Funções diferentes

Fatma não exclui ações de fiscalização do Ibama

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11 de maio de 2009, 16h52

“A notificação exarada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pode conviver com a licença expedida pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma), pois ambas são instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.” Esse é o entedimento da juíza Marjôrie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva, da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, que negou pedido de liminar da empresa Proactiva Meio Ambiente Brasil para suspender os efeitos da notificação do Ibama. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A Fundação alegou que o Ibama, ao solicitar apresentação de informações e documentos, invadiu competência da Fatma, que emitiu a licença para a atividade. A juíza explicou que não se está discutindo o licenciamento, que cabe à Fatma, órgão estadual. “O que se verifica é a constatação de um dano ambiental, daí a notificação para a entrega dos documentos” que estariam “relacionados com a atividade da autora [a empresa] e as possíveis consequências que possa causar”.

A juíza não aceitou, também, a alegação da empresa de que não poderia apresentar alguns documentos, em função destes terem sido apreendidos durante as investigações da Operação Dríade, da Polícia Federal. “Pode a autora requerer à autoridade policial cópia dos documentos”, lembrou Marjôrie. Além disso, a magistrada considerou que a notificação não causa nenhum prejuízo à empresa, “na medida em que lhe possibilita comprovar o cumprimento das normas ambientais”.

Leia a decisão

Liminar/Atencipação de tutela

Trata-se de ação ordinária visando à nulidade da Notificação n. 342303-B, emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a qual exige a apresentação de informações e documentos por parte da empresa autora. Relata na inicial que sua atividade está voltada para a disposição final de resíduos sólidos (lixo), por meio de aterro sanitário, possuindo todas as licenças ambientais necessárias, sobretudo do órgão estadual do meio ambiente – a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina -FATMA. Todavia, recentemente viu-se envolvida em uma operação da Polícia Federal (denominada "Dríade"), que investiga várias empresas por suposto cometimento de crimes ambientais, tendo parte de seus documentos apreendidos, entre eles alguns dos requeridos pelo IBAMA, razão pela qual não tem como apresentá-los, pois até mesmo os que ficavam arquivados junto ao órgão licenciador, no caso, a FATMA, foram apreendidos em virtude da mesma investigação.

Sustenta, em suma, que, estando sua atividade devidamente licenciada, não há razões para a apresentação dos documentos solicitados pelo IBAMA, pois o órgão competente para proceder o licenciamento de atividades consideradas efetiva e potencialmente poluidoras, e capazes de causar degradação ambiental, é a FATMA. Não teria, assim, o IBAMA competência para fiscalizar suas atividades, pois sua atuação é meramente supletiva, só podendo atuar na falta ou omissão do órgão estadual, o que não é o caso. Afirma que, "ao notificar a requerente exigindo que esta entregue documentos relativos ao licenciamento ambiental, o IBAMA está invadindo a esfera de competência da FATMA/SC". Aponta ainda vícios no ato administrativo, sobretudo porque emitido sem fundamento legal e desprovido de qualquer motivação, e assevera a inexistência de qualquer afronta às normas ambientais no exercício de sua atividade. Ao final, requer a antecipação da tutela a fim de que sejam suspensos os efeitos da Notificação n. 342303-B.

Decido.

Não vislumbro verossimilhança nas alegações da autora.

Com efeito, consta do corpo da Notificação:

"Representação. Poluição. Aterro sanitário. Tijuquinhas. Apresentar informações e documentos discriminados na relação em anexo".

Essencialmente o cerne da questão é o poder de polícia em matéria ambiental.


O parágrafo 1º do art. 70 da Lei 9.605/98 dispõe:

"São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para a atividade de fiscalização,bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha".

O SISNAMA foi instituído pela Lei Federal n. 6.938/81, e está estruturado em órgãos federais, regionais (estaduais) e locais (municipais), responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. É no SISNAMA que encontramos os órgãos encarregados do Poder de Polícia em matéria ambiental, do qual fazem parte, entre outros, tanto o IBAMA quanto a FATMA.

É ponto firme na doutrina e no Direito brasileiro que a atribuição de policiar pertence a quem tem a competência para regular a matéria. Em matéria ambiental a competência da União está prevista no art. 24, VI e VII da CF:

"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(…)

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

Resta claro que, havendo um dano a bens, serviços ou interesses da União, dá-se ensejo à competência do ente federal (IBAMA) para a atuação destinada à repressão administrativa dos infratores.

O que remanesce fica em princípio sob a responsabilidade dos Estados.

Como visto, a competência para o exercício do Poder de Polícia segue a competência legislativa.

Dispõe ainda a CF, no art. 23, a respeito da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;"

Diante disso, não há prevalência de atuação entre todos os entes da federação (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) em se tratando de assunto no qual ocorre a cumulatividade de competências.

Pode-se dizer, então, que todos os entes federativos têm competência comum para exercer o Poder de Polícia Ambiental.

Estes dispositivos constitucionais servem de suporte à sua atividade legislativa e de polícia.

O Poder de Polícia manifesta-se sempre por meio de atos administrativos, que vêm a ser os atos de polícia. Há que se distinguir os meios de atuação da Administração Pública, os quais se exteriorizam de diferentes formas. Os atos de polícia ambientais mais comuns são a licença, a autorização e a fiscalização. Segundo definições trazidas por Marcelo Dawalibi, in "O Poder de Polícia em Matéria Ambiental", Revista de Direito Ambiental, vol. 14:

"A licença é o ato pelo qual a Administração Pública faculta ao administrado a prática de uma atividade, após ter o interessado demonstrado que atingiu os requisitos legais para tanto. Trata-se de ato administrativo vinculado, posto que a lei não confere liberdade ao administrador, estabelecendo previamente os requisitos para a prática da atividade licenciada. Se o administrado preenche os requisitos legais, tem direito subjetivo à licença.(…)

Já a autorização, ao contrário, é um ato discricionário, pelo qual a Administração Pública faculta a alguém o exercício de uma atividade. Nesta hipótese, o administrador público tem liberdade para a aferição da conveniência e oportunidade da atividade autorizada, tendo como limite, obviamente, o interesse social. Não pode ser autorizada, pois, atividade nociva ao interesse público. A autorização, ademais, é em regra precária, podendo ser revogada a qualquer tempo. (…)


Outra modalidade de ato de polícia é a fiscalização, que consiste na averiguação do uso de bens ou o exercício de atividades com o escopo de aferir se o administrado está cumprindo as exigências legais. Trata-se de importante ato de polícia, porquanto previne eventuais danos decorrentes do exercício de atividades em desconformidade com o interesse público".

No caso em exame, colhe-se dos autos que a autora obteve Licença Ambiental de Operação – LAO n. 1020/2007, expedida pelo órgão ambiental estadual – FATMA, em 12 de dezembro de 2007. O IBAMA, por sua vez, no exercício de seu poder de fiscalização, lavrou o auto de notificação n. 342303-B, a fim de que a autora apresentasse documentos relativos aos aspectos ambientais da atividade, tendo em visto a evidência de poluição causada pelo empreendimento.

Trata-se, pois, de ato administrativo diverso do licenciamento. É dizer: não se está aqui discutindo a competência para o licenciamento ambiental do empreendimento, visto que esta cabe ao órgão estadual (art. 10 da Lei 6.938). O que se verifica, no caso, inobstante a licença expedida, é a constatação de um possível dano ambiental (poluição), daí a notificação para a entrega dos documentos, os quais, conforme se verifica do complemento ao formulário de notificação, estão relacionados com a atividade da autora e as possíveis consequências que ela possa causar.

Em regra, o órgão com atribuições para o licenciamento também será competente para a fiscalização e aplicação de penalidades administrativas. Exemplo disso seria a hipótese de a FATMA autuar o empreendimento por ela licenciado por desrespeito às condicionantes constantes da Licença.

Porém, como mencionado, a competência de um ente para o licenciamento não impede o exercício de Poder de Polícia em meio ambiente dos demais entes federativos, visto que se trata, para isso, de competência comum.

Dispõe ainda o art. 225 da CF:

"Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Ao impor ao Poder Público o dever de defender o meio ambiente, a CF deixa claro que o exercício do Poder de Polícia éobrigatório.

Além disso, "é impossível conceber o Poder de Polícia no meio ambiente em um contexto isolado. Os atos de polícia não são um fim em si mesmos; somam-se e harmonizam-se com outras ações do Poder Público, que colimam a eficaz defesa do meio ambiente"(Marcelo Dawalibi, obra citada) – grifo nosso.

Isto significa dizer, então, que a notificação exarada pelo IBAMA pode conviver com a licença expedida pela FATMA; ambos são instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º da lei 6.938/81).

A própria autora afirma na inicial que a validade da licença não está sendo questionada. Nem se pretende, com a notificação, desconstituir a licença, não havendo que se falar, assim, em "um órgão revisor ou mesmo fiscalizador da atuação de outro órgão do meio ambiente". Mesmo em caso de verificação de dano ambiental, e lavratura de auto de infração, sanada a irregularidade, com a recomposição de eventual dano apontado, a Licença permanece hígida para o desenvolvimento das atividades da empresa. São competências distintas: a de licenciar e a de fiscalizar.

O conjunto de disposições constitucionais, bem assim as várias leis e normas infraconstitucionais, além de servir de fundamento normativo ao Poder de Polícia em matéria ambiental, torna evidente a relevância do meio ambiente como bem de uso comum do povo e valor social fundamental.

Entendimento diverso, no sentido de que o órgão federal não pudesse fiscalizar a ocorrência de dano ambiental em obra licenciada por outro ente, acarretaria situações absurdas, como a de União ver inviabilizado o exercício constitucional de seu poder de polícia até mesmo em relação a seus próprios bens.


Exemplo local seria o caso de um empreendimento licenciado pela FATMA, à beira-mar, estar de alguma forma causando um dano a terreno de marinha, bem da União, e esta ficar impedida de fiscalizar e autuar a infração ambiental detectada em seu próprio domínio.

Neste sentido foi o julgado proferido em decisão recente do STJ, noticiado na página do Tribunal na internet, com os seguintes dizeres:

Ibama é competente para fiscalizar atividade ambiental outorgada por órgão estadual Em decisão inédita relatada pelo ministro Humberto Martins, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em caso de omissão do órgão estadual na fiscalização da outorga de licença ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pode exercer seu poder de polícia administrativa com base no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei n. 6.398/81. A decisão deixou clara a distinção entre as competências de licenciar e de fiscalizar. No caso julgado, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região afastou a competência do Ibama para fiscalizar e emitir auto de infração com aplicação de multa por conduta tipificada como contravenção penal, contra uma exportadora de cereais do Paraná cuja licença ambiental foi concedida pelo órgão estadual de meio ambiente. Segundo os autos, a atividade estava sendo executada sem o devido acompanhamento do órgão estadual e causando danos ao meio ambiente. O Ibama recorreu ao STJ, mas seu recurso especial foi rejeitado monocraticamente pelo ministro Humberto Martins. Na ocasião, ele argumentou que a jurisprudência da Corte orienta-se no sentido de que, se o ato originário do auto de infração é tipificado como contravenção penal, é vedada ao funcionário do Ibama a aplicação de multa, visto que não se trata de infração administrativa, e que só a lei, em sentido formal e material, pode tipificar infração e impor penalidade. O órgão interpôs agravo regimental reiterando que a competência constitucional para fiscalizar é comum a todos os órgãos ambientais. Sustentou, ainda, que sua competência para fiscalizar atividades que possam causar dano ambiental é supletiva na forma do artigo 10 da Lei n. 6.938/91, mas é plena para fiscalizar a adequação das condutas dos agentes às normas jurídicas e aos termos das licenças. Ao analisar o agravo, o relator concluiu que a atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo Ibama, mesmo que a competência para licenciar seja de outro ente federado, pois o pacto federativo atribui competência aos quatro entes da Federação para proteger o meio ambiente por meio da fiscalização. Segundo o ministro, o poder de polícia administrativa envolve diversos aspectos, entre eles, o poder de permitir o desempenho de uma atividade desde que atendidas as prescrições normativas e o poder de sancionar as condutas contrárias à norma. E, como a contrariedade à norma pode ser anterior ou posterior à outorga da licença, a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou. Em seu voto, o relator concluiu que de fato não é o caso de competência supletiva para licenciar, e sim de competência própria para fiscalizar, não cabendo, portanto, a incidência do caput do artigo 10 da Lei n. 6.398/81, aplicado pelo TRF. O referido dispositivo determina que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. Para ele, a competência de fiscalizar do Ibama está definida no parágrafo 3º do artigo 10, que dispõe que o órgão estadual do meio ambiente e o Ibama, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição para manter as emissões gasosas, os afluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido. "Esse é o dispositivo que deve ser aplicado, pois a atuação da União não se mostra apenas na omissão do órgão estadual, mas apresenta-se também para evitar danos ambientais a bens seus", ressaltou o relator em seu voto. Assim, a Turma concluiu que, ao afastar a competência do Ibama, o tribunal de origem violou o parágrafo 3º da referida lei e determinou a imediata reforma do acórdão para anular a segurança anteriormente concedida. Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Herman Benjamim destacou que, mais do que uma questão ambiental, este precedente do STJ define, com exatidão, a distinção entre a competência para licenciar e para fiscalizar.Coordenadoria de Editoria e Imprensa AgRg 711405 – 04/05/2009.

Assim, a notificação expedida pelo IBAMA é ato que se insere em seu poder de polícia e, ao contrário do que afirma a autora, não pode ser reputado de ilegal, pois visa aprofundar a análise acerca dos possíveis danos por ela causados antes mesmo de impor eventual auto de infração. Na verdade, não traz qualquer prejuízo ao interessado, na medida em que lhe possibilita comprovar o cumprimento das normas ambientais mediante a apresentação dos documentos requeridos.

Por fim, não prospera também a alegação de que os documentos não podem ser exigidos porque foram apreendidos pela Polícia Federal. A fim de dar cumprimento à notificação do IBAMA, pode a autora requerer à autoridade policial cópia dos documentos.

Ante o exposto, indefiro a antecipação da tutela.

2. CITE-SE o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, na pessoa de seu representante legal, nesta Capital, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo de 60 (sessenta dias), e intime-se também o réu para, no mesmo prazo, apresentar as provas que pretende produzir, ficando desde logo indeferido pedido genérico de produção de provas.

3. Em seguida, intime-se a autora para que se manifeste sobre a contestação, no prazo de 10 (dez) dias, bem como diga se pretende produzir outras provas, justificando-as.

4. Dê-se vista ao Ministério Público Federal.

5. Após, voltem os autos conclusos.

Florianópolis, 05 de maio de 2009.

Marjôrie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva

Juíza Federal Substituta

2009.72.00.004508-0

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