Ilusões coletivas

Direito Penal é mais barato que políticas públicas

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24 de maio de 2009, 8h05

Usar o Direito Penal sai mais barato do que desenvolver políticas públicas para combater a criminalidade. A criação de novos tipos de crime e normas simbólicas, como penas mais pesadas, dá a ilusão de que o Legislativo está trabalhando, a população se sente mais protegida e ninguém precisa gastar tempo pensando em formas mais complexas de frear o perigo iminente. A crítica foi a tônica do seminário sobre Recrudescimento punitivo e segurança jurídica, promovido pela Associação Internacional de Direito Penal (AIDP Brasil) na quinta-feira (21/5, em São Paulo.

O modelo assistencial de Estado foi trocado pelo Direito Penal, criticou Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e fundador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). “O Estado, ao invés de investir em instituições como a escola, aplica o controle penal, deixa as pessoas com medo”, disse.

Para ele, aplicar o Direito Penal, principalmente contra os excluídos, é uma forma de criminalizar a pobreza e impedir que causem embaraço ao sistema global do capitalismo. Por outro lado, cria falsa segurança aos incluídos. A consequencia desse comportamento estatal é a redução expressiva no campo processual penal das garantias fundamentais, com interceptações telefônicas, invasão do ambiente privado sem autorização judicial e condenações mal fundamentadas.

De acordo com Franco, esse comportamento faz com que o espaço público passe a ter mais importância do que as garantias e direitos fundamentais do indivíduo. A propriedade se torna mais importante que a vida. Segundo o advogado, essa inversão ganhou força a partir de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, quando houve o ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center, e foi disseminado para o resto do mundo. O medo, abstrato, é o principal argumento para a sua aplicação, diz.

Nomes dos crimes

No Brasil, o Direito Penal foi deformado com o aumento dos tipos penais, observou Fábio Trad, presidente da OAB de Mato Grosso do Sul, que também participou dos debates em São Paulo. É preciso enfrentar os problemas sociais, econômicos e culturais da sociedade ao invés de se aumentar e criar penas, defendeu. Ele reconheceu, no entanto, que essas medidas são mais baratas e de fácil consumo. “O legislador cria tipos penais e fica em paz com o eleitorado, que se sente mais protegido.”

É nesse contexto, segundo o advogado, que surge a figura do juiz policial, a “toga fardada”, que condena para obter aprovação do povo e cria a ilusão de que é possível fazer Justiça com a caneta e o cárcere. “O Judiciário não tem a função de combater a criminalidade.” Para Trad, é preciso acabar com o discurso “vingativo e emocional do Direito Penal do Inimigo”, em que se relativiza garantias individuais e direitos fundamentais.

Para o advogado Guilherme Nostre, do escritório Moraes Pitombo Advogados, a criação de novos crimes e penas exacerbadas são formas de se mascarar a incompetência do Estado no combate e prevenção à criminalidade. “É a manipulação do Direito Penal como elixir milagroso. Na verdade, trata-se de um placebo perigoso, que agrava a situação.” O perigo, segundo Nostre, está no fato de a legislação penal ser desvinculada do Direito como um todo. O Direito serve para harmonizar as relações sociais e não para gerar medo, diz.

Prevenção ineficaz

A criminalização de atos preparatórios ou posteriores é alvo de duras críticas pelos criminalistas brasileiros. No Título IX do Código Penal — Dos Crimes contra a Paz Pública —, três condutas consideradas como preparação para o crime são penalizadas: incitação ao crime, apologia ao crime e formação de quadrilha ou banco. Isso significa que, ainda que o crime não seja cometido, as condutas já justificam a detenção ou a reclusão.

Durante a sua palestra, o organizador do seminário, criminalista Antonio Sérgio Moraes Pitombo, chamou atenção para o crime de formação de quadrilha que, para ele, não faz sentido. Punir pessoas que estão reunidas e que são suspeitas, mas sem um crime de fato, não parece adequado, disse.

“Acusação de quadrilha ou bando é a desculpa que o Ministério Público usa quando não tem fato.” A frase foi seguida de aplausos dos advogados participantes do encontro. Para o advogado, esse tipo de acusação é uma forma de se conseguir com o juiz permissão para buscas, apreensões e interceptações telefônicas.

A acusação de lavagem de dinheiro, ato posterior ao crime, também seria uma forma de o Ministério Público obter junto provas contra os réus na Suíça ou nos Estados Unidos, por exemplo. “Sem qualquer prova, o MP coloca a etiqueta na denúncia: ‘lavagem de dinheiro’ ou ‘quadrilha ou banco’ para, a partir daí, obter as provas.”

O advogado Fernando Fernandes, que participou do mesmo painel e também fez críticas a este tipo de posicionamento do Estado, contou um caso para ilustrar abusos como os descritos pelo colega Pitombo. Em 2003, nove adultos e oito menores de idade foram presos em flagrante na Praça Nossa Senhora Auxiliadora, no Rio de Janeiro. A acusação era de formação de quadrilha com o objetivo de fazer arrastão. Todos eles eram moradores de rua. O MP apresentou a denúncia no mesmo ano. E afirmou: “A Justiça precisa agir com vigor para que os arrastões cessem”. Para ele, assim como para Alberto Silva Franco, esta é uma forma de criminalizar a miséria.

Estado fraco e Direito simbólico

Com o crescimento do poder de grandes conglomerados, em detrimento da regulação estatal na área econômica ou nos setores sociais, a criação de novas leis e penas é uma ótima forma de reduzir as reclamações da sociedade, mesmo que vazias de conteúdo. É um “teatro de ilusões”, de acordo com a advogada Helena Regina Lobo da Costa, sócia do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados.

Responsabilizar criminalmente a atuação de empresas é um exemplo disso. Segundo Helena, não há qualquer regra no Código de Processo Penal que explique como se deve fazer para checar se uma empresa praticou um crime e como ela pode ser condenada. Isso quer dizer, para a advogada, que a norma foi criada para dar uma resposta a insatisfações sociais, mas na prática não serve para resolver o problema. O símbolo representado pela lei é mais importante que a sua efetividade.

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