigo 18 da CF ou ao princípio federativo, entendeu que a existência válida do município deveria ser reconhecida, para que afastar a ofensa à federação. Nesse sentido, considerou os princípios da segurança jurídica e da continuidade do Estado. Salientando que, não obstante a criação desse ente tenha implicado situação excepcional não prevista pelo direito positivo, aduziu que a declaração de improcedência do pedido não servirá de estímulo à criação de novos municípios indiscriminadamente, mas, ao contrário, servirá de apelo ao Poder Legislativo, no sentido de suprir a omissão constitucional reiteradamente consumada. Após, o ministro Gilmar Mendes pediu vista. (Informativo 427 — Supremo Tribunal Federal)”

O Supremo Tribunal Federal ainda decidiu que: “a mesma proclamação acima vale para outras duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo Procurador-Geral da República contra, respectivamente, a Lei 6.983/98, do estado do Mato Grosso, que cria o município de Santo Antônio do Leste, a partir de área desmembrada do município de Novo São Joaquim, e contra a Lei 12.294/2002, do estado de Santa Catarina, que anexa ao município de Monte Carlo a localidade Vila Arlete, desmembrada do município de Campos Novos. Em ambas as ações, também se sustenta ofensa ao artigo 18, parágrafo 4º, da CF, sob a alegação de que o desmembramento ocorrera quando ainda pendente a lei complementar federal mencionada no texto constitucional e, quanto à última, aduz-se, ainda, que apenas a população do Distrito de Vila Arlete manifestara-se sobre o referido desmembramento.”

Entretanto, existem vozes dissonantes na doutrina, como o ilustre Pedro Lenza que afirma: “embora bastante sedutora a tese, com o máximo respeito, não entendemos razoável a construção, o que poderia abrir precedentes para novas violações ao artigo 18, parágrafo 4”.

O STF ao final do julgamento da ADI 2.240-BA, à unanimidade, julgou procedente a ação direta, e, por maioria, ao não pronunciar a nulidade do ato impugnado, manteve sua vigência pelo prazo de 24 meses até que o legislador estadual estabeleça novo regramento, nos termos do voto reajustado do senhor ministro Eros Grau (relator) e do voto-vista do senhor ministro Gilmar Mendes, vencido, nesse ponto, o senhor ministro Marco Aurélio, que declarava a nulidade do ato questionado. Votou a presidente, ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o senhor ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 09.05.2007.

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    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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