A cobra e o vagalume

"CNJ não sabe o que é julgar", diz Bellocchi

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27 de maio de 2009, 17h10

“Uma manifestação de aleivosia, dirigida para a plateia e feita por despreparo, primeiro, pela falta de vivência e, segundo, por ausência de conhecimento dos assuntos que envolvem o maior tribunal do país.” Esse foi o tom da reação dos desembargadores paulistas à decisão do Conselho Nacional de Justiça que, na terça-feira (26/5), instaurou processo de reclamação disciplinar contra o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Roberto Vallim Bellocchi.

Na mesma sessão, o CNJ ordenou a suspensão do chamado “auxílio-voto”, um pagamento extra a juízes de primeiro grau que fazem mutirão para colocar em dia os processos atrasados no TJ-SP. A abertura de processo foi determinada por Bellocchi ter negado ao CNJ informações sobre o expediente adotado pelo tribunal. De acordo com o CNJ, Bellocchi insiste em descumprir a requisição feita pelo CNJ sobre o pagamento do chamado auxílio-voto para juízes de primeira instância.

A manifestação de desagravo dos desembargadores paulistas diante da “prematura decisão do CNJ” aconteceu na abertura da sessão do Órgão Especial do TJ-SP nesta quarta-feira (27/5). “A cobra persegue o vagalume só porque ele brilha”, disse o desembargador Antonio Carlos Malheiros. “É deplorável a falta de polidez de alguns conselheiros”, afirmou o desembargador Ivan Sartori. “O CNJ demonstrou que não conhece a dimensão dessa corte”, manifestou o desembargador Palma Bisson. “A Justiça paulista está indignada com as afirmações feitas pelo CNJ”, completou o desembargador Marco César, presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP).

O ataque mais duro ao CNJ, no entanto, partiu do presidente do Judiciário paulista, desembargador Vallim Bellocchi. “Não me ajoelho porque vejo o julgamento como prematuro, despreparado”, disse o presidente. Segundo ele, a decisão foi tomada por quem não sabe o que é a tarefa de julgar. “Se houvesse ofensa pessoal a resposta viria na forma de interpelação criminal, mas faltou coragem para ofender”, desabafou Bellocchi.

Em seguida, Bellocchi afirmou que dava o caso por encerrado. Ele revelou que depois do julgamento dessa terça-feira (26/5) conversou com o ministro Gilson Dipp e com o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes.

Nos bastidores, desembargadores e juízes paulistas interpretam a atitude do relator do processo, conselheiro Joaquim Falcão, que deixa o Conselho Nacional de Justiça esta semana, como represália ao tribunal paulista, por conta do rompimento de um contrato entre a FGV do Rio de Janeiro e o Judiciário de São Paulo. Joaquim Falcão é diretor da escola de Direito da FGV no Rio.

Pagamento extra
O chamado auxílio-voto é pago a juízes de primeiro grau que prestam serviço na segunda instância. Cada magistrado recebe 25 recursos por mês e após assinar os acórdãos desses processos ganha direito de receber R$ 2.593,47. O maior valor pago no ano passado foi ao juiz A.F.F, que ganhou R$ 49.690,92, em dez parcelas.

De acordo com o CNJ, há notícias de que, com o pagamento extra, diversos juízes passaram a receber acima do teto constitucional de R$ 24,5 mil. Joaquim Falcão disse que pelo menos 13 juízes receberam mais de R$ 41 mil em um ano só de pagamentos extras. Haveria o caso de um juiz que recebeu R$ 80 mil.

A direção do TJ paulista rebate. Afirma que não houve pagamento nesse valor e apenas num caso um magistrado recebeu acima de R$ 49 mil porque acumulou trabalho extra na segunda instância. No documento entregue ao CNJ, o tribunal destacou que os valores a mais eram resultados de trabalho acumulado e não recebido durante meses.

“Informo, ainda, que nos totais acima de R$ 41.931,72 estão incluídos valores referentes a exercícios anteriores, não pagos à época por questões orçamentárias deste tribunal, ou que os processos recebidos pelos magistrados não haviam sido devolvidos com voto, anteriormente”, afirma o relatório encaminhado ao CNJ.

Vallim Bellocchi garante que entregou os dados reclamados pelo CNJ na semana passada. Insatisfeito, o conselheiro Joaquim Falcão pediu para que fossem detalhados os pagamentos (subsídios, diárias e eventuais gratificações) feitos aos magistrados. Antes do prazo de resposta expirar, o conselheiro teria colocado o assunto em julgamento.

Versão do CNJ
A decisão de abrir processo por desobediência contra o presidente do TJ paulista foi tomada por maioria (11 votos a dois). Os conselheiros também determinaram a suspensão de qualquer pagamento a título de auxílio-voto até a decisão definitiva do CNJ e a inspeção no tribunal paulista, para conseguir ter acesso às informações negadas ao Conselho.

Segundo Joaquim Falcão, a relatoria pediu três vezes o envio dos contracheques com o pagamento mensal dos juízes de primeira instância que recebem o auxílio. O TJ paulista se limitou a enviar comunicado interno com a previsão de pagamento e se eximiu de comprovar a previsão do benefício.

Depois da inspeção que será feita no TJ paulista pelo CNJ, os conselheiros decidirão se as informações serão encaminhadas ao Ministério Público para a adoção de providências, como a devolução do dinheiro pago indevidamente aos cofres públicos.

Excesso verbal
Os conselheiros não mediram as palavras para criticar a desobediência da direção da Justiça paulista. Lamentável foi o adjetivo mais usado para classificar a falta de informações.

O pagamento, segundo os conselheiros, é irregular, assim como a forma de convocação de juízes. O conselheiro Técio Lins e Silva classificou como inconcebível a prática em que o juiz profere a decisão, depois "vai ao caixa e pega o ticket pelo pagamento do voto". O pagamento, segundo o TJ paulista, era feito direto na conta, sem ser registrado nos contracheques. Agora, a inspeção do CNJ ajudará a dirimir as dúvidas sobre o benefício.

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