Judiciário independente

AMB quer menos interferência do Executivo na Justiça

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4 de maio de 2009, 11h58

As propostas para novas regras no Judiciário trazidas pelo II Pacto Republicano, assinado recentemente pelos chefes dos três Poderes, abre espaço para o debate quanto ao poder de escolha dos membros dos tribunais pelo Executivo. A afirmação é do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares. O tema será abordado em seminário promovido pela entidade nesta terça (5/5) e quinta-feiras (7/5), em Brasília.

Em entrevista concedida ao Jornal do Commercio, publicada na edição desta segunda-feira (4/5), Valadares questionou a conveniência das 49 nomeações feitas pelo presidente Lula em seus dois mandatos, para 86 vagas de ministros disponíveis no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar. "Será que isso está certo? Será que fortalece o Poder Judiciário? Será que dá mais credibilidade à Justiça?", indagou o magistrado, que defende a adoção de mecanismos que diminuam a interferência sobre a composição não apenas dos tribunais superiores, como também dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs).

O presidente da AMB defende também a extinção do Quinto Constitucional e que as cortes trabalhistas e federais sejam as responsáveis pela promoção de seus magistrados, tal como ocorre na Justiça dos estados. Em relação especificamente ao STF, ele propõe uma espécie de quarentena quando o indicado já tiver ocupado cargo no governo ou mesmo que o tribunal faça as indicações ao presidente da República. "Em 1998, o Poder Judiciário adquiriu sua autonomia financeira e administrativa. Como é que há pessoas, então, que chegam a ele por indicação política? Então, acho que essa é uma independência capenga. Essa autonomia financeira e administrativa são capengas. Essa autonomia precisa ser restaurada para que o Judiciário possa recrutar seus próprios membros", afirmou o presidente da AMB.

Leia abaixo a entrevista.

Jornal do Commercio – Qual é a importância de se debater o acesso aos tribunais superiores?
Mozart Valadares –
Essa interferência política nas indicações dos tribunais superiores, na questão do Quinto Constitucional, no acesso aos tribunais de Justiça e da promoção por merecimento nos tribunais regionais do trabalho e regionais federais pode colocar a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário em xeque. Vamos discutir esses pontos no seminário.

Jornal do Commercio – Qual é a posição da AMB em relação à indicação aos tribunais superiores?
Mozart Valadares – Há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que propõe um mandato para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Seria de 11 anos. No entanto, o que queremos discutir são os mecanismos de acesso. Será que a forma atual, em algum momento, não arranha a independência e imparcialidade do Poder Judiciário? A culpa não é desse governo ou do anterior. É do sistema. Hoje a pessoa é ministro da Justiça, advogado-geral da União ou auxiliar do presidente da República, noutro ela chega ao Supremo Tribunal Federal para apreciar uma matéria de interesse do Executivo. Será que isso, em algum momento, não deixa a sociedade intranquila? Será que a sociedade não coloca em suspeição algumas decisões quando são proferidas por alguém que foi nomeado pelo presidente da República?

Jornal do Commercio – O que prevê a proposta do deputado Flávio Dino?
Mozart Valadares –
O núcleo da proposta é a instituição de um mandato para que haja maior rotatividade da cúpula do Poder Judiciário. Assim propõe um mandato de 11 anos sem direito à recondução. No entanto, não entra na questão da indicação. Só para se ter uma ideia de como essa questão é grave temos quatro tribunais superiores: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar. Juntos, somam 86 lugares. O presidente Lula já nomeou mais de 50% das vagas dos tribunais superiores do País. Em um colegiado de 11 que compõem a Suprema Corte, ele já nomeou sete.

Jornal do Commercio – Na avaliação da AMB, de que forma o sistema de indicação poderia ser reformulado?
Mozart Valadares – Não acho que o STF, que dá a última palavra sobre a leitura da Constituição, deva ser reservado para magistrados de carreira ou advogados. Não tenho uma opinião formada, estamos fazendo esse seminário para discutir, mas será que o colegiado do Supremo não poderia escolher três nomes, dentre os juízes de carreira e advogados, e encaminhar para o presidente escolher um? Temos que pensar numa proposta que divida um pouco a responsabilidade da indicação dos ministros dos tribunais superiores. Na época da Reforma do Judiciário, que resultou na aprovação da Emenda Constitucional 45, a AMB apresentou uma proposta que fixava uma espécie de quarentena. Assim, quem já tivesse sido ministro da Justiça, advogado-geral da União, deputado federal, senador, governador teria que estar, no mínimo, três anos afastado do cargo para poder ter acesso ao STF. Trata-se de outra proposta, outro mecanismo para reduzir a influência que às vezes põem em xeque as decisões judiciais.

Jornal do Commercio – Que fim teve esse projeto?
Mozart Valadares
– Não foi aceito. Foi na época da Reforma do Judiciário, colocamos para discussão, mas foi rejeitado pelo Senado.

Jornal do Commercio – Como seria essa indicação pelos próprios ministros?
Mozart Valadares – Não é uma proposta da AMB, mas estamos colocando para discussão. Se o STF se reunisse e escolhesse três nomes, dentre juízes, desembargadores e ministros de outros tribunais superiores, e mandasse para o presidente, que escolheria um e o submeteria ao Senado. Com isso colocaria-se um critério mais impessoal, não dependeria só do presidente da República.

Jornal do Commercio – Essa indicação não continuaria sendo política?
Mozart Valadares
– Mas tudo passa por isso. Agora temos que buscar melhorias para que o poder não fique concentrado demais. O STJ, quando indica alguém para a vaga de desembargador estadual, escolhe três desembargadores do País inteiro. O mesmo para a vaga de desembargador federal. Isso diminui um pouco o poder do presidente da República nessa indicação. O presidente fará a escolha, mas ele será obrigado a escolher um desses três nomes.

Jornal do Commercio – O senhor disse que essa interferência põe em xeque a independência do Judiciário. O senhor acha, então, que o Judiciário atual não é independente?
Mozart Valadares – Não vejo independência quando parte do colegiado e parte da cúpula do Judiciário é formada por indicações. É o presidente que nomeia ao seu bel prazer. O Judiciário é um poder independente, mas não tem a prerrogativa de recrutar seus próprios membros? Ora, isso demonstra até uma divergência com o texto constitucional. Em 1998, o Poder Judiciário adquiriu sua autonomia financeira e administrativa. Como é que há pessoas, então, que chegam a ele por indicação política? Então, acho que essa é uma independência capenga. Essa autonomia financeira e administrativa são capengas. Essa autonomia precisa ser restaurada para que o Judiciário possa recrutar seus próprios membros.

Jornal do Commercio – Em relação aos TRFs e TRTs, o que a AMB propõe?
Mozart Valadares
– Nesses tribunais, há o Quinto Constitucional e a promoção por merecimento. O colegiado do TRF, por exemplo, escolhe três nomes, manda para o presidente da República e ele nomeia quem quiser. O presidente da República não conhece nenhum dos três juízes, não sabe sobre o comportamento ético e moral de nenhum deles, não sabe sobre a antiguidade, sobre a qualidade do serviço que prestam. Quem tiver mais prestígio com os políticos da região ganha a disputa. Que independência é essa?

Jornal do Commercio – Os critérios acerca do merecimento não foram aperfeiçoados com a Emenda Constitucional 45?
Mozart Valadares – Isso em relação à magistratura estadual. No TRF da 2ª Região, por exemplo, que abrange dois estados, o do Rio de Janeiro e o Espírito Santo, quando surge uma vaga por merecimento para o magistrado de carreira, forma-se uma lista tríplice, por meio de voto aberto e fundamentado, mas essa lista é encaminhada ao presidente da República. Ou seja, quem tem maior apoio político é quem acaba por ser promovido por merecimento.

Jornal do Commercio – Que alteração o senhor sugeriria para solucionar esse problema?
Mozart Valadares
– Defendemos o mesmo sistema existente para os tribunais de Justiça, que são os que promovem seus juízes por merecimento. Que os TRFs tenham a prerrogativa de promover seus juízes. Não são eles que sabem como é a atuação dos juízes? Que votem no merecedor da promoção.

Jornal do Commercio – Qual é a posição da AMB em relação ao Quinto Constitucional?
Mozart Valadares – A mesma coisa. Essa vaga pertence à OAB e ao Ministério Público, que mandam uma lista e o governador é quem faz a escolha do nome. Como disse, para ser promovido nesse País, a decisão precisa ser motivada e por voto aberto. O governador, no entanto, faz a nomeação para a vaga do Quinto Constitucional dos tribunais de Justiça sem fundamentar seu ato administrativo. Nomeia quem quer e tiver mais poder político perante o Executivo estadual. Selecionamos alguns casos que mostram a gravidade disso. Será que isso está certo? Será que fortalece o Poder Judiciário? Será que dá mais credibilidade à Justiça?

Jornal do Commercio – O Quinto Constitucional não oxigena os tribunais?
Mozart Valadares
– O Quinto Constitucional existe há mais de 70 anos. Foi criado por Getúlio Vargas, não para oxigenar os tribunais, mas para interferir no Judiciário. Faço, então, um desafio. Pergunto o seguinte: qual colegiado nesse País se tornou mais democrático e mais transparente, se aproximou mais da sociedade e se tornou mais impessoal, em razão do Quinto Constitucional? Quero um exemplo só. Se alguém me apontar um colegiado no qual tenha havido modificação substancial quanto a uma maior democratização interna, transparência e aproximação com a sociedade em virtude do Quinto, me calo. Até hoje ninguém conseguiu me apontar um colegiado onde tivesse sido registrada essa modificação. Hoje, temos o Conselho Nacional de Justiça, que é o responsável pelo planejamento e o controle dos atos administrativos de todo o Judiciário brasileiro. O CNJ tem advogados, promotores e representantes da Câmara e do Senado. Então, representa mais um motivo para a revogação do Quinto Constitucional.

Jornal do Commercio – O senhor acha que o 2º Pacto Republicano deveria abranger o debate sobre o acesso aos tribunais?
Mozart Valadares – Essa é uma questão que tem que ser debatida, tanto que no Congresso há outras propostas de modificação do acesso aos tribunais. A sociedade brasileira e a classe política têm que se preocupar com o Judiciário. O Judiciário é um dos poderes da República. Temos que ter um Judiciário forte e independente, cujas decisões, em nenhum momento, estejam sob suspeição da sociedade. Então, temos que aproveitar a oportunidade desse Pacto Republicano para discutir a composição da cúpula do Judiciário brasileiro. Identificar os mecanismos que possam diminuir essa interferência indevida do Executivo sobre o Judiciário.

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