Rotação na OMC

Ministra atribui perda da vaga a questão geopolítica

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27 de maio de 2009, 19h56

A ministra Ellen Gracie atribuiu a perda da vaga na Organização Mundial do Comércio (OMC) para o advogado mexicano Ricardo Ramirez à conjuntura geopolítica. “O Brasil foi mais prejudicado por suas qualidades do que por seus defeitos. O país é o ‘new kid on the block’. E isso gera resistências, vide a posição dos Estados Unidos e da China a favor do candidato do México”, disse a ministra em entrevista concedida à colunista Renata Lo Prete, do jornal Folha de S.Paulo

Ellen Gracie afirmou que havia uma resistência regional, já que a Argentina lançou candidato próprio. Além disso, disse a ministra, como o Brasil já havia ocupado o cargo por oito anos, prevaleceu a ideia de rotação.

A ministra entende que a perda da vaga não foi culpa sua ou do Itamaraty. Ela também afirmou que a derrota não foi por lhe faltar conhecimento específico. "É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos. Me preparei durante estes últimos seis meses com a seriedade necessária.”

Em relação à vaga para a Corte de Haia, a ministra disse que nunca se lançou candidata. “Desde o início estava claro que o candidato brasileiro era o professor Cançado Trindade. E eu estava iniciando minha gestão na presidência do STF”, explicou. Segundo ela, é provável que a ideia de que seria candidata tenha se propagado por ter formado um grupo de estudos, no Supremo, sobre a convenção de Haia a respeito de sequestro de menores.

Ellen Gracie não pretende deixar o Supremo. Quanto a eventual mal estar com seus colegas — alguns ministros teriam reclamado de Ellen por ela ter deixado o tribunal de lado para se empenhar na campanha para a vaga —, a ministra disse que não recebeu nenhuma queixa pessoalmente. “Antes e agora, só recebi manifestações de apreço.”

Leia a entrevista concedida à Folha.

A senhora considera a escolha do mexicano Ricardo Ramirez para a corte de apelação da OMC uma derrota sua ou do governo Lula?
Ellen Gracie — Nem uma coisa nem outra. É necessário fazer um histórico. Cerca de um ano atrás, o professor Luiz Olavo Baptista me procurou para dizer que pretendia deixar o cargo por motivos pessoais. Ele considerava importante o Brasil manter a posição. Uma candidatura de alta hierarquia poderia contribuir para isso. E ele me conhece há 30 anos. Não foi uma escolha aleatória. Depois disso fiz contato com o chanceler Celso Amorim, para verificar a viabilidade do projeto do ponto de vista do Itamaraty. Ele concordou e trabalhou pela candidatura. Quero deixar registrado que o Itamaraty foi impecável ao longo de todo o processo. O próprio presidente da República se empenhou. Ocorre que essas escolhas não são simples. Não são um Gre-Nal. Podemos dizer que o Brasil foi mais prejudicado por suas qualidades do que por seus defeitos. O Brasil é o "new kid on the block". E isso gera resistências, vide a posição dos EUA e da China a favor do candidato do México. Houve também resistência regional a Argentina lançou seu próprio candidato. O Brasil já havia ocupado o cargo por oito anos. Prevaleceu a ideia de rotação. Enfim, são circunstâncias complexas.

A senhora discorda, então, da interpretação de que lhe faltava experiência técnica para o cargo na comparação com o currículo de Ramirez?
Ellen Gracie — Os quatro candidatos eram altamente habilitados [além de Brasil, México e Argentina, também a Costa Rica lançou um nome]. E trata-se de um posto de natureza quase judicial, de interpretação dos marcos legais. É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos. Me preparei durante estes últimos seis meses com a seriedade necessária. Respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Não houve nada que me embaraçasse. E vale lembrar que o órgão já foi composto anteriormente por dois ministros de Corte Suprema [da Austrália e das Filipinas]. Não é como na história da raposa e das uvas. Não vou agora sugerir que as uvas estavam verdes. É claro que eu gostaria de ter sido escolhida. Mas não me sinto pessoalmente derrotada.

Sua escolha era dada no mínimo como provável no noticiário local. Houve exagero na descrição de suas chances ou reversão de favoritismo?
Ellen Gracie — Acho que atitude positiva da imprensa é natural. E, até as vésperas da escolha, as sinalizações vindas de Genebra eram favoráveis. Uma motivação mais ampla de ordem de geopolítica deve ter determinado essa reversão.

Colegas de STF estavam incomodados com suas ausências durante a campanha pela vaga na OMC. Alegavam que a situação era demeritória para o Supremo.
Ellen Gracie — Li isso na imprensa. Pessoalmente, nunca recebi reparo de colega nenhum. Até porque comuniquei previamente a eles antes de autorizar o lançamento da candidatura. Antes e agora, só recebi manifestações de apreço. Agora, divergências de opinião acontecem em qualquer família. Sempre fui ciosa das minhas atribuições e constante na minha produção. Viajei por absoluta necessidade. Não havia como disputar o cargo sem fazer essas viagens. Elas não prejudicaram em nada o andamento do tribunal. Por isso mesmo o STF é um colegiado.

O fato de que a senhora já tentou sair por duas vezes não pode levar à conclusão de que agora ficará no STF apenas por falta de opção?
Ellen Gracie — É um bom momento para esclarecer isso. A história de Haia foi noticiada e continuou sendo repetida, mas jamais postulei aquela vaga. Desde o início estava claro que o candidato brasileiro era o professor Cançado Trindade. E eu estava iniciando minha gestão na presidência do STF. Isso não existiu. Talvez a ideia tenha se propagado porque formei no STF um grupo de estudos sobre a convenção de Haia a respeito de sequestro de menores [agora discutida a propósito do caso do menino Sean]. As pessoas confundiram. Chegou a haver uma manifestação de apoio do presidente da República. Mas eu própria nunca pleiteei.

Por que a senhora quis sair do STF?
Ellen Gracie — No âmbito nacional, o Supremo é o máximo a que se pode aspirar. Mas a vaga na OMC é uma posição importantíssima no que diz respeito ao comércio internacional. Especialmente em tempos de crise, com o protecionismo em alta, esses mecanismos têm de funcionar para impedir um retrocesso. Minha candidatura foi ditada pelo interesse nacional.

Ainda quer sair do Supremo?
Ellen Gracie — Não. Esta foi uma conjuntura especial, em razão das pessoas envolvidas, entre elas um velho amigo. Agora retomo o meu trabalho, que aliás nunca foi interrompido.

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