Debate educacional

Exame da OAB não qualifica, só mede capacidade

Autor

  • William Douglas

    é juiz federal professor universitário mestre em Direito pós-graduado em Políticas Públicas e Governo e autor de diversos livros e artigos.

25 de maio de 2009, 5h40

O Exame da OAB vem sendo objeto de questionamento através de algumas ações judiciais. Recentemente, uma liminar concedida em Mandado de Segurança foi noticiada na mídia. Trata-se do Processo 2007.51.01.027448-4, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

O Congresso Nacional deverá se manifestar sobre o assunto em breve. Existe um projeto de lei que pretende extinguir o Exame, e outro que propugna a aplicação de exames semelhantes em outras profissões. O debate jurídico e político sobre o tema nos estimularam a traçar alguns comentários sobre o assunto, os quais passamos a expor.

No Mandado de Segurança acima mencionado foi deferida liminar nos seguintes termos:

DECISÃO
…impetram o presente Mandado de Segurança contra ato do Ilmo. Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Estado do Rio de Janeiro postulando seja deferida liminar para que o impetrado se abstenha de exigir submissão dos impetrantes a exame de ordem para suas inscrições nos  quadros da autarquia, determinando que sejam imediatamente aceitas mediante o cumprimento das demais exigências do artigo 8° da Lei 8.906/94, sob pena de multa diária de R$ 1.000 para o caso de descumprimento. Requer ao final a confirmação da liminar reconhecendo-se incidentalmente que a exigência do exame foi revogada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/6, artigo 43, inciso II e 48) e que o Estatuto da Ordem dos Advogados nesta parte é inconstitucional por ferir os artigos 5° inciso XIII e 205 da Carta Magna. Inicial de fls.02/33.

Informações de fls. (x) postulando pela denegação da segurança. Decido.

Dispõe a Constituição Federal: “Artigo 5° – … XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

A respeito do papel da OAB e do exercício da profissão de advogado dispõe a Lei 8.906/94:

Artigo 1º São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Parágrafo 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.
Parágrafo 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
Parágrafo 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade Artigo 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Artigo 8º Para inscrição como advogado é necessário: I – capacidade civil; II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame de Ordem; V – não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI – idoneidade moral; VII – prestar compromisso perante o conselho. Artigo  44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Ora, a Carta Magna limita o direito ao exercício da profissão à qualificação profissional fixada em lei. Qualificação é ensino, é formação. Neste aspecto, o exame de ordem não propicia qualificação nenhuma e como se vê das recentes notícias e decisões judiciais reconhecendo nulidade de questões dos exames (algumas por demais absurdas), tampouco serve como instrumento de medição da qualidade do ensino obtido pelo futuro profissional. Desta forma, a Lei 8.906/94 no seu artigo 8°, inciso IV é inconstitucional. A OAB por outro lado, não se constitui em instituição de ensino como disciplinada pela Lei 9.394/96. Isto posto, defiro a liminar para determinar à autoridade coatora que se abstenha de exigir dos impetrantes submissão a exame de ordem para conceder-lhes inscrição, bastando para tanto o cumprimento das demais exigências do artigo 8° da Lei 8.906/94. Oficie-se e intime- se. Após, ao Ministério Público Federal voltando conclusos para sentença.

A liminar foi suspensa. No curso do processo, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da segurança e a sentença foi procedente, repisando a fundamentação da decisão liminar. A sentença teve sua execução suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2a Região. A nosso ver, a decisão de primeira instância não representa a melhor solução para o caso, estando correta a linha seguida pelo TRF. A decisão de primeira Instância cita basicamente três pontos para entender o Exame incabível, os quais passamos a analisar.

1) “O Exame não propicia qualificação”
Um dos argumentos em que a decisão se baseia é o de que “qualificação é ensino, é formação. Neste aspecto, o exame de ordem não propicia qualificação nenhuma.”

Ora, o Exame da OAB não tem por intenção fazer qualificação, mas medi-la. Como citaremos adiante, não se pode confundir a qualificação de bacharel em Direito, dada pela instituição de ensino, com a capacidade para advogar. Esta última não só pode como deve ser aferida pela OAB. A OAB presta um relevante serviço à classe, ao Judiciário e à sociedade ao fazer a verificação da capacidade do bacharel de exercer a advocacia. Quaisquer que sejam os problemas que se apontem no Exame, nenhum deles é maior do que permitir que uma pessoa sem capacidade para o exercício do ofício saia às ruas portando uma carteira profissional. A maior parte da população, por falta de melhor capacidade de avaliação, entenderá que aquela pessoa é capaz de exercer a defesa de seus direitos de forma adequada.

Sendo o advogado essencial à administração da Justiça, zelando pela vida, honra e patrimônio alheios, não é admissível permitir a alguém exercer tal função sem um mínimo de cuidado. José Manuel Duarte Correia, advogado especialista em Direito Administrativo, comentou comigo, certa feita, com extrema propriedade, que um advogado que não saiba exercer sua profissão não deveria ter “identidade funcional”, mas “porte de arma”. Um profissional incompetente causa, em geral, mais danos do que um homem armado. Reparem que diante de um homem armado a tendência é que as pessoas se protejam, fujam, ao passo que diante da apresentação de uma carteira de advogado a expectativa é que as pessoas se acalmem. O que dizer de quando esse portador da carteira não sabe exercer a função e poderá por a perder os mais valiosos bens que alguém pode possuir?

Assim, em resumo, sobre esse item: o Exame não existe para qualificar, mas para medir a qualificação para o exercício da advocacia. A advocacia é apenas uma das várias atividades possíveis ao Bacharel. Se não se permite provas para que o Bacharel venha a poder ser advogado, não se poderia também exigir provas para que o Bacharel viesse a ser magistrado, ou qualquer outra forma de servidor público. Os concursos não existem apenas para resolver o problema da relação candidato-vaga, mas sim a qualificação necessária para se exercer uma função.

2) Eventual qualidade deficiente do Exame
A decisão também sustenta que “como se vê das recentes notícias e decisões judiciais reconhecendo nulidade de questões dos exames (algumas por demais absurdas),  tampouco serve como instrumento de medição da qualidade do ensino obtido pelo futuro profissional. Desta forma, a Lei 8.906/94 no seu artigo 8°, inciso IV é inconstitucional.”

As eventuais falhas em uma ou outra prova não têm o condão de desconstituir a validade do sistema, mas tão somente daquela prova ou, no mais das vezes, da questão mal formulada. Não fosse assim, os concursos para a magistratura e para o ministério público, assim como os concursos em geral, estariam condenados a desaparecer. Da mesma forma, as falhas e fraudes na Previdência não justificam o fim do sistema previdenciário, nem as falhas do Parlamento ou de seus membros não justificam o fim da democracia. As licitações também possuem inúmeros casos de falhas e nem por isso se advoga a sua extinção. Em suma, as falhas não geram o fim do instrumento, mas seu burilamento.

Ainda sobre a qualidade do Exame, vale dizer que o mesmo não tem críticas ou falhas em quantidade maior do que os demais exames do país, em especial os concursos públicos, o tipo de exame que lhe é mais assemelhado. Ao contrário, vem apresentando boa evolução, consistente na sua unificação nacional e sua entrega a instituição especializada na realização de concursos (no caso, atualmente o CESPE). Vai, nesse passo, melhor que o próprio Judiciário, que ainda se ressente de Tribunais que fazem eles mesmos as seleções. Isso é particularmente ruim para a imagem do Judiciário e dos parentes de magistrados que são aprovados e sobre os quais, por mais capazes que sejam, acaba surgindo a suspeita popular, por mais indevida que possa vir a ser, que não deve ser permitida na gestão da coisa pública.

No que tange ao Exame da OAB, o grande número de reprovados não é resultado de má avaliação, ou rigor excessivo, mas de má formação originária dos candidatos e da leniência excessiva por parte das instituições de ensino. Se estas não zelam por seus nomes nem respeitam a sociedade, igual atitude não está sendo adotada pela OAB. Pior acontece quando a imprensa mostra candidatos reprovados três, quatro, oito vezes, propondo uma solidariedade a estes não a quem – não fosse o Exame – seria atendido por alguém não capacitado para a advocacia, com grave prejuízo de seus direitos.

3) A OAB não é instituição de ensino
O terceiro ponto levantado pela decisão é o de que “a OAB, por outro lado, não se constitui em instituição de ensino como disciplinada pela Lei 9.394/96.”

A premissa está correta, mas não a conclusão. Mais uma vez há que se distinguir: a instituição de ensino deve ensinar e, se houver sucesso no processo, conceder ao cidadão um diploma de bacharel. Esta é uma das funções da instituição. A OAB não tem esse objetivo, mas tão somente o de verificar se o cidadão que apresenta o diploma está, de fato, capacitado para exercer a advocacia. E, como já dissemos, isso também é feito pelas instituições públicas para verificar se o portador do diploma está capacitado a exercer cargos públicos.

Reconhecemos que o ideal é que as instituições de ensino só concedessem o diploma a quem realmente está bem formado, situação ideal onde estaria capacitado para exercer quaisquer das funções típicas de um bacharel. Mas não podemos fechar os olhos para a realidade: não é isso o que acontece todos os semestres. O que é público e notório, circunstância que dispensa até mesmo a apresentação de provas, é um verdadeiro deságue de bacharéis extremamente  mal formados, deficientes em um grau que beira o desesperador.

Mais uma vez, o ideal é que o MEC evitasse isso. Mas não evita, e esse é outro fato. O que não se pode exigir é que a OAB, ciosa de seus deveres para com o ofício e com a sociedade, não atentasse para os fatos e fizesse “ouvidos de mercador”. Aliás, um dos problemas do ensino jurídico é esse: interesses de mercado estão superando o interesse em não permitir que se formem os alunos que não estão suficientemente preparados. As instituições querem alunos e reprová-los é ruim para os negócios. Esse ciclo perverso vai se repetindo semestre após semestre até que, ao final, temos analfabetos jurídicos funcionais, quando não analfabetos funcionais na sua forma mais literal.

Diante de escolas públicas ruins, os pais matriculam seus filhos nas particulares; diante de uma saúde pública ruim, quem pode faz um plano de saúde; diante de uma polícia ineficiente, as pessoas apelam para a segurança privada, alarmes e seguros. Ora, diante de um ensino ruim, nada mais justo que a OAB exercer zelosa cautela para, antes de conceder a carteira, fazer um Exame mínimo.

Talvez o fato de não ser instituição de ensino, nesse caso, seja até mesmo positivo. Não sendo instituição de ensino, não se submete aos paradigmas e vicissitudes próprios das instituições de ensino. Limita-se a aferir antes de conceder a carteira. Aliás, o Detran examina a acuidade visual e o conhecimento mínimo da legislação de trânsito antes de conceder uma carteira de habilitação. Não vemos nenhuma diferença ontológica entre uma atividade e outra.

Mais uma vez nos valeremos da comparação com os concursos públicos. Os Tribunais de Justiça, por exemplo, não são instituições de ensino, mas verificam a capacitação de todos quanto queiram vir a ser serventuários ou magistrados.

Nesse passo, pertinente é repetir os termos do artigo Artigo 44 do EOAB:

Artigo 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

A OAB deve fazer a seleção dos advogados. Se tiver de aceitar os diplomas, por mais que saibamos que muitos não representam a posse de conhecimento jurídico mínimo, não estará havendo mais “seleção”.

A abordagem do tema foi feita com vagar na decisão proferida pelo TRF na Suspensão de execução da Sentença de Primeiro Grau que deferiu a não realização do Exame Processo 2009.02.01.003242-2/ Processo de Origem: 2007.51.01.027448-4, Relator o Des. Fed. CASTRO AGUIAR). A posição do TRF teve por fundamento voto da lavra do Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund (AMS 2004.51.01.015447-8), que concluiu pela inexistência de inconstitucionalidade na exigência de exame de ordem para o exercício da advocacia. Vejamos:

A questão primordial posta nos autos cinge-se em se verificar se é ou não inconstitucional a exigência do Exame de Ordem para o exercício da advocacia, bem como se é dado à Ordem dos Advogados do Brasil estabelecer tal exigência. Entendo que não existe inconstitucionalidade alguma na exigência de Exame de Ordem para exercício da advocacia.

Com efeito, dispõe o artigo 5o, XIII, da Constituição Federal: ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’.

Esse dispositivo, na clássica classificação das normas constitucionais quanto à aplicabilidade, adotada por José Afonso da Silva, situa-se entre aqueles de aplicabilidade imediata e eficácia contida. É dizer, em outras palavras, que o direito consagrado na norma constitucional é exercido desde a promulgação da Carta porque goza de aplicabilidade imediata, mas pode ter sua eficácia reduzida, contida ou restringida pela lei (TRF 1a Região, AC 1998.01.00.040595-5, DJ 03/07/03). Note-se que a referida norma consagra apenas a a lei em sentido material e formal, como apta a impingir o efeito redutor.

Assim, todos os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil podem exercer ou deixar de exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão, mesmo que inexista a lei estabelecendo as qualificações para tanto. O advento desta, todavia, ao estabelecer as condições, poderá conter, restringir ou reduzir os efeitos dimanados da norma constitucional.

In casu, verifico que sobre a exigência de exame de ordem a Lei 8.906/94 estabelece:

Artigo 8o: Para inscrição do advogado é necessário: (…) IV – aprovação em Exame de Ordem; (…) parágrafo 1o. O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.

Ademais, quando o Conselho Federal da OAB regulamenta o exame de ordem, não se divisa exercício ilegal de poder. O poder regulamentar foi legitimamente deferido, na hipótese, pela própria Lei, que estabeleceu a necessidade de aprovação no exame, restringindo, desde aí, a eficácia da norma constitucional.

Não há, em decorrência, qualquer ofensa aos artigos 5o, XIII; 22, XVI; ou 209, II, todos da Constituição Federal.”

A decisão na Suspensão se refere a útil precedente do STJ:

”ADMINISTRATIVO – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – EXAME DE ORDEM – DISPENSA – BACHAREL QUE POR INCOMPATIBILIDADE NÃO SE INSCREVEU NO QUADRO DE ESTAGIÁRIOS – NECESSIDADE DO EXAME DE ORDEM.

I – Não é lícito confundir o status de bacharel em direito com aquele de advogado. Bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi.

II – A inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nela se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado.

III – A seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público. Não é de bom aviso liberalizá-la.

IV – O estágio profissional constitui um noviciado, pelo qual o aprendiz toma contado com os costumes forenses, perde a timides (um dos grandes defeitos do causídico) e efetua auto-avaliação de seus pendores para a carreira que pretende seguir.

V – A inscrição no quadro de advogados pressupõe a submissão do bacharel em Direito ao Exame de Ordem. Esta, a regra. As exceções estão catalogadas, exaustivamente, em regulamento baixado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

VI – ‘O aluno de curso jurídico que exerça atividade incompatível com a advocacia pode freqüentar o estágio ministrado pela respectiva instituição de ensino superior, para fins de aprendizagem, vedada a inscrição na OAB.’ (Artigo 9o, parágrafo 3o, da Lei 8.906/94)

VII – ‘Bacharel em direito que, por exercer cargo ou função incompatível com a advocacia, jamais foi inscrito como estagiário na OAB está obrigado a prestar Exame de Ordem.’ (Artigo 7o, parágrafo único, da Res. 7/94)” (STJ, REsp 214.671/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01.08.2000, p. 197.)

A nosso ver, a questão – do ponto de vista jurídico – está suficientemente abordada, e é clara a inexistência de inconstitucionalidade.

Resultados práticos do Exame da OAB – Um mensurador externo de qualidade das instituições
Além de tratar da abordagem jurídica, entendemos cabível mencionar alguns resultados práticos do Exame da OAB. Um dado importante a ser considerado, tanto pelo Judiciário quanto pelo Parlamento, é:

a) Que a existência dos Exames está levando os acadêmicos de Direito a uma maior responsabilidade com sua formação. Na prática, os alunos sabem quais professores são rigorosos e quais são negligentes nos exames durante o curso. Quando se soma o elemento “prova futura” (quando menos, o Exame da OAB), no qual o mau professor não poderá facilitar a aprovação dos alunos a quem não ensinou a matéria, o resultado é que os alunos estudam mais… e também exigem aulas melhores.

b) Os professores mais dedicados estão se preparando e preparando seus alunos para os exames futuros. Isto ocorre, em alguns casos, por decisão do próprio professor, por força de seu desvelo e ética pessoal. Contudo, mesmo não havendo estas virtudes, o Exame faz com que os alunos e as instituições de ensino exerçam uma maior pressão pela qualidade da aula. Pressão justa, anoto, por que nada mais faz do que cobrar o que todo professor tem por dever fazer.

c) Os resultados dos Exames vêm sendo noticiados pelas instituições que obtêm os melhores resultados. Assim como os colégios do ensino médio propagam na mídia seus bons resultados, as universidades estão fazendo a mesma coisa para competir em um mercado altamente agressivo. O resultado é que aqueles que estão decidindo onde irão estudar já estão levando em consideração, entre diversos fatores, os resultados que a instituição analisada tem no Exame da OAB.

Assim, num efeito positivo de um fenômeno precipuamente negativo, que é a mercantilização do ensino, o Exame da OAB tem a virtude de entregar à sociedade, em especial ao futuros estudantes universitários e aos seus familiares, um instrumento eficaz de comparação entre as instituições.

Mal comparando, o Exame da OAB é o “controle externo do Poder Judiciário”. Se o Conselho Nacional de Justiça tem prestado um serviço à República, o Exame da OAB não fica atrás.

A Advocacia é profissão referida como essencial na Constituição. O Exame não só protege a qualidade da advocacia, mas está repercutindo na qualidade do ensino jurídico, pois permite que o mercado, ou seja, os futuros acadêmicos, escolham os cursos não apenas pelo preço da mensalidade ou pelas fortunas gastas em campanhas de marketing e propagandas, mas por fatores muito mais saudáveis: o que cada instituição é capaz de produzir em termos de competência profissional.

E se alguém disser que uma prova é pouco para tanto, temos duas respostas: a primeira é a de que se a pessoa não está preparada nem para uma prova, não estará para a carreira; a segunda é a de que as provas acontecem três vezes por ano, permitindo que os reprovados se preparem melhor e tentem novamente.

Ainda como fenômeno de mercado, multiplicam-se os cursos preparatórios para o Exame da OAB. Se isso pode ter sido ruim em um primeiro momento, a evolução do fenômeno vem mostrando que as melhores instituições de ensino já estão criando instrumentos internos de avaliação coletiva (algo muito produtivo, anote-se) e de melhor preparação de seus alunos para o Exame.

A tendência é que, cada vez mais, haja esforço das instituições para que seus egressos sejam bem-sucedidos no Exame. Se não for por idealismo, será para não perder market share, se não for pelos motivos mais nobres, será para não perder alunos ou, melhor ainda, para atrair mais os novos.

Eliminar o Exame da OAB será fazer a escolha pela universidade A ou B retroceder à disputa sobre quem faz a melhor propaganda na TV, ou quem cobra a menor mensalidade, ainda que com prejuízo da qualidade do curso. Nós, particularmente, preferimos que a escolha seja feita também com base, e em especial com base, naquilo que os alunos recém-formados conseguem de sucesso no Exame da OAB.

O Exame da OAB também tem uma boa virtude. Acompanhar os que passam nos concursos, ou nas primeiras colocações aqui e ali, pode enganar o futuro aluno. Basta ter alguns bons alunos que a visibilidade está garantida por esse critério. O Exame da OAB, ao contrário, por atingir praticamente toda a massa de formados naquele semestre, permite identificar não apenas um ou outro aluno talentoso, mas o resultado médio de uma instituição de ensino. O segredo não está em olhar os primeiros colocados, como faziam os cursinhos pré-vestibular, mas olhar quantos formados pela instituição conseguem passar no Exame da OAB.

A nosso ver, um Exame da OAB bem executado, e a tendência é esta, é instrumento não só de proteção da advocacia e de quem é atendido por um advogado, mas também de aperfeiçoamento de todo o ensino jurídico. A cautela é fazer com que o Exame seja bem feito. Nesse passo, muitos livros são criticados por serem mera reprodução da legislação e jurisprudência dominante. Nesse caso, a “culpa” não é dos livros. Os livros, como os colégios e cursos, são em geral bem mais pragmáticos e diretos que os governos e os intelectuais. Aliás, o mercado é, em geral, muito mais prático. Livros, cursos e mercado preparam aquilo que é cobrado. Como dizia William E. Deming, gênio da Administração, aquilo que não pode ser medido não será feito. Ou de outro modo: só será feito o que for ser medido.

Hoje, se um bacharel recém-saído da universidade souber a lei e a jurisprudência dominante ele já estará acima da média. Medir isso, enfim, será uma forma de levar os acadêmicos, seus professores e as instituições onde estão a providenciar que isto esteja assimilado pelo acadêmico. Já será um passo à frente diante da situação presente. Em seguida, queira Deus, o passo a ser dado é medir um pouco mais a formação humana, moral, filosófica e pluralista. Mas este é o próximo passo.

Impressiona que alguns intelectuais critiquem os livros por serem tão diretos, esquecendo-se que o problema maior está no que se produz no Judiciário e o que se exige nos concursos públicos. Ao contrário de parte da elite intelectual, as universidades, editoras e professores/autores movem-se para atender às necessidades dos alunos e do mercado e não das mais altas divagações intelectuais, algumas nobilíssimas e meritórias, outras mais presas à vaidade do que à aplicabilidade na vida cotidiana.

Por tudo isto, afirmo que o Exame cumpre uma boa função. Se o Exame, assim como os concursos, puderem ser aperfeiçoados em mais alguns graus, os benefícios serão exponencialmente majorados. Isso, contudo, enquanto não ocorre não impede perceber, ainda que pelos perigosos caminhos do mercado, que o Exame tem feito as instituições levarem mais a sério seu mister. São caminhos perigosos, menos perigosos, contudo, que a inércia estatal em cuidar da qualidade do ensino.

A má qualidade do ensino é fruto do Estado que exerce mal seu papel, ou que o exerce pelos mecanismos mais perversos do mercado, nem que seja o político. O Exame da OAB estimula o lado positivo do mercado, pois diz: “mostre resultados e você sobreviverá”.

Aos alunos, costumamos dizer que a advocacia, o concurso público e o magistério são carreiras belíssimas e extremamente exigentes. Se um aluno não é capaz de ter sucesso sequer no Exame na OAB, será uma ilusão imaginar que conseguirá sucesso em qualquer destes desafios. Por isso, conclamamos os alunos a se preparem com boa vontade e disposição redobrada para o Exame da OAB, encarando-o como apenas um primeiro, e menor, desafio. Vencido este, outros maiores virão. O Exame é, então, um adversário menor, uma passagem, um treino para os desafios maiores que virão em breve.

Não recomendamos aos nossos alunos que “discutam” com o Exame da OAB, mas que o superem, que o vençam. Esperamos que o Judiciário e o Congresso não nos tirem esse importante instrumento de estímulo, seleção, comparação entre instituições e melhoria da qualidade geral do ensino jurídico.

Mais algumas críticas ao Exame da OAB
Outra crítica feita ao Exame da OAB é o de que tal prova pode até ter o condão de medir conhecimento, porém jamais terá condições de medir a qualidade, dom ou talento de um profissional. A crítica é correta, mas, mais uma vez, não aborda vício ou limitação diferente daquela encontrada nos exames públicos para selecionar servidores, entre os quais os magistrados e os membros do ministério público. Assim, se é para haver um aperfeiçoamento no sistema de seleção, este é um assunto para todos os exames e concursos, não havendo razão para se eleger apenas o da OAB para ser evitado por conta dessa realidade.

Alguns alegam que, mesmo com o Exame, ainda ingressam no mercado profissionais não aptos e que é uma ilusão crer que quem passou está apto para exercer a advocacia. Isso porque muitos aprovados não possuem a menor condição de atuarem como advogados e ao receberem a carteira estão dizendo para toda a sociedade que a instituição OAB os aprovou. Nesse passo, entendemos que o Exame da OAB funciona como um filtro. Ainda que alguns que o superem não estejam aptos, com certeza os que não o superam não estão em condições adequadas. Assim, malgrado não ser perfeito, ao menos o Exame elimina os casos mais graves. E, mais uma vez, pedindo perdão pela repetição: alguns dos magistrados que são aprovados nos concursos também não estão aptos para a magistratura. Tanto na advocacia quanto na magistratura são necessários mais filtros, mas isso não elimina o valor dos filtros que já temos.

Outra crítica é feita no sentido de que o Exame de Ordem é uma fonte de receita e que a OAB, ao invés de aplicá-lo, deveria fiscalizar as universidades, impedindo que aquelas que não possuam condições e estrutura ministrem o curso de Direito. Aqui temos dois assuntos diferentes: o primeiro é que, realmente, o valor a ser cobrado pelos Exames não pode ser exagerado e tem de abrir espaço para gratuidades, nos casos em que a mesma se justificar. No segundo caso, é preciso evitar que a OAB assuma o papel do MEC. A OAB pode e deve trabalhar com instrumentos de cooperação e estímulo junto às instituições de ensino, mas a fiscalização não é atividade sua.

Conclusão
A nosso ver, o Exame não só não é inconstitucional como é, na prática, extremamente conveniente ao interesse público. Reprisamos que uma de suas maiores virtudes é proteger o cidadão comum, em geral, sem maiores condições de aferir a capacidade do advogado, de profissionais incapacitados. Por todas as razões, deve ser mantido e, esperamos, estendido a outras carreiras.

Afinal, se a formação superior é ruim e não está sendo objeto de correção em tempo oportuno, entendemos que tais exames são, na pior das hipóteses, o menor dos males. E, se tais raciocínios se aplicam aos advogados, não poderia ser diferente com médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros. Portanto, entendemos que ainda é melhor que haja tais exames, para a proteção da sociedade. Ao lado disso, tais exames servem de estímulo aos acadêmicos e às instituições de ensino, a fim de que tornem o processo de ensino e aprendizagem algo efetivo e não apenas uma pavorosa encenação.

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    é juiz federal, professor universitário, mestre em Direito, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo e autor de diversos livros e artigos.

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