Financiamento e corrupção

Debate sobre financiamento de campanha tem avançado

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9 de março de 2009, 16h30

A questão do financiamento das campanhas eleitorais é um tema bastante delicado e difícil, sendo um dos principais desafios do direito eleitoral em todo o mundo. No Brasil, diante dos escabrosos casos de corrupção e formação de esquemas (na verdade, “quadrilhas”), muitos advogam a tese do financiamento público de campanhas eleitorais, como forma de evitar a corrupção.

No entanto, parece ser ingenuidade acreditar que o financiamento público de campanhas pode acabar com a corrupção ou com o chamado “caixa 2” nas campanhas eleitorais. Mesmo com financiamento público exclusivo, há forte probabilidade de diversos candidatos utilizarem outras fontes de recursos nas campanhas eleitorais.

A profissionalização das campanhas eleitorais, os novos meios de comunicação e métodos de campanha, o universo crescente de eleitores e seu descrédito geram a necessidade de recursos cada vez mais elevados para custeio das campanhas políticas. Some-se a isto a exigência, cada vez maior, de cabos eleitorais (pretendendo vantagens imediatas, principalmente materiais e pecuniárias), e o desinteresse por parte de vários financiadores, pela diminuição da presença estatal em setores de sua atuação (por ex., em decorrência de privatizações), por dificuldades financeiras e redução de custos e para não estarem relacionados com determinados partidos e candidatos. Custos de campanha maiores e escassez de recursos originam uma maior tendência à corrupção, para financiamento de campanhas.

O problema não é só local. Tirante alguns exemplos de governantes de países pobres que fazem imensas fortunas em governos, não é raro descobertas de indícios de corrupção e financiamento ilegal de campanhas nos mais diversos países desenvolvidos. Grande parte para financiamento de campanhas.

As conseqüências são gravíssimas. Além da questão moral e do descrédito da população no sistema político, o custo da corrupção nos preços e sua estimativa de participação no Produto Interno alcançam níveis recordes, prejudicando o desenvolvimento econômico.

Sob tal enfoque deve ser tratada a questão do financiamento público das campanhas, bem menos oneroso ao país do que o custo da corrupção. Por enquanto, a lei prevê apenas o financiamento privado e o repasse dos recursos do Fundo Partidário. Mas, em termos de custo/benefício, pode ser bem mais barato o financiamento público do que o custo de muitos dos atuais “esquemas” de obtenção de recursos para campanhas eleitorais, que acabam sendo pagos pelos contribuintes ou repassados para os consumidores, além de prejudicar o país, por diminuir o interesse dos investidores (locais ou estrangeiros).

Outras vantagens do financiamento público são permitir maior igualdade entre os candidatos e fiscalização da aplicação dos recursos. Um dos entraves ao financiamento público de campanhas no Brasil é a proliferação de partidos, o que permitiria que siglas sem legitimidade recebessem recursos que poderiam ser desviados para outras finalidades. Tome-se o caso das “legendas de aluguel”.

Com isto, um partido receberia recursos públicos e, ao invés de utilizar para propaganda de seus candidatos, poderia destiná-los à críticas a concorrentes, favorecendo outros partidos na disputa. Por isto, o financiamento público deve vir acompanhado de uma reforma no sistema partidário, com regras mais severas para criação e manutenção de partidos políticos (cf. Joel Cândido, Direito eleitoral brasileiro, 11ª ed., Bauru, Edipro, 2004, p. 539). Além disto, um controle maior sobre eventuais doações particulares (se forem permitidas), evitando desequilíbrio na disputa e abuso de poder econômico, justamente o que o financiamento público das campanhas procura coibir.

De qualquer forma, o debate sobre o assunto tem avançado no Brasil.

Quando da edição do Código Eleitoral, previa-se que as despesas das campanhas eram apenas dos partidos, sendo proibido o custeio pelos candidatos (art. 241). Regra, aliás, dificilmente seguida, principalmente em campanhas proporcionais (cf. Lauro Barreto, Comentários à lei das eleições: Lei n. 9.504/97 e alterações, Bauru, Edipro, 2000, p. 85, e José Antônio Almeida, Eleições 96: comentários à Lei 9.100, Brasília, Brasília Jurídica, 1996, p. 69).

Após o impeachment do Presidente da República em 1992, motivado por inúmeras denúncias de prática de corrupção e desvio de dinheiro público, a discussão tornou-se mais acentuada. Houve significativo avanço, com uma maior transparência quanto à arrecadação de recursos e gastos nas leis eleitorais posteriores.

Na elaboração da atual lei eleitoral (Lei 9.504/97), chegou-se a prever a possibilidade de financiamento público, que foi descartada por alegadas razões orçamentárias, embora alguns acreditem que a medida objetivava evitar a destinação de recursos às candidaturas de oposição nas eleições seguintes, diante da pretensão de reeleição do então mandatário-mor (cf. Lauro Barreto, Comentários à lei das eleições: Lei 9.504/97 e alterações, Bauru, Edipro, 2000, p. 215).

Com isto, no texto final da lei, em seu artigo 79, somente há previsão de elaboração de lei específica a respeito do financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos. A referência a lei específica apenas indica que intenção do legislador em introduzir e disciplinar o financiamento público das campanhas, em lei futura. Não implica, necessariamente, a disciplina da matéria em lei exclusiva sobre o tema. A tendência é a aprovação de proposição que inclua na lei eleitoral atual a matéria.

A Comissão de Reforma Política do Senado Federal (Relatório final, XIV) também já se manifestou favoravelmente ao financiamento público das campanhas eleitorais, com projeto específico (PLS 353/99), através da destinação de recursos de sete reais por eleitor ao Fundo Partidário, para distribuição entre os partidos, com a vedação do recebimento de qualquer outro tipo de doação, seja de pessoa física ou jurídica, exceto os gastos pessoais do eleitor de até mil UFIR.

Merece reflexão eventual co-existência de possibilidade de financiamento público com doações de pessoas físicas, ainda que limitadas. A favor, a possibilidade de livre expressão do cidadão e o fortalecimento dos partidos com maiores raízes na sociedade (cf. Santiago Gonzalez-Veras Ibáñez, La financiacion de los partidos politicos, Madrid, Dykinson, 1995, p. 22). Por outro lado, a possibilidade de desigualdade de condições entre os candidatos, justamente o que a ideia de financiamento público procura evitar, embora se deva reconhecer que a diferença decorra não das condições oferecidas, mas em razão da maior aceitação popular, o que é plenamente justificável.

O que mais se deve temer é a possibilidade de fraude. A vedação de possibilidade de doação em dinheiro não impede as pessoas físicas de exercerem a sua cidadania e participarem de campanhas eleitorais. Podem fazê-lo através de presença em atos de campanha, manifestações de apoio a através de pedidos diretos de voto, tudo dentro dos limites legais.

Vê-se que, ainda que a passos lentos, a discussão sobre financiamento público de campanhas está ocorrendo no Brasil. Mas parece que o problema ainda está longe de ser resolvido. Junto com o financiamento público, deve vir uma reforma partidária, controle mais efetivo do abuso de poder político, econômico e dos meios de comunicação, busca de maior moralidade nas práticas administrativas e eleitorais, maior fiscalização e rigor da Justiça Eleitoral na aplicação de recursos e no julgamento das prestações de contas dos candidatos.

Em suma, não obstante as diversas vantagens do financiamento público de campanhas, não se deve tê-lo como uma panacéia que pode resolver os problemas de nosso sistema eleitoral. A medida deve vir acompanhada de muitas outras. E não se deve ter a ilusão de que o financiamento público pode acabar com a corrupção ou o caixa 2, pois a eliminação de tais deve ser feitas com mudança nas práticas políticas e maior fiscalização, e não apenas com a alteração na fonte de custeio das campanhas.

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