Olho no mercado

Na crise, é preciso recrudescer política antitruste

Autor

28 de maio de 2009, 13h57

Arthur Badin - SpaccaSpacca" data-GUID="arthur-badin1.jpeg">

A ideia recorrente de que em tempos de crise a análise dos atos de concentração de mercado, como fusões e aquisições, tem de ser mais leve não agrada ao presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin. “As crises econômicas são usadas, não raras vezes, como pretexto para que determinados interesses econômicos ou políticos subjuguem as regras e as normas de defesa da concorrência”, afirma Badin.

Para o presidente do Cade, ao invés de afrouxar a corda, a história ensina que é preciso até recrudescer a análise das fusões. Badin sustenta que a crise mundial surgida com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929 foi agravada na década de 1930 por conta de políticas de concentração de mercado. “O Estado favoreceu a criação de cartéis na economia e agravou a crise.”

No comando do Cade há seis meses, Badin é considerado intransigente no que diz respeito ao cumprimento das determinações do Conselho e das regras antitruste. Essa postura criou problemas para que tomasse posse da presidência, mas é graça a ela que o Cade vem ganhando campo e respeito. Prova disso é a postura de empresas que, muitas vezes, ao comunicar uma aquisição, já trazem ao Conselho fórmulas para mitigar os prejuízos à concorrência.

A boa posição do Cade no quadro institucional também pode ser medida pelo ato das gigantes de alimentos Sadia e Perdigão. Depois de anunciar a fusão, decidiram manter operações ainda separadas até a aprovação do negócio pelo Conselho. A cautela também poderia ser atribuída a resquícios do trauma da compra da Garoto pela Nestlé, que até hoje é discutida judicialmente? Para Badin, não: “A cautela se deve mais à postura de rigor na defesa da concorrência que o Cade adotou nos últimos tempos”.

Nesta entrevista concedida à revista Consultor Jurídico em seu gabinete, na sede do Cade, Badin explicou como ficará o órgão com a reforma que está em andamento no Congresso e porque ela é importante para o país, no que diz respeito à concorrência. O presidente do Cade também revelou que 83% das decisões do Conselho contestadas na Justiça são mantidas, reclamou de liminares sem fundamento e falou sobre a discussão em torno da competência do órgão para analisar fusões entre bancos e teles.

Arthur Badin tem 33 anos de idade, se formou pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1998, é mestre em Direito Empresarial pela PUC-SP e em Defesa da Concorrência pela Fundação Getúlio Vargas, também de São Paulo. Chegou a Brasília em 2003, com a equipe do recém-nomeado ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e chefiou o gabinete do então secretário de Direito Econômico Daniel Goldberg.

Quando assumiu a Procuradoria do Cade no final de 2005, o Conselho já era outro e atuava, de fato, na regulação do mercado concorrencial. Até 2003, 75% das decisões do Cade eram condenações de cooperativas médicas, como a Unimed, por conta de cláusulas de exclusividade na militância de médicos ou por conta da tabela de serviços médicos. Alguns números revelam o resultado do trabalho de Badin. Em 2005, foram inscritos em dívida ativa R$ 1,5 milhão de multas aplicadas pelo Cade. Entre 2006 e 2007, em seu primeiro mandato como procurador, foram inscritos R$ 800 milhões. Nas palavras de Badin, o Cade deixou de ser um leão sem dentes.

Leia a entrevista

ConJur — Sadia e Perdigão anunciaram fusão há quase dez dias, mas manterão as operações ainda separadas até a aprovação do negócio pelo Cade. Isso revela que as próprias empresas apoiam a análise prévia dos atos, como prevê o projeto que reestrutura o sistema de defesa da concorrência?
Arthur Badin Os grandes beneficiários do sistema de análise prévia são os empresários e os negócios, porque ela dá segurança jurídica aos investimentos. Não sei quais as razões que levaram Sadia e Perdigão a manterem operações separadas até a aprovação, mas considero um sinal de respeito, de deferência à autoridade de defesa da concorrência brasileira.

ConJur — Essa cautela também não é resquício do trauma causado no mercado por casos como a compra da Garoto pela Nestlé em 2002, negócio que foi desaprovado pelo Cade em 2004 e até hoje é discutido na Justiça?
Badin Acho que a cautela se deve mais à postura de rigor na defesa da concorrência que o Cade adotou nos últimos tempos. Já houve situações de empresas, antes de fechar a operação, consultar o órgão antitruste. Também há casos em que as empresas comunicam a fusão e já trazem remédios para mitigar os prejuízos à concorrência.

ConJur — Por exemplo?
Badin Na fusão entre as empresas Suzano e Ripasa [a fusão ocorreu no início de 2005. A Ripasa era a sétima maior indústria de papel e celulose do país e foi adquirida pelos grupos Votorantin e Suzano], houve essa preocupação de apresentar salvaguardas concorrenciais. Esse é um processo de amadurecimento institucional que não se deve necessariamente ao caso Nestlé-Garoto.

ConJur — A análise prévia resolveria o problema de segurança jurídica dos negócios? Isso está previsto no projeto que reestrutura o Cade. Quais os principais pontos do projeto?
BadinSão quatro os principais objetivos da reforma do Cade. Em primeiro lugar, simplificar o processo de análise de atos de concentração. Mas mais importante do que a análise prévia dos atos, são os prazos improrrogáveis para análise. O Cade tem de proferir decisão em até 20 dias depois da apresentação do negócio.

ConJur — E se o Cade não decidir nesse prazo?
Badin A fusão ou aquisição é automaticamente aprovada. Com a reforma, o Brasil adere às práticas internacionais de países que têm controle de estrutura de mercado. O segundo grande objetivo do projeto é a unificação institucional. Hoje, um processo de concentração pode transitar por mais de cinco órgãos diferentes, uma verdadeira via crucis onde cada órgão faz uma análise, dá um parecer.

ConJur — Quais são esses órgãos?
Badin — O processo pode tramitar pela respectiva agência reguladora, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, pela Secretaria do Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério Público Federal. Só depois chega ao conselheiro-relator e, então, vai a julgamento pelo Plenário do Cade. O projeto que reforma o sistema unifica essa estrutura e evita que haja diversos pareceres sobre a mesma questão. Assim, torna possível uma análise prévia e célere, além de reduzir custos.

ConJur — O projeto também aumenta o quadro de pessoal no Cade?
BadinAumenta o número de técnicos responsáveis pelas investigações e pelas análises. Hoje, são 16 técnicos que cuidam das investigações contra cartéis no Brasil. É muito pouco. Uma operação de busca e apreensão em três estabelecimentos comerciais ao mesmo tempo — e essa é a média nos casos de busca e apreensão — envolve pelo menos 12 pessoas. Então, a secretaria praticamente fecha para dar conta de uma operação. O Brasil hoje é a vedete do mundo. A autoridade antitruste americana, recentemente, declarou que o Brasil é o país cuja jurisdição mais avançou e que melhor implementou os mecanismos de combate a cartéis. Ao mesmo tempo, essa estrutura enxuta é motivo de piada. O projeto visa resolver também isso.

ConJur — Com o aumento da estrutura, o senhor considera que o Cade conseguirá analisar os casos em até 20 dias?
Badin Os atos de concentração simples, que são cerca 90% dos casos que nos são submetidos, deverão merecer decisão final em até 20 dias. Nos casos mais complexos, o Cade pode requerer novas informações e o prazo de análise é estendido para até seis meses. O sistema funciona assim na União Européia e nos Estados Unidos.

ConJur — Quais critérios diferenciam um caso simples de um complexo? Concentração de mercado ou dinheiro envolvido?
Badin Serão definidas as informações que terão de ser apresentadas nos atos de concentração submetidos ao Cade. Essas informações são suficientes para identificar os casos simples, que tramitam hoje pelo procedimento sumário. Nas operações mais complexas, será necessária uma segunda requisição de informações. São estes os casos nos quais o prazo se estende. E pode se estender também nos casos em que for necessária a imposição de restrições como venda de ativos, alteração de cláusulas contratuais ou até o desfazimento da operação.

ConJur — Quais os entraves para a aprovação da reforma do Cade no Congresso?
Badin Eu não vejo oposição ao projeto, mas é uma proposta grande, muito técnica e que exige análise cuidadosa. O Congresso Nacional demonstrou interesse ao criar uma comissão especial para debater o projeto e vem demonstrando senso de urgência para sua aprovação. Tanto que foi a única proposta da agenda de reformas micro-econômicas, institucionais, que melhoram o ambiente de negócios no país, que foi aprovado no final do ano passado na Câmara dos Deputados. No Senado, tem tramitado muito bem. Vários senadores já manifestaram a sua preocupação de que esse projeto tem que ser aprovado rapidamente porque o Brasil está enfrentando a crise, mas poderia enfrentá-la muito melhor se reduzisse os entraves burocráticos à realização de negócios no país.

ConJur — Mas se o projeto não for aprovado este ano, em 2010, com as eleições, fica mais difícil.
Badin Fica. Esse é um dos motivos pelos quais eu vejo 2009 como uma janela de oportunidade. A crise também torna os parlamentares mais sensíveis para a importância da aprovação dessa agenda de reformas e melhorias do ambiente de negócios. Ano eleitoral é naturalmente difícil para a tramitação de projetos complexos e técnicos como esse, que tem mais de 150 artigos. Acho que é natural que cada um tenha sugestões sobre como melhorar a redação de um artigo ou de outro, mas se ficarmos esperando pelo excelente, vamos perder o muito bom.

ConJur — O senhor pode dar exemplos de sugestões que são feitas para aprimorar o projeto?
Badin Por exemplo, o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac), importante associação brasileira, manifestou seu apoio de forma inequívoca ao projeto. Como os advogados que formam a associação trabalham na frente de batalha, eles têm uma posição privilegiada para enxergar as arestas. Eles afirmam, por exemplo, que o projeto não deixa bem claro quem pode propor Ação Civil Pública por danos causados por infrações contra a ordem econômica. Há outros pontos com pequenas arestas, reconheço. Mas se ponderarmos os prós e contras do projeto, veremos que o balanço é positivo. Se for aprovado como está, já trará ao Brasil um avanço substancial na defesa da concorrência.

ConJur — Há países com o mesmo modelo atual do Brasil, em que a análise dos negócios é posterior e, na prática, sem prazos definidos?
Badin Nem todos os países têm controle de estrutura do mercado, ou seja, análise de atos de concentração. O Chile, por exemplo, tem boa jurisdição antitruste, mas não tem essa estrutura de controle. Dos países que têm análise de atos de concentração, só o Brasil faz o controle depois que a operação é fechada.

ConJur — Das decisões do Cade contestadas na Justiça, quantas são cassadas?
Badin A maior parte das decisões é mantida. Um levantamento feito no final de 2006 revela isso. Mais de 80% das multas por intempestividade, por exemplo, são pagas sem questionamento. As empresas têm 15 dias para comunicar um ato de concentração. Se não comunica, leva multa. Em relação às obrigações de fazer, quando o Cade determina, por exemplo, a venda de parte da empresa, quase todas são contestadas no Judiciário.

ConJur — Quantas são mantidas?
Badin De 1983 a 2007, 83% das decisões do Cade questionadas em juízo foram mantidas pelo Judiciário. Ou seja, só 17% foram anuladas ou reformadas, total ou parcialmente.

ConJur — O senhor considera só decisões definitivas ou também liminares?
Badin Apenas sentenças e acórdãos. Liminares não estão nesse levantamento. As liminares são um problema singular para o Cade. No mérito, depois que o Judiciário estuda e analisa o caso, as decisões do Cade têm sido respaldadas. O grande problema do controle jurisdicional das decisões, não só do Cade, mas das políticas públicas, é o que eu chamo de certa prodigalidade na concessão de liminares, porque acaba tornando praticamente ineficaz qualquer decisão administrativa. É o famoso “dou a liminar para analisar com calma depois”. Então, a liminar é dada sem qualquer consideração à fumaça do bom direito. Quando o Cade manda desfazer uma operação, a posição mais confortável para o juiz é suspender a decisão para analisar com calma o mérito. Mas esse “analisar com calma” do Judiciário tem durado, em média, 14 anos, segundo cálculos do Conselho Nacional de Justiça. A economia é uma realidade dinâmica. Se demorar muito para a decisão ser efetivada, ela se torna ineficaz.

ConJur — Até o remédio chegar, o paciente já morreu…
BadinOu o remédio se torna ineficiente. O grande equívoco nesses casos é acreditar que as empresas não podem suportar o risco de cumprir uma decisão do Cade que, no futuro, pode vir a ser anulada. Quem perde quando a decisão do Cade não é cumprida é a sociedade, é a economia, são todos os consumidores brasileiros. Então, eu pergunto: se 83% das decisões do Cade são mantidas no mérito e ao final, na dúvida, o juiz deveria manter essa decisão, não suspendê-la com uma liminar. Em último caso, se a decisão do Cade for cumprida e se verificar que ela foi indevida, que é nula, a empresa tem direito de buscar, no Judiciário, uma indenização. Mas a sociedade não tem como reparar os danos que são causados pela concentração econômica durante o tempo de discussão judicial.

ConJur — O Cade ainda enfrenta muitas batalhas acerca de suas competências, por exemplo, para análise de fusões entre bancos e teles?
Badin Em relação ao sistema financeiro, havia uma dúvida surgida em 2000 a respeito da interpretação conjugada da Lei 4.595, que é a lei do sistema financeiro nacional, e da Lei 8.884, que é a lei de defesa da concorrência. Alguns defendiam que as fusões de bancos, as aquisições e as condutas anticompetitivas, no âmbito do sistema financeiro, seriam competência exclusiva do Banco Central. Outros, que o Cade tinha competência para analisar essas operações, pois não há razão para tratar o sistema financeiro de forma diferente dos outros setores da economia.

ConJur — Em que pé está a discussão?
Badin Por conta dessa dúvida jurídica, surgiu um parecer normativo da Advocacia-Geral da União, em 2001, que respaldou a tese de que só o Banco Central teria competência. O Cade, à época, tomou uma decisão importante para a construção constitucional, no seguinte sentido: o Cade tem sim competência para atuar no sistema financeiro e não se subordina às decisões do presidente da República ou da AGU. Essa discussão foi levada para o Judiciário e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na decisão final de 2007, reconheceu duas coisas. Primeira: o Cade tem competência para analisar fusões, aquisições e condutas anticompetitivas no âmbito do sistema financeiro nacional. Segunda: o Cade não pode ter a sua competência ou as suas decisões condicionadas de qualquer forma a uma decisão do Poder Executivo porque senão não há independência.

ConJur — Essa discussão, hoje, está no STJ, não?
Badin A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça e está sob a relatoria da ministra Eliana Calmon. Seria julgado no final do ano passado, mas estamos tentando dirimir esse litígio administrativamente. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, me procurou e tivemos uma reunião na qual concordamos que uma decisão judicial para dirimir essa questão é a pior solução possível porque ela não regulamenta. Ela só diz se tem competência ou não, mas não diz como a competência deve ser exercida. Então, foi assinado pelo Cade, pelo Banco Central e pela AGU, no final do ano passado, um protocolo de entendimentos que foi protocolado para a ministra Eliana Calmon, dizendo que não há mais conflito. Tanto o Cade como o Banco Central reconhecem as suas competências.

ConJur — De que forma?
Badin O Banco Central faz a análise das operações e, se ele achar que há risco sistêmico, ele pode rejeitar a operação e não precisa encaminhar ao Cade. Se entender que a operação não tem risco nenhum para o mercado, ele encaminha o processo para o Cade, que toma a decisão. Esse procedimento já foi seguido nos casos das fusões Unibanco-Itaú e Banco do Brasil-Nossa Caixa.

ConJur — Então, não há mais discussão?
Badin O problema é que foi prometido pela AGU a revisão do parecer para janeiro. Nós estamos chegando em junho e não houve essa revisão. O pior dos mundos é o mundo da incerteza jurídica. A minha expectativa é de que, se não houver logo essa revisão, o STJ julgue definitivamente a matéria. Não é por uma briga de competências, mas por uma definição do tema.

ConJur — Como funciona no caso de operações entre teles, como a compra da Brasil Telecom pela OI?
Badin Telecomunicações é um mercado que, ao contrário de todos os outros mercados – regulados ou não –, quem faz a instrução, o estudo do processo e dá o parecer é Agência Nacional de Telecomunicações, não a Secretaria de Acompanhamento Econômico ou a Secretaria do Direito Econômico. Em todos os outros mercados, quem faz essa análise concorrencial são essas duas secretarias. A única exceção são as telecomunicações.

ConJur — Por quê?
Badin É difícil de explicar.

ConJur — Se é difícil explicar, é por que não tem motivo?
BadinEu acho que não tem motivo. Há um mês houve audiência pública no Senado para discutir o projeto de lei e lá estava presente o professor Carlos Ary Sundfeld, um dos autores do anteprojeto da Lei Geral de Telecomunicações. Para minha surpresa, ele disse que hoje essa regra está superada. Ele disse que, em 1996, quando veio a lei, o Cade tinha dois anos e, por isso, houve o entendimento de que seria melhor deferir ao órgão regulador a instrução concorrencial. Mas, hoje, a defesa da concorrência no Brasil se estruturou, profissionalizou e evoluiu muito. É a opinião de quem fez a lei. Por isso, não faz sentido manter essa peculiaridade em relação a esse setor. Telecomunicações é um dos setores que mais trouxe investimentos para o Brasil, é importantíssimo. Mas é tão importante quanto o sistema financeiro, gás e petróleo, seguros privados, todos os outros mercados regulados.

ConJur — A OI comprou a Brasil Telecom. A Gol adquiriu a Varig. A Sadia se funde com a Perdigão. Isso é concentração de mercado. Em tese, concorrência menor implica em piora de serviços e aumento de preços. O que o Cade faz para defender o consumidor nesses casos?
Badin — O Cade se preocupa, para usar um termo técnico, com a maximização do bem estar, com a maximização de riqueza na economia. Como essa riqueza é maximizada? Com concorrência. Quanto maior a concorrência, os preços tendem a ser menores. Quando os preços diminuem, a tendência é que haja uma maior quantidade de produtos ofertados no mercado, ou seja, mais pessoas podem consumir aquele produto. Aplica-se a noção de direito difuso para o funcionamento da ordem econômica. O mercado funcionando bem é um direito difuso pertencente a todos os cidadãos brasileiros, mesmo àqueles que não consomem. Quando o Cade analisa as fusões, ele olha exatamente o impacto delas no mercado, para impedir que a sociedade seja prejudicada.

ConJur — O Cade tem que julgar os casos com os olhos na crise?
Badin É preciso fazer uma advertência. As crises econômicas são usadas, não raras vezes, como pretexto para que determinados interesses econômicos ou políticos subjuguem as regras e as normas de defesa da concorrência. Na década de 30, o mundo vivia uma situação muito parecida com a atual. Logo após a quebra da Bolsa de 1929, toma posse nos Estados Unidos o presidente Franklin Roosevelt com uma grande expectativa popular e mundial de que resolveria o problema. E quais foram as políticas adotadas nos primeiros anos do New Deal? Protecionismo, limitação do comércio internacional. O Estado favoreceu a criação de cartéis na economia.

ConJur — Com que argumento?
Badin O de que em momentos de crise é preciso criar grandes campeões nacionais para ganhar mercado no exterior. Isso agravou a crise. Muitos dizem que essas medidas de diminuição do comércio internacional, e mesmo local, acabou gerando o agravamento da crise que, no limite, levou à Segunda Grande Guerra. É preciso estar atento para não cair na mesma cantilena da década de 30. Para enfrentar a crise, é preciso recrudescer a política antitruste. Claro que há situações a serem analisadas com cuidado. Com base em critérios objetivos e requisitos claros, há casos em que se pode admitir uma concentração para preservar a manutenção daqueles ativos no mercado. A ideia é: se a empresa vai quebrar e ninguém pode assumir esses ativos, é melhor que haja concentração do que a quebra. Neste caso, haverá concentração de qualquer maneira, porque se ela quebrar, seu concorrente tomará conta do mercado. Mas isso não significa que, na crise, tudo tem de ser aprovado. É preciso de critérios e análises muito técnicas.

ConJur — Ou seja, Sadia e Perdigão não encontrarão mais facilidades do que a Nestlé porque o momento é de crise.
Badin Exatamente.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!