Dever da profissão

Responsabilidade do médico provém de suas atividades

Autor

  • Lindojon Gerônimo Bezerra dos Santos

    é professor de Direito advogado e product manager. Membro da Casa de Montezuma (IAB Nacional). Foi membro consultor no Conselho Federal da OAB um dos responsáveis pela Cartilha de Contratos Bancários e por diversas notas técnicas entre elas a que resultou na inclusão da Advocacia como parte integrante na plataforma governamental Consumidor.gov.br de solução de conflitos. Co-coordenador do livro "Direito do Consumidor na Sociedade da Informação" - editora Foco 2022 e co-autor dos livros "Direito do Consumidor Aplicado - Garantias de Consumo" - editora Foco 2023 e "“25 Anos do Código de Defesa do Consumidor: Trajetória e Perspectivas" - editora Revista dos Tribunais 2016. Especialista colaborador externo da TV Justiça e da Rádio Justiça. Com mestrado em andamento em Direito na Universidade Autónoma de Lisboa. Especialista em Direito do Consumidor e em Ciências Criminais.

10 de maio de 2009, 7h34

Responsabilidade, segundo o Dicionário Aurélio[1] é a “capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade”.

O médico presta importante serviço à humanidade com seu ofício e há de se considerar que existe uma relação de consumo entre o médico e seu paciente. Contudo, com o aumento da demanda e a possibilidade do profissional liberal se tornar funcionário de um hospital ou uma clínica, a relação consumerista deixa de ter o médico em um de seus pólos para dar espaço ao hospital ou à clínica.

A responsabilidade civil médica é a obrigação desse profissional em reparar danos causados a outrem utilizando-se do seu ofício.

Há de distinguir-se a responsabilidade civil do médico, pois o Código de Defesa do Consumidor elucida que, enquanto profissional liberal a responsabilidade é subjetiva[2] e, enquanto prestador de serviços em estabelecimentos médicos, a sua responsabilidade se insere na do estabelecimento, de forma solidária, sendo, pois, objetiva[3].

Convém trazer à baila que o objeto do contrato médico não é a cura, considerada obrigação de resultado, mas sim a prestação dos serviços médicos com diligência e prudência, atuando dentro da melhor técnica compatível com o local e tempo do atendimento médico que realizar, se caracterizando assim como obrigação de meio.

Os ensinamentos da insigne doutora Belinda Pereira da Cunha trazem à lume coadunação com o supra exposto:

Com a verificação dos componentes da culpa – negligência, imprudência e imperícia – o profissional liberal terá a seu favor a apreciação da situação em que, tendo agido diligentemente, sem a prática de qualquer ato ou adoção de conduta-meio que pudesse comprometer o resultado de seu trabalho, invariavelmente sucedeu o defeito. De outro lado, se presente qualquer dos componentes que cooperam para a culpa do fornecedor profissional liberal, como tal deverá responder pelos danos causados ao consumidor. (CUNHA: 2007, p. 42.)

Não se tem considerado como culpável, o erro profissional, isto é, aquele oriundo da incerteza da arte médica, sendo ainda objeto de controvérsias científicas. Daí a justificativa para a falibilidade do profissional. Com efeito, o magistrado não deve entrar em apreciações de ordem técnica quanto aos métodos científicos que, por sua natureza, sejam passíveis de dúvidas e discussões.

Também não acarreta a responsabilidade civil do médico a iatrogenia (iatros: médico; genia: origem). A lesão iatrogênica é justamente aquela causada pelo atuar médico correto. Não existe apenas a intenção benéfica do profissional da medicina, mas um proceder certo, preciso, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência médica. No entanto, ainda assim, sobrevém ao paciente uma lesão em decorrência daquela forma de agir, lesão que muitas vezes pode até ser fatal.

Todo procedimento médico tem um potencial de trazer para o paciente uma complicação, por mais leve que seja. Há muitos procedimentos que causam sequelas ao paciente, mas que precisam ser realizados em razão de não haver outro tratamento possível para aquele mal.

Outra questão igualmente importante, que não acarreta em responsabilidade civil do médico, é a da chamada complicação ou intercorrência médica. Distingue-se da lesão iatrogênica, posto que esta é a causada ao paciente por um ato médico correto, realizado dentro do recomendável, sendo previsível e esperada, porém inevitável. Já a complicação ou intercorrência médica se consubstancia, como o próprio nome indica, num evento danoso, mas que decorre não de um ato médico específico, mas de uma série de fatos, tais como reação adversa do organismo da pessoa, pouca resistência imunológica etc.

Da mesma forma se tem afirmado que o erro de diagnóstico, que consiste na determinação da doença do paciente e de suas causas, não gera responsabilidade, desde que escusável em face do estado atual da ciência médica. Tal erro, hoje em dia, devido aos diversos exames clínicos que possui o médico para diagnosticar o mal do paciente, encontra campo bem restrito.

Diferente, porém, a situação quando o profissional se mostra imperito e desconhecedor da arte médica, ou demonstra falta de diligência ou de prudência em relação ao que se podia esperar de um bom profissional. Neste caso, não obstante a técnica empregada seja correta, a conduta médica é incorreta, isto é, o médico aplica mal uma técnica boa. Desponta, assim, a responsabilidade civil decorrente da violação consciente de um dever ou de uma falta objetiva do dever de cuidado, impondo ao médico a obrigação de reparar o dano causado.

A jurisprudência pátria vem de encontro ao exposto no presente artigo, tal qual se vê neste Recurso Especial impetrado no Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEGLIGÊNCIA. INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL.

1. A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o parágrafo primeiro do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor como a norma sustentadora de tal entendimento. Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar.

2. Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e  diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional – teoria da responsabilidade subjetiva. No entanto, se, na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda objetivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado – daí um contrato de resultado firmado às avessas da legislação.

3. O cadastro que os hospitais normalmente mantêm de médicos que utilizam suas instalações para a realização de cirurgias não é suficiente para caracterizar relação de subordinação entre médico e hospital. Na verdade, tal procedimento representa um mínimo de organização empresarial.

4. Recurso especial do Hospital e Maternidade São Lourenço Ltda. provido. (REsp 908.359-SC, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27/8/2008.) 

Logo, restou configurado que a responsabilidade civil do médico decorre da atividade que este profissional se dispõe a fazer e a forma de execução. Podendo, se for realizado um serviço diretamente ao consumidor, ser de responsabilidade subjetiva, cabendo a reparação se dar apenas quando ficar evidente a existência da culpa. E, enquanto empregado, o médico se solidariza com a empresa a qual presta seus serviços, respondendo a empresa de forma objetiva, independentemente de comprovação de culpa, bastando somente existir o dano a reparar.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 CUNHA, Belinda Pereira da. Direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. 32. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 1. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 1. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1.


[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. 32. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 1496.

[2] Art. 14, § 4°, CDC: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

[3] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Autores

  • Brave

    é secretário ministerial da 3ª Promotoria de Justiça de Codó-MA, técnico ministerial do Ministério Público do Maranhão e diretor de Benefícios do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Maranhão – SINDSEMP-MA

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