Local do interrogatório

STJ suspende ação contra executivos do Credit Suisse

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16 de maio de 2009, 9h40

O Superior Tribunal de Justiça suspendeu o andamento do processo contra Carlos Miguel de Sousa Martins e Alexander Siegenthaler, ex-executivos do banco Credit Suisse. Ele e outros diretores do banco suíço respondem por evasão de divisas e formação de quadrilha. O desembargador convocado do STJ, Celso Limongi, atendeu ao pedido de liminar contra decisão do juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, que não permitiu que os réus fossem interrogados na Suíça, onde moram. Limongi preferiu suspender a ação até a análise do mérito do pedido porque entendeu que impedir o interrogatório dos réus por carta rogatória pode causar nulidade processual.

Deflagrada em 2006, a Operação Suíça identificou a remessa irregular de valores a contas na Suíça. O escritório de representação do Credit Suisse no Brasil, de acordo com o Ministério Público Federal, era usado para dar aparência lícita às remessas, por meio de operações de investimentos no exterior sem o conhecimento das autoridades brasileiras.

Ao todo, 17 pessoas foram denunciadas. Treze eram executivos ou ex-funcionários do banco no Brasil e no exterior. Os réus respondem a acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta, operação ilegal de instituições financeiras e formação de quadrilha.

No STJ, o desembargador convocado Celso Limongi observou que os princípios do devido processo legal e da garantia de ampla defesa devem ser respeitados em todos os processos penais, com réus brasileiros ou estrangeiros. “A dignidade humana não distingue entre nacionais e estrangeiros”, escreveu em seu despacho (leia no final do texto).

A defesa, feita pela equipe do advogado Alberto Zacharias Toron, alegou que impedir o interrogatório no país em que residem os réus caracteriza constrangimento ilegal porque impede o exercício da ampla defesa. “Considerando-se a iminência de expedição de pedidos de cooperação internacional às autoridades suíças para a oitiva de testemunhas de defesa, verifica-se o perigo na demora na prestação jurisdicional”, sustentou a defesa, ao pedir a suspensão do processo e também da expedição dos pedidos de cooperação internacional.

Celso Limongi observou que, em princípio, não há qualquer óbice para que os réus e testemunhas que moram no exterior sejam ouvidos por carta rogatória. Por isso, concedeu o pedido de liminar.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS Nº 132.102 – SP (2009/0054203-8)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PACIENTE : CARLOS MIGUEL DE SOUSA MARTINS

PACIENTE : ALEXANDER SIEGENTHALER

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Carlos Miguel de Sousa Martins e Alexander Siegenthale r, denunciados pela prática de delitos contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha ou bando, sob alegação de constrangimento ilegal por parte do E. Tribunal Regional Federal da Terceira Região.

Esclarecem os impetrantes que os pacientes residem na Suíça e houve pedido do Ministério Público, para que os denunciados residentes no exterior fossem citados e interrogados no país de seu domicílio. O pedido foi indeferido. Os impetrantes peticionaram para que o interrogatório dos pacientes fosse realizado na Suíça, mediante expedição de carta rogatória ou aditamento à carta rogatória já expedida para a citação de ambos. Postularam, ainda, fosse declarada nula a citação por edital, porque os pacientes estavam em local conhecido. Os pedidos foram indeferidos.

Impetrado habeas corpus perante o E. Tribunal Regional Federal da Terceira Região, a ordem foi denegada. No julgamento, também foi indeferido o pedido de aplicação de novo rito ao processo, nos termos da Lei nº 11.719/2008. Após a impetração, o juízo monocrático aplicou parcialmente a Lei nº 11.719/2008, sendo os pacientes citados na Suíça. Apresentaram eles resposta à acusação. Mas, como não haviam comparecido ao interrogatório designado com base no rito anterior, foi reconhecida a revelia de ambos.


Na contestação, os pacientes reiteraram o pedido de serem interrogados na Suíça. Mais uma vez não foram atendidos. Assim, estão eles a sofrer constrangimento ilegal, porquanto possuem o direito de serem interrogados em seu país de domicílio. A Constituição Federal garante aos estrangeiros não residentes do Brasil os mesmos direitos assegurados aos nacionais. Os pacientes respondem a processo penal e, assim, a eles deve ser garantido o exercício da ampla defesa, que inclui o direito de serem ouvidos. Manifesto o constrangimento ilegal sofrido por eles. E, considerando-se a iminência de expedição de pedidos de cooperação internacional às autoridades suíças para a oitiva de testemunhas de defesa, verifica-se o perigo na demora na prestação jurisdicional. Pleiteiam os impetrantes a concessão liminar da ordem, para que seja suspenso o processo, em especial a expedição dos pedidos de cooperação internacional, até o julgamento final deste remédio heróico, evitando-se, assim, ulterior anulação do processo, por cerceamento de defesa (fls. 2 a 27)

É o relatório.

No tocante às garantias constitucionais aos réus estrangeiros não a residentes no país, assiste razão aos impetrantes. Os princípios do devido processo legal e da garantia da ampla defesa devem ser observados em todos os procedimentos penais, sejam os acusados brasileiros ou estrangeiros. A dignidade humana não distingue entre nacionais e estrangeiros. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o habeas corpus nº 94016/SP, cujos impetrantes são os mesmos deste "writ", figurando como paciente Boris Abramovich Berezovsky ou Platon Eleni, relator o Ministro Celso de Mello, assim decidiu:

"HABEAS CORPUS" – SÚMULA 691/STF – INAPLICABILIDADE AO CASO – OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AFASTA A RESTRIÇÃO SUMULAR – ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL – IRRELEVÂNCIA – CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS – PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE – NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS OF LAW" COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL) – O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO "DUE PROCESS" – INTERROGATÓRIO JUDICIAL – NATUREZA JURÍDICA – MEIO DE DEFESA DO ACUSADO – POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES – PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA – PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENO) – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO "EX OFFICIO", COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AOS CO-RÉUS. DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR – SÚMULA 691/STF – SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido o afastamento, "hic et nunc", da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie. O SÚDITO ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO BRASIL, TEM DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE LHE ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO "STATUS LIBERTATIS" E A OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS". O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para a impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. – Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.


A ESSENCIALIDADE DO POSTULADO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, QUE SE QUALIFICA COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA PRÓPRIA "PERSECUTIO CRIMINIS". O exame da cláusula referente ao "due process of law" permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis "ex post facto"; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de "participação ativa" nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao "due process of law", além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos.

O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes.

POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UM DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS, INVOCANDO A GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW", VER ASSEGURADO O SEU DIREITO DE FORMULAR REPERGUNTAS AOS CO-RÉUS, QUANDO DO Superior Tribunal de Justiça RESPECTIVO INTERROGATÓRIO JUDICIAL. Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente do STF.

Em outro julgado, este Egrégio Tribunal deixou assentado: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INSTRUÇÃO CRIMINAL. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA RESIDENTE EM OUTRO PAÍS. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO. A busca pela verdade real constitui princípio que rege o Direito Processual Penal. A produção de provas, porque constitui garantia constitucional, pode ser determinada, inclusive pelo Juiz, de ofício, quando julgar necessário (arts. 155 e 209 do CPP). O Juiz apreciará livremente a prova. Não obstante, constitui cerceamento de defesa o indeferimento de pedido de oitiva de testemunha, máxime sob o convencimento antecipado quanto a sua"imprestabilidade".

A circunstância de uma das testemunhas arroladas pela defesa residir em outro país, devendo ser ouvida por carta rogatória, deve ser interpretada em consonância com a norma constitucional que garante a ampla defesa no processo penal (art. 5º, LV, da CF/88). É direito absoluto da defesa produzir a prova que entende necessária para demonstrar a inocência do acusado, em relação à imputação que lhe foi feita, mesmo quando o magistrado entende ser desnecessário. Recurso PROVIDO para garantir a oitiva da testemunha arrolada pelo paciente. (RHC 18106/RJ, relator Ministro PAULO MEDINA, j. em 28/03/2006).

Em análise cognitiva sumária possível nesta fase processual, parece assistir razão aos pacientes. De feito, o interrogatório, direito sagrado do réu, deve ser garantido a todos os acusados, sejam brasileiros ou não, residentes no território nacional ou no estrangeiro. Se os pacientes residem no exterior e se testemunhas arroladas lá serão ouvidas, em princípio não diviso óbice ao atendimento do pedido de realização do interrogatório na Suíça, onde estão eles domiciliados. Assim, para evitar futura alegação de nulidade por cerceamento de Superior Tribunal de Justiça defesa, defiro a liminar, para que seja sustado o trâmite processual, até a decisão final deste "writ". O processo está suficientemente instruído, pelo que ficam dispensadas as informações.

Ao Ministério Público Federal. Em seguida, conclusos.

Brasília (DF), 07 de maio de 2009.

MINISTRO CELSO LIMONGI

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

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