Terras da Amazônia

MP sobre regularização fundiária gera divergências

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7 de maio de 2009, 12h32

A Medida Provisória 458/09, editada recentemente pelo governo e que pode resolver um dos principais problemas de terras na Amazônia, está prevista para ser votada na próxima semana na Câmara dos Deputados. A MP, elaborada para tratar da regularização fundiária da Amazônia Legal, foi alvo de debate no I Seminário de Direito Ambiental, que teve início no dia 4 e termina nesta quinta-feira (7/5), em Manaus. E gerou divergências.

O decreto que regulamentou a MP, assinado pelo presidente Lula, faz parte de um pacto assinado entre o governo federal e o estadual para acelerar a redução de desigualdade nesta região do país e regulamenta o programa Terra Legal, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A Amazônia Legal soma 508,8 milhões de hectares e corresponde a totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

De acordo com a proposta, a medida pode facilitar a regularização das propriedades de até 1.500 hectares na Amazônia, que até então não tem padrão na ocupação de terras. As áreas protegidas como terras ocupadas ilegalmente em Áreas de Proteção Permanente, áreas indígenas demarcadas ou não e florestas nacionais não são passíveis de regularização. Ou seja, as terras tradicionais não podem ser comercializadas.

A proposta, contudo, é motivo de discórdia entre ruralistas e profissionais da área do Direito Ambiental. O juiz Alcir Gursen de Miranda, de Roraima, foi um dos palestrantes que contestou a MP. O juiz estuda há 30 anos a situação jurídica da Amazônia e disse à revista Consultor Jurídico que a maioria das medidas elaboradas especificamente para a região não condiz com a realidade.

Segundo ele é preciso entender o mosaico fundiário da Amazônia para que se editem normas de qualidade. Destacou que, a MP, assim como muitas leis feitas especificamente para o estado, não resolve, por exemplo, o problema das comunidades ribeirinhas, que estão à margem da lei. “Caboclos hoje são vistos como invasores, grileiros de terras. Mas, não é isso. Eles vivem em situação de respeito ao meio ambiente. O homem da Amazônia não destrói a fauna e a flora. As pessoas que vem de fora são as que destroem”, afirma.

O juiz afirma que as comunidades ribeirinhas ficam sem visibilidade política, jurídica e econômica. E que eles são denominados na MP como os povos da floresta. O que, para ele, é um equivoco. Ele ressalta que esse termo é muito amplo porque povos da floresta podem ser macacos, onças e todos os bichos que habitam na Amazônia. “A realidade criada em Brasília, em gabinetes com ar condicionado, não condiz com a realidade amazônica. É preciso acabar com as abstrações. O Direito não pode ser distante da realidade”, completa.

Gursen Miranda também chama a atenção para o fato de a MP regularizar terras da União, quando historicamente o princípio federativo brasileiro não permite que a União tenha terras, de acordo com ele. Acrescenta que a MP faz um caminho inverso. “Ou seja, em vez de a União devolver a terra para o estado se acha dona da situação. O discurso de que a medida vai regularizar a situação fundiária para combater a desigualdade é muito bom, mas ratificaram um ato de exceção da época do regime militar e que deturpa o Estado Democrático de Direito”.

Ainda segundo o juiz, o único estado que teve suas terras de volta foi uma região do Pará e, mais recentemente, Roraima com as terras indígenas Raposa Serra do Sol.

Visão oposta

A secretária Nádia Cristina Ferreira, da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, mostrou à revista ConJur uma visão oposta. Questionada se havia medidas do governo, como políticas públicas para resolver a situação dessas pessoas que vivem em terras da União, ela afirmou que o poder público estadual não ignora de maneira nenhuma o ribeirinho e que há política de reconhecimento dessas comunidades. Ela discordou do juiz Gursen de Miranda e disse que essas pessoas não são ignoradas pelo governo.

Uma das medidas, segundo ela, é pagar uma bolsa para famílias que vivem em harmonia com o ecossistema. Essas pessoas recebem cerca de R$ 50 do Bolsa Floresta por assumir o compromisso de não desmatar a floresta. O programa foi criado pelo governador Eduardo Braga (PMDB), em 2003, durante o seu primeiro mandato.

O consultor jurídico Guilherme Rodrigues, do Ministério do Meio Ambiente, afirmou que há três patamares para regularização e a MP não ignorou as comunidades ribeirinhas. Ele explicou que o objetivo da medida é dar a concessão de Direito Real de uso, que é um direito firme e não retirar essas pessoas da área. O consultor reforça que a intenção é fixar essas pessoas nas terras.

Hoje existe uma resistência de parte dos parlamentares apenas quanto a condições ambientais relacionadas a questão. A outra resistência vem da bancada ruralista na Câmara dos Deputados. A MP será votada na Câmara e depois segue para o Senado. O relator é o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA).

O seminário, em Manaus, é promovido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e pela EAGU (Escola da Advocacia-Geral da União). As entidades contam também com apoio de diversas entidades representativas de carreiras jurídicas do estado.

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