Democracia imatura

Brasil tem déficit de cultura democrática, diz FHC

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10 de março de 2009, 10h23

O Brasil ainda terá de percorrer um longo caminho até poder bradar que tem uma democracia consolidada. As instituições são fortes e atuantes, mas o país tem déficit de cultura democrática. A opinião é do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. “Ainda custamos a aceitar que somos iguais perante a lei”, afirmou FHC, nessa segunda-feira (9/3), em aula inaugural do ano letivo no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em Brasília.

Fernando Henrique analisou o processo de construção das instituições brasileiras e descreveu os percalços pelos quais passou a vida institucional do país até chegar em 1988. A nova Constituição reconstruiu as instituições a partir de marcos muito mais claros de garantias e direitos, mas fez mais promessas do que o país seria capaz de cumprir.

“Nós sabíamos que estávamos colocando na Constituição objetivos difíceis de serem alcançados. Por exemplo, a saúde é um direito de todos e dever do Estado. É fácil de escrever, mas como é que se faz? Com que recursos?”, questionou.

O ex-presidente lembrou que garantias como essas geraram imensas discussões na Assembleia Constituinte, mas prevaleceu o entendimento de que, a despeito de reconhecer que seria difícil cumprir a promessa, a Constituição tinha de ser uma definidora do horizonte. “Ao definir esses horizontes, ela motivou as grandes transformações sociais.”

Para o fortalecimento da democracia, a Constituição estabeleceu o voto direto e garantiu o voto a todos os cidadãos, inclusive os analfabetos. “Houve um alargamento imenso do número de pessoas aptas a decidir como é que o país deve ser governado e por quem”, disse FHC. Para completar o quadro vieram sustentar o bom funcionamento das instituições as garantias crescentes dadas aos três poderes da República – dos quais o Judiciário vem se tornando o protagonista.

Acesso à Justiça

Fernando Henrique apontou que “a Constituição estendeu bastante o alcance do Poder Judiciário e a possibilidade de a população interpelar a Justiça em busca de seus direitos”. Como exemplo da força do Judiciário, o ex-presidente citou o Mandado de Injunção.

“Por meio desse instrumento, alguém pode requerer que seja cumprido aquilo que está estatuído na Constituição e não é posto em prática pelo Congresso e pelo governo. E se o tribunal disser que tem de cumprir, só cabe ao outro poder cumprir. Mas o instrumento não é muito utilizado porque as pessoas tem um certo realismo. Se exigir ao pé da letra tudo que tem direito, não há meio de cumprir.”

O ex-presidente disse que o poder que a Constituição deu ao Supremo Tribunal Federal não foi por acaso. Decidiu-se permitir que o Judiciário fosse o guardião dos direitos e garantias previstos na carta, assim como foi dado ao Ministério Público um status de quase quarto poder. FHC frisou a importância de se separar a Advocacia-Geral da União do Ministério Público. “Hoje, o procurador guarda a lei visando a sociedade. Não é seu papel fazer a defesa do governo. Criamos uma instituição controladora muito importante.”

O teste do impeachment, para Fernando Henrique, foi uma importante prova do vigor das novas regras constitucionais. Ele lembrou que, à época, cunhou uma frase infeliz que a imprensa não perdeu a oportunidade de ressaltar. FHC disse que impeachment é como bomba atômica. Se constrói, mas não deve ser usada. “Eu estava errado porque tinha medo do que aconteceria. Não aconteceu nada. Os progressos foram muito grandes no Brasil no sentido de consolidar as instituições democráticas.”

Lei para todos

O fato de o Brasil ter instituições fortes, que passaram por duros testes, para o ex-presidente, não garante uma democracia consolidada. “Democracia não é só a sua arquitetura. As instituições estão consolidadas, mas a democracia depende de como se faz as instituições funcionarem. E aí as coisas são mais complicadas.”

Para Fernando Henrique Cardoso, o sistema de eleições proporcional e uninominal para a Câmara dos Deputados é equivocado e só existe no Brasil e em “mais dois ou três países atrasados”. O sistema faz serem eleitas pessoas que não têm o voto da maioria. No Congresso, cada um é um partido.

“As características do nosso sistema tem levado a um distanciamento crescente entre representado e representante. Dificulta a autenticidade da representação.” Por isso, entende FHC, apesar das garantias e liberdades individuais estarem sólidas, o sistema não permite que seja colocada em prática a principal garantia da democracia, que é o voto, representa menos.

O ex-presidente ressaltou que não tem uma visão pessimista da democracia no Brasil. Segundo ele, o país está caminhando para a consolidação democrática. Os dias de hoje são melhores que os de ontem, mas falta outro obstáculo fundamental: o respeito à lei. “Não existe democracia sem cultura democrática”.

Fernando Henrique afirmou que ainda está muito enraizada no Brasil a expressão “você sabe com quem está falando?” e a cultura de que primeiro é preciso me beneficiar e beneficiar os meus próximos, depois vemos como fica a sociedade. “Custa-nos muito observar as regras” Para FHC, é preciso mudar as regras de comportamento e de valores, deixar de misturar o que é público e o que é privado. “Melhoramos muito nos últimos 20 anos, mas ainda estamos no meio do caminho desse processo.”

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